A mulher com diabetes
- 19 de mar de 2018
Por Dra. Lenita Zajdenverg – Em 2017, o tema escolhido da campanha do Dia Mundial do Diabetes, promovida pela Organização Mundial da Saúde junto à Federação Internacional de Diabetes, foi: Mulheres e Diabetes – nosso direito a um futuro saudável. A iniciativa serviu para destacar a questão da saúde da mulher com diabetes. Particularmente no Brasil este tema é de grande importância. O ultimo censo brasileiro feito por meio de inquérito telefônico em 2016 revelou que no nosso país, nos últimos 10 anos, houve um incremento de 61.8% do número de pessoas com diabetes. Além disso, no Brasil o diagnóstico é significativamente mais frequente no sexo feminino.
Por que especificar a mulher com diabetes?
Além da maior prevalência de diabetes na população feminina brasileira, existem diversas particularidades que diferenciam a evolução e os riscos do diagnóstico de diabetes na mulher, em comparação com a população masculina.
Estudo publicado em 2007 no Annals of Internal Medicine mostrou que houve significativa queda da taxa de mortalidade por diabetes entre os anos de 1971 e 2000 apenas entre os homens.
Por que os avanços no tratamento do diabetes somente refletiram na redução da taxa de mortalidade de homens e não das mulheres?
Fatores comportamentais e sociais interagem com fatores biológicos para afetar a saúde das mulheres, particularmente aquelas com diabetes ou outras doenças crônicas. Independentemente do nível socioeconômico, mulheres têm em média menor renda que os homens. Além disso, o estilo de vida moderno em que há maior inserção feminina no mercado de trabalho, mas em que ainda persiste o grande comprometimento com atividades domésticas e cuidados com os filhos, dificulta a adesão ao estilo de vida mais saudável e o acesso ao tratamento adequado.
É possível também que a evolução do diabetes na população feminina seja afetada por fatores específicos das mulheres, como efeitos hormonais, resposta inflamatória diferenciada e estrutura muscular (inclusive miocárdica) mais vulnerável.
Mulheres com doença cardiovascular isquêmica têm menor sobrevida e pior qualidade de vida que o homem. Mulheres correm maior risco de cegueira devido ao diabetes do que homens. Alguns estudos mostram que a doença renal diabética afeta as mulheres mais fortemente do que os homens.
A depressão, comparada à população masculina com diabetes, é duas vezes mais comum em mulheres com diabetes.
Manifestações clínicas do diabetes específicas na população feminina
É importante destacar que determinadas manifestações clínicas associadas ao diabetes são diferenciadas na população feminina, tais como: candidíase vaginal e maior risco de infecções no trato urinário.
Mulheres com diabetes tipo 1 em idade fértil apresentam variabilidade do controle glicêmico que acompanha as diferentes fases do ciclo menstrual. Durante a fase lútea, há tendência ao aumento da glicemia, que pode resultar na necessidade de ajustes na dose de insulina neste período.
Mulheres com síndrome do ovário policístico têm predisposição para desenvolver diabetes e frequentemente apresentam disfunção metabólica e obesidade resistente ao tratamento em idades mais precoces que mulheres com diabetes tipo 2 sem a síndrome.
Apesar de pouco estudada, a disfunção sexual secundária à neuropatia diabética também é descrita nas mulheres. O dano neuropático está associado à diminuição da sensibilidade e ressecamento vaginal.
Diabetes tipo 1 e tipo 2 e gravidez
A gravidez em mulheres com diagnóstico prévio de diabetes tipo 1 ou tipo 2 pode estar associada à diversas complicações, tanto maternas como fetais. Essas complicações estão diretamente associadas ao controle glicêmico materno desde fases muito precoces (organogênese) e também ao longo de toda a gestação.
Mulheres com mau controle glicêmico ainda na fase pré-concepcional têm aumento significativo de risco de gerarem bebês com malformação. Mulheres com valores de hemoglobina glicada maiores que 10% devem ser desencorajadas a engravidar. Além disso, é necessário avaliar a presença de complicações crônicas do diabetes e abordá-las antes do início da gestação.
A gravidez agrava a retinopatia e a doença renal diabética pré-existentes. Mulheres com cardiopatia isquêmica também devem ser desencorajadas a engravidar. O uso de drogas com potencial teratogênico, como inibidores da ECA, bloqueadores do receptor de angiotensina, e estatinas deve ser suspenso idealmente no período de planejamento da gestação.
Pacientes previamente diagnosticadas com diabetes tipo 1 que planejem engravidar devem ser avaliadas com dosagem de TSH e anti-TPO. A prevalência de doença tireoidiana autoimune em mulheres com diabetes tipo 1, em idade fértil, pode chegar a 44%. O hipotireoidismo não tratado aumenta a taxa de infertilidade e de aborto espontâneo.
O controle glicêmico ao longo gravidez é considerado ótimo quando os níveis de glicemia pré-prandial variam entre 65 e 95 mg/dl, o pico 1 hora pós-prandial de até 140 mg/dl e o valor da hemoglobina glicada o mais próximo da normalidade sem a ocorrência de hipoglicemias. O nível ideal de hemoglobina glicada é abaixo de 6%, se utilizado o método de cromatografia líquida de alta eficiência. Para o alcance dessas metas, mesmo para mulheres que faziam uso de antidiabéticos orais antes da gestação, é necessário prescrever terapia com insulina de forma intensificada, mediante esquemas de múltiplas doses de insulina ou bomba de infusão contínua de uso pessoal. A automonitorização da glicemia e os ajustes frequentes do esquema terapêutico são condições essenciais para redução de desfechos perinatais desfavoráveis.
Planejamento familiar para mulher com diabetes
Orientações quanto ao planejamento familiar devem fazer parte da consulta de rotina de mulheres com diabetes em idade fértil. Infelizmente, mais de dois terços de mulheres com diabetes de vários países iniciam sua gravidez sem nenhum preparo pré-concepcional.
Diversos métodos contraceptivos estão disponíveis atualmente e a escolha deve ser feita baseada na conveniência e adaptação da mulher e/ou do casal. Os dispositivos intrauterinos (DIU) são considerados seguros. Mulheres com diabetes não diferem das não diabéticas em relação aos riscos de eventos adversos com DIU. Os contraceptivos orais nas formulações atuais podem ser indicados para a maioria das mulheres com diabetes, devendo ser contraindicados naquelas com maior risco de evoluírem com complicações tromboembólicas
A orientação quanto aos métodos contraceptivos é muito importante tanto para evitar uma gravidez não planejada, como para prevenção de complicações perinatais severas.
Fontes
Gregg EW et al. Ann Intern Med. 2007;147(3):149-155.
Lee WL et al. Diabetes Care. 2000;23(7):962-8.
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http://portalarquivos.saude.gov.br