Assistência Ventilatória no Intraoperatório: Volume Corrente

Assistência Ventilatória no Intraoperatório: Volume Corrente

Por Dr. Luiz Fernando dos Reis Falcão – O volume corrente (VC), utilizado no intraoperatório é fator crucial, não somente na otimização das trocas gasosas, mas também na limitação da lesão pulmonar produzida pela ventilação mecânica. Nas últimas décadas, o VC tem diminuído progressivamente – de mais de 12 a 15 ml.kg-1 para menos de 9 ml.kg-1 de peso corporal real. A prática atual preconiza VC fisiológico de 6 ml.kg-1 de peso corporal ideal em pacientes com síndrome do desconforto respiratório agudo (SDRA) leve a grave, e de 6 a 10 ml.kg-1 de peso corporal ideal em pacientes com pulmões normais.


No entanto, a literatura ainda é fraca com relação ao VC ideal em pacientes com pulmões normais, em parte porque ainda há escassez de estudos randomizados controlados. Diversos estudos clínicos prospectivos testaram a hipótese de que o alto VC e/ou alta pressão inspiratória poderiam induzir lesão em pulmões saudáveis. Recente metanálise demonstrou que a ventilação mecânica protetora com baixo VC em pacientes com pulmões saudáveis foi associada a melhor prognóstico com menor incidência de lesão pulmonar aguda (LPA) e mortalidade. Contudo, uma importante limitação desse estudo foi a análise conjunta de pacientes no intraoperatório e na unidade de terapia intensiva (UTI).


Adicionalmente, corroborando com o uso de baixo VC no intraoperatório, o estudo IMPROVE avaliou prospectivamente 400 pacientes submetidos à cirurgia abdominal de grande porte e observou que o uso da estratégia ventilatória protetora com baixo VC foi associado a menor complicação pulmonar no pós-operatório e menor tempo de internação hospitalar. Entretanto, há dados conflitantes na literatura em relação à alteração do nível plasmático dos mediadores inflamatórios em diferentes estratégias de VC no intraoperatório de cirurgias cardíaca, abdominal e torácica eletivas.


Assim, por diversos motivos, não se devem separar inteiramente os princípios utilizados na ventilação mecânica de pacientes com LPA daqueles empregados em pacientes sem LPA, pois, particularmente em cirurgias complexas, pacientes com pulmões inicialmente normais podem ser submetidos a estímulos inflamatórios adicionais, que podem agir aditiva ou sinergisticamente para a produção de LPA/SDRA (“multiple hit theory”). Além disso, em alguns casos, o diagnóstico de LPA/SDRA pode não ser imediatamente possível ou os critérios para LPA/SDRA podem não ser inteiramente satisfeitos em uma primeira instância, mas se tornarem satisfeitos logo depois.


Nesses casos, a lesão produzida por alto VC pode ser amplificada pela presença de outro mecanismo de lesão. Assim, o uso da ventilação mecânica protetora é particularmente importante na presença de fatores associados a estímulos inflamatórios potencialmente predisponentes à lesão pulmonar, como translocação bacteriana (p. ex., durante cirurgia abdominal ou otorrinolaringológica), bacteremia, endotoxemia, transfusão sanguínea, circulação extracorpórea, choque e procedimentos com períodos de isquemia/reperfusão. Nesses casos, a utilização dos valores de VC recomendados para pacientes com LPA deve ser efetivamente considerada.


A inflamação pulmonar pode também ser advinda da distribuição heterogênea do VC, que é distribuído ao parênquima pulmonar aerado. Quanto maior o volume de pulmão atelectasiado, maior o VC que irá penetrar nas regiões não colapsadas, promovendo a hiperinsuflação sustentada dessas regiões. O efeito nocivo do VC no parênquima pulmonar não colapsado está estabelecido em paciente com LPA e também pode ser verdadeiro em pacientes submetidos à anestesia geral prolongada. Assim, acredita-se ser prudente o uso rotineiro de VC fisiológicos no intraoperatório, mesmo para pacientes hígidos.


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