A falta de uniformidade quanto aos conceitos e à terminologia na psicopatologia descritiva

A falta de uniformidade quanto aos conceitos e à terminologia na psicopatologia descritiva

Comparando-se os textos dos mais importantes livros de psicopatologia, observa-se que: (1) um mesmo termo é utilizado com diferentes sentidos por diversos autores; (2) determinados conceitos são considerados por alguns autores, mas ignorados por outros; e (3) um mesmo conceito é designado por termos diferentes. Assim, pode-se afirmar que faltam universalidade e uniformidade a alguns dos mais importantes conceitos e termos da psicopatologia descritiva. Essa ausência de uma linguagem comum envolve alguns dos principais tópicos em psicopatologia e, consequentemente, afeta as discussões de casos clínicos, prejudicando a comunicação entre profissionais ou estudantes na área de saúde mental.


Um exemplo dessa situação de heterogeneidade pode ser encontrado na classificação das vivências alucinatórias, que são divididas em três tipos: alucinações verdadeiras, pseudoalucinações e alucinoses. As pseudoalucinações, um conceito de Kandinski, distinguem-se das alucinações verdadeiras pelo fato de o objeto percebido não possuir corporeidade – isto é, não ter três dimensões – e se localizar no espaço subjetivo interno – ou seja, “dentro” da mente. Isso torna as pseudoalucinações mais semelhantes às imagens representativas do que às perceptivas. Ainda de acordo com a descrição de Kandinski, a crença na realidade do fenômeno é a mesma observada nas alucinações verdadeiras. Todavia, o conceito de pseudoalucinação é controverso, e, para alguns autores, poderia haver crítica por parte do paciente. Além disso, muitos psiquiatras empregam esse termo com outros significados, relacionando-o, por exemplo, a certas experiências sensoriais em quadros dissociativos.


Nas alucinoses, descritas por Claude e Ey, a imagem é percebida no espaço objetivo externo (fora da mente), mas, ao contrário do que acontece nas alucinações verdadeiras, a imagem é adequada e imediatamente criticada pelo indivíduo, que reconhece que aquele objeto não está realmente presente. Além disso, as alucinoses ocorrem sob lucidez de consciência, sendo também chamadas de alucinações neurológicas, já que estão relacionadas a distúrbios de origem orgânica, como enxaqueca ou focos epilépticos. O termo alucinose, porém, é usado com outro significado bem diverso. Foi introduzido por Wernicke para designar “delírios alucinatórios agudos e crônicos”. Um exemplo dessa condição é a categoria nosológica alucinose alcoólica, que se caracteriza pela ausência de crítica por parte do enfermo em relação às vivências alucinatórias (auditivas), as quais constituem, portanto, alucinações verdadeiras, e não alucinoses.


Bibliografia


Cheniaux E. Manual de psicopatologia. 5. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015.


Cheniaux E. Psicopatologia descritiva: existe uma linguagem comum? Rev Bras Psiquiatr. 2005; 27:157-62.


Compartilhe: