Bloqueios intraventriculares

Bloqueios intraventriculares

Bloqueios intraventriculares são alterações com retardo ou interrupção da condução do estímulo elétrico cardíaco, resultando em mudança na duração e no formato do complexo QRS no eletrocardiograma, e assincronia da ativação do ventrículo correspondente. Esses distúrbios de condução incluem o bloqueio de ramo direito (BRD), o bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e os bloqueios divisionais.1 Podem ser intermitentes ou permanentes, frequência-dependentes, assim como funcionais ou estruturais.


A prevalência do BRD aumenta com a idade e ocorre em até 1,6% das mulheres e 4,1% dos homens,2 sendo três vezes mais frequente nos homens, atingindo 14,3% dos homens com mais de 80 anos de idade.3 Pode ser um achado em indivíduos saudáveis, sem prognóstico adverso. Entretanto, pode estar associado à hipertensão arterial sistêmica (HAS), doença arterial coronariana (DAC), diabete melito, miocardiopatias, miocardites, cor pulmonale, tromboembolismo pulmonar e cardiopatia congênita.


Entre aqueles com BRD completo e cardiopatia, há um aumento da mortalidade cardiovascular para ambos os sexos. Em contraste, o BRD incompleto não tem sido associado a prognóstico desfavorável.3


Os critérios eletrocardiográficos para BRD são:1,4

a) complexos QRS com duração ≥ 120 ms (bloqueio completo), e maior que 100 ms e menor que 120 ms (bloqueio incompleto) para adultos. Para crianças e adolescentes entre 4 e 16 anos, se a duração do QRS for superior a 100 ms, é considerado completo, e entre 90 e 100 ms, é considerado incompleto. Para crianças menores de 4 anos de idade, se maior que 90 ms, tem-se o BRD completo, e entre 86 e 90 ms, o BRD incompleto;

b) padrão rSR’ ou rsR’ em V1 com R’ espessado e ondas S empastadas (> 40 ms) em D1, aVL, V5 e V6; alterações secundárias da repolarização ventricular (onda T assimétrica e invertida);

c) outros sinais: ondas qR em aVR com R empastada; deflexão intrisecoide superior a 50 ms em V1; eixo elétrico de QRS variável, tendendo para a direita no plano frontal.


Em 1985, os critérios eletrocardiográficos para bloqueio de ramo foram revistos para normatização em completos e incompletos.4 Assim, os critérios da escola mexicana (classificação em 1º, 2º e 3º graus), da escola hispânica (avançados, não avançados ou em critérios topográficos – proximais e periféricos), outrora usados, foram substituídos por aqueles critérios.


A prevalência do BRE na população em geral é de menos de 1%, alcançando 5% naqueles com 80 anos de idade. Os fatores de risco associados a esse bloqueio são a HAS, DAC, valvopatia aórtica, miocardiopatias ou degeneração do sistema de condução. Entre os pacientes com insuficiência cardíaca, 30% podem apresentar o BRE. Esse distúrbio de condução causa dissincronia ventricular esquerda, com diminuição do débito cardíaco, aumento do volume sistólico residual, resultando em remodelamento ventricular, com mudanças na perfusão regional, absorção de glicose e transporte de cálcio, promovendo um estado pró-arrítmico [5]. Por isso, o BRE está associado ao aumento da mortalidade, com maiores implicações que o BRD.


Os critérios eletrocardiográficos para BRE são:1,4

a) complexos QRS alargados com duração ≥ 120 ms (bloqueio completo) ou incompleto. Os limites de acordo com as faixas etárias são os mesmos descritos para o BRD;

b) ondas R alargadas e com entalhes e/ou empastamentos médio-terminais em D1, aVL, V5 e V6;

c) deflexão intrinsecoide em V5 e V6 ≥ 50 ms ou 60 ms, dependendo da referência na literatura;

d) alterações secundárias da repolarização ventricular: depressão do segmento ST e onda T assimétrica em oposição ao retardo do complexo QRS;

e) outros sinais: ausência de “q” em D1, aVL, V5 e V6; onda “r” com crescimento lento de V1 a V3, podendo o complexo apresentar-se com morfologia QS; ondas S alargadas com espessamentos e/ou entalhes em V1 e V2; eixo elétrico de QRS entre -30° e + 60°.


O ramo esquerdo emite os fascículos anterossuperior, anteromedial e posteroinferior, os quais também podem apresentar distúrbios de condução (bloqueios fasciculares ou divisionais). As causas desses bloqueios fasciculares são semelhantes aos dos bloqueios de ramo. Em relação ao bloqueio da divisão anterossuperior esquerda (BDASE), sua prevalência na população geral é de 0,9 a 6,2% e não é um fator de risco de morbidade ou mortalidade cardiovascular. Todavia, pode ocorrer na vigência de infarto agudo do miocárdio, com significado prognóstico adverso [6]. Na cardiopatia chagásica, a sua associação com o BRD é frequente.


Os critérios eletrocardiográficos para BDASE são:1,4

a) eixo elétrico do complexo QRS ≥ -45° e com duração inferior a 120 ms;

b) complexo com padrão rS nas derivações D2, D3 e aVF com onda S em D3 maior que em D2, com amplitude maior que 15 mm;

c) padrão qR em D1 e aVL com tempo da deflexão intrinsecoide maior que 50 ms;

d) outros sinais: progressão lenta da onda r de V1 a V3; presença de onda S de V4 a V6.


O bloqueio da divisão posteroinferior esquerda (BDPIE) é incomum e, quando ocorre, está associado ao BRD. Sua prevalência é rara em razão de sua estrutura espessa, com dupla irrigação e localização mais profunda. Por isso, quando associado ao BRD, pode ser um precursor de bloqueio atrioventricular total.6


Os critérios eletrocardiográficos para BDPIE são:1,4

a) eixo elétrico do complexo QRS entre + 90º e 180º, com duração do complexo inferior a 120 ms;

b) padrão rS nas derivações D1 e aVL e padrão qR em D2, D3 e aVF (a amplitude da onda R deve ser maior em D3 em relação à derivação D2);

c) tempo de deflexão intrinsecoide ≥ 50 ms nas derivações aVF, V5-V6.


Há critérios eletrocardiográficos para o bloqueio divisional anteromedial, o qual é também reconhecido. Os principais critérios são aumento súbito da onda r de V1 para V2 (com complexos rS em V1 e R em V2), e onda R com amplitude de pelo menos 15 mm em V2 e V3, com aumento de sua amplitude nas precordiais intermediárias e diminuição de V5 para V6. O eixo do complexo QRS no plano frontal não se altera.1,4


Para esses bloqueios divisionais, o diagnóstico diferencial é importante. Há de se considerar o biotipo do indivíduo submetido ao eletrocardiograma, sinais de sobrecarga de câmaras e sinais de área eletricamente inativa (infarto) [1,6]. Apesar de o eletrocardiograma ser um exame secular, de baixo custo e fácil execução, por se tratar de um exame complementar, a correlação clínica é a etapa fundamental para o raciocínio e sua adequada interpretação.


Referências bibliográficas

1. Pastore CA, Pinho JA, Pinho C, Samesima N, Pereira Filho HG, Kruse JCL, et al. III Diretrizes da Sociedade Brasileira de Cardiologia sobre análise e emissão de laudos eletrocardiográficos. Arq Bras Cardiol 2016; 106(4, Suppl. 1):1-23.

2. Thrainsdottir IS, Hardarson T, Thorgeirsson G, Sigvaldason H, Sigfusson N. The epidemiology of right bundle branch block and its association with cardiovascular morbidity – the Reykjavik Study. Eur Heart J 1993;14(12):1590-6.

3. R Bussink BE1, Holst AG, Jespersen L, Deckers JW, Jensen GB, Prescott E. Right bundle branch block: prevalence, risk factors, and outcome in the general population: results from the Copenhagen City Heart Study. Eur Heart J 2013;34(2):138-46.

4. Surawicz B, Childers R, Deal BJ, Gettes LS, Bailey JJ, Gorgels A, et al. AHA/ACCF/HRS recommendations for the standardization and interpretation of the electrocardiogram: part III: intraventricular conduction disturbances: a scientific statement from the American Heart Association Electrocardiography and Arrhythmias Committee, Council on Clinical Cardiology; the American College of Cardiology Foundation; and the Heart Rhythm Society. Endorsed by the International Society for Computerized Electrocardiology. J Am Coll Cardiol 2009; 53(11):976-81.

5. Kanawati J, Sy RW. Contemporary Review of Left Bundle Branch Block in the Failing Heart – Pathogenesis, Prognosis, and Therapy. Heart Lung Circ. 2017 Oct 6 [Epub ahead of print].

6. Elizari MV, Acunzo RS, Ferreiro M. Hemiblocks revisited. Circulation 2007;115(9):1154-6.

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