Alimento Seguro para um Novo Brasil

Alimento Seguro para um Novo Brasil

Assegurar que o cidadão não corra risco de adoecer ao consumir alimentos, medicamentos, cosméticos e serviços de saúde cria uma sociedade melhor. Essa é uma função essencial da saúde pública e deve ser desempenhada pelo Estado.


Garantir segurança sanitária é um grande desafio em qualquer sociedade. A Vigilância Sanitária interfere na economia e, ao fazê-lo, pode gerar ou cortar empregos, aumentar ou reduzir gastos. É ótimo quando essa intervenção cria empregos, mas, quando resulta em gastos ou fechamento de empresas, a primeira tentação é negá-los, mesmo que sejam imprescindíveis para a questão da segurança sanitária. Todavia, uma fábrica que é aprovada em uma inspeção de boas práticas de fabricação provavelmente precisou fazer investimentos importantes que outras fábricas, que foram fechadas, não puderam fazer.


O Brasil nos últimos anos cresceu muito no que se refere à sua capacidade de garantir segurança sanitária e hoje consegue, em alguns setores da economia, ombrear-se aos países do hemisfério norte. Consegue, inclusive, gerar exportações e valor para a sociedade.


Não é difícil entender esta equação – diminuir o risco de produzir danos à saúde exige investimentos em melhores processos produtivos que melhoram a vida dos cidadãos e da economia. Cria um ambiente competitivo mais isonômico. Em um primeiro momento, as empresas, principalmente as menores, se insurgem contra a necessidade de realizar investimentos, mas o espaço concorrencial e a ação do Estado vão surtindo seus efeitos até que as empresas se veem obrigadas a fechar ou a evoluir.


Essa ação modernizadora é fruto de leis que devem ser cumpridas e da ação do Estado. Sem a edição de leis, não há Estado Democrático e, se estas leis não produzem a ação esperada, confronta-se a construção da democracia. É preciso que a Lei exista e seja aplicada. Quando se analisam as leis que não surtiram efeito em determinada sociedade, normalmente se encontram propostas extemporâneas, ou seja, leis que ignoraram os contextos educacional e socioeconômico em que estavam inseridas, ou ambos.


É necessário traçar esse panorama para discutir um assunto extremamente importante para o Brasil, tanto do ponto de vista sanitário como econômico – a operação Carne Fraca da Polícia Federal. O que se busca neste artigo é abordar a subpauta, ou seja, o que não está visível.


Não se pode, em um setor tão importante como a oferta de alimentos, correr os riscos que a operação revelou. Hoje, no mercado interno e, especialmente, no mercado externo, o que se vende é alimento seguro – safety food. Como se trata de um mercado com boa oferta, concorrer com os grandes produtores exige agregar o valor do alimento seguro.


Os mercados interno e externo exigem, portanto, algo que deve ser garantido pelo Estado. Sim, é o Estado que garante o alimento seguro, proporcionando a qualidade dos processos de produção e a logística que o leva até as casas dos cidadãos e/ou ao mercado externo.


No caso da operação Carne Fraca, existem dois aspectos importantes a se considerar. Um é a fragrante desarmonia entre a Polícia Federal e o Ministério da Justiça que a chefia ou deveria fazê-lo. O segundo diz respeito à segurança sanitária dos alimentos. Tem-se, com isso, dois subcomponentes: a Lei e as estruturas que devem fazê-la ser cumprida.


O arcabouço jurídico que regula a questão do alimento seguro no Brasil está defasado. Seja em relação ao alimento produzido “da porteira para dentro” e que é responsabilidade do Ministério da Agricultura (que remonta aos anos 1950), seja em relação ao produzido “da porteira para fora”, de responsabilidade da Anvisa (que remonta aos anos 1960). Existe, então, uma tarefa urgente e que requer o olhar da sociedade, dos produtores, dos cientistas, dos consumidores e dos legisladores: a atualização do marco legal que impõe ao agente do poder público as ações que ele deve realizar e seus limites.


É preciso também modernizar as estruturas que garantem que o alimento à disposição do consumo local ou da exportação seja seguro. No caso da Anvisa, essa lição de casa encontra-se bastante avançada – embora necessite da revisão do marco legal, na área da agricultura o executivo está desaparelhado.


Este não é, entretanto, um problema brasileiro. Outros países, como a Espanha, tentaram combatê-lo juntando as funções executadas pela agricultura e pela saúde em um único órgão. Outros suprimiram algumas funções da agricultura e passaram para a saúde, como acontece nos EUA, onde a Food and Drug Administration (FDA) é responsável por controlar a produção de medicamentos veterinários, e uma agência federal única, a Environmental Protection Agency (EPA), realiza a análise dos agrotóxicos em relação à saúde, à agricultura e ao meio ambiente.


Portanto, a missão a ser cumprida, além da relativa à Polícia Federal, é atualizar a legislação e discutir como ela será aplicada, modernizando a estrutura que no Brasil é responsável pela oferta do alimento seguro. As duas tarefas são muito complexas e demandam a mobilização de poderes e o combate de interesses, mas, se parte do futuro do país está na agricultura e na produção de alimentos para o mundo, essa árdua tarefa precisa ser enfrentada. É dever da sociedade brasileira propor uma nova maneira de estruturar as funções da agricultura e da saúde, que são as responsáveis finais pela oferta do alimento seguro.


Compartilhe: