A via do parto e os direitos da mulher

A via do parto e os direitos da mulher

Por Dr. Genival Veloso de França – Uma leitura mais atenta do discurso feminista acerca do direito da mulher à escolha do tipo de parto mostra que ele se trata muito mais da manifestação de direito ao próprio corpo e do resgate da dignidade. Acreditamos, todavia, que este direito seja justo desde que a gravidez tenha sido devidamente acompanhada com informações adequadas e que não haja um sério prejuízo capaz de ser evitado por outra via.


Aqui, não vamos analisar as taxas crescentes de cesarianas feitas sem indicação médica, muitas até por motivos inconfessáveis, mas aquelas realizadas a pedido médico, dentro de uma margem permissível. Até porque, quando bem orientada, a gestante, quase de forma absoluta, aceita as ponderações feitas por seu obstetra.


A Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO), em consonância com a Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (FEBRASGO), tem revelado que não é ética a prática de cesariana sem uma indicação médica formal. É possível admitir que este conceito tenha o intuito de coibir as epidemias de cesáreas, que, diga-se de passagem, não são vistas apenas em nosso clima. Contudo, é muito importante as coisas ficarem em seu devido lugar: de um lado as indicações médicas a serem tomadas de forma inflexível ante a gravidade de cada caso, de outro, a dignidade da mulher enaltecida e protegida cada vez mais pelos direitos humanos, principalmente quando o pré-natal foi de baixo risco, em idade gestacional compatível e com informações permanentes e necessárias sobre riscos e benefícios.


Tem-se trabalhado muito em uma estatística de complicações decorrentes de partos cesarianos, mas temos visto poucas evidências destas complicações em cesarianas eletivas, quando comparadas as de urgência. Não é preciso muito esforço para comprovar que as complicações estão mais presentes na cesariana de urgência, tanto no que concerne à mãe quanto ao feto. Em uma estatística na qual os partos abdominais cheguem a quase 100%, o mínimo que se pode pensar é que não houve o devido acompanhamento e os necessários esclarecimentos durante o pré-natal.


Deve-se levar em consideração também que nas entrevistas feitas com mulheres grávidas e não grávidas, a reposta é sempre a mesma: a preferência pelo parto normal. Aquelas que optam pelo parto abdominal mostram-se geralmente influenciadas pela cultura, por sofrimentos de partos anteriores ou por uma manifestação pessoal de tocofobia. Portanto, quando pedido um ou outro tipo de parto e for permitida a indicação, os índices de cesariana locais não justificam negar esta escolha.


Não parece um bom critério dizer, por exemplo, que aceita a cesárea a pedido apenas fora do serviço público. Pode-se perfeitamente defender o parto vaginal como parto natural, mas não há nenhuma ofensa à moralidade aceitar uma via de parto a pedido, quando for possível, no serviço público ou nos hospitais universitários. Somos daqueles que admitem que, mesmo diante de um risco mínimo, é possível atender ao pedido da gestante, que não aceitou o “padrão burocrático”, mesmo orientada na gravidez. Não se pode atingir a autonomia da gestante baseando-se em limites de não ultrapassagem de cifras de cesarianas. O padrão não pode ser medido entre a mulher e os números, mas entre ela e seus direitos fundamentais.


No dia em que se trabalhar com mais seriedade a estatística entre parto normal e abdominal, isso vai virar coisa do passado. O que se repete como um mantra “normal é parto natural” pode ter seu sentido mais absoluto levando em consideração a história do homem. A literatura especializada não é unânime em relação aos riscos do parto normal e das cesarianas, tanto para as mães como para os fetos. Nomura e Zugaib, analisando 1.748 nascimentos entre abril e dezembro de 2001 no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), afirmaram que não foram constatadas associações significativas entre as complicações maternas e o tipo de parto no período analisado.1


Acreditamos, contudo, haver mais arrependimento em quem não fez uma cesariana do que em quem a realizou. Outra coisa: corre-se um grande risco priorizar o parto por via vaginal até as últimas consequências. Em juízo, nos casos desta ordem, as perguntas mais comuns são: o retardo no nascimento teria sido a causa da morte do bebê? O sofrimento fetal poderia ter sido diagnosticado mais cedo? Havia alguma indicação de cesariana antes da ocorrência do parto vaginal?


Inibir as mulheres quanto ao parto abdominal, exigindo o recolhimento de uma taxa por meio de Documento de Arrecadação da Receita Federal (Darf), como direito à opção de cesariana a pedido, é mais uma forma descabida de punir as mulheres mais desarrimadas. Certamente, tal modelo seria usado depois para outros procedimentos. É até possível admitir que as complicações maternas são um pouco mais comuns nos partos abdominais, mas esta menor prevalência diminui a cada dia, a partir dos cuidados com a infecção hospitalar, com a sistematização das técnicas cirúrgicas e com a melhoria das condições de vida e de saúde da população alvo.


No que diz respeito aos fetos, quando tomadas as medidas necessárias no referente à prematuridade, o parto cirúrgico continua sendo o de menor risco. Não tardará o tempo em que riscos, benefícios e custos entre o parto dito normal e a cesariana terão a mesma equivalência, e a decisão será tomada, sempre que possível, em favor do bem-estar da mulher grávida, ao exercer seu direito de autonomia, e não ao aclamado princípio da justiça, que atende aos interesses da tecnicoburocracia, sempre preocupada com a relação despesa e receita. O percentual de cesarianas praticadas também não deve ser parâmetro para medir a qualidade científica de um hospital obstétrico.


Quanto aos médicos, é claro, eles podem ter postura pessoal diante do assunto, mostrar a suas pacientes as vantagens sobre um ou outro procedimento e até indicar um deles. Isto faz parte da relação médico e paciente. Ele só não pode, nem deve, usar de meios que venham contrariar uma vontade justa e correta da paciente.


Referência bibliográfica


  1. Nomura RMY, Alves EA, Zugaib M. Complicações maternas associadas ao tipo de parto em hospital universitário. Rev Saúde Pub. 2004;38(1):9-15.

Conheça a obra deste autor:


https://www.grupogen.com.br/direito-medico


 


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