Câncer de pulmão na era da medicina personalizada

Câncer de pulmão na era da medicina personalizada

O cenário atual da apresentação e abordagem a pacientes com suspeita e diagnóstico de câncer de pulmão, com foco em novas estratégias, vem transformando o prognóstico dessa enfermidade. O câncer de pulmão é uma neoplasia de elevada morbimortalidade, sendo, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a mais frequente em todo o mundo e tendo correspondido a 11,6% do total de neoplasias estimadas em 2018 – 2,1 milhões de casos novos.1 Além da elevada incidência, o câncer de pulmão é a principal causa de morte por câncer no mundo: em 2012, foram 1,8 milhão de óbitos, 18,4% do total de mortes por câncer.1 Por outro lado, houve um declínio na curva de incidência da doença tanto em homens quanto em mulheres na última década, principalmente em países desenvolvidos.2 Dados norte-americanos apontam uma redução também na taxa de mortalidade por câncer de pulmão na ordem de 51% entre homens e de 26% entre mulheres.2 Esses números refletem a redução mundial no consumo do tabaco, medidas de diagnóstico precoce e avanços no tratamento.2


O câncer de pulmão compreende vários tipos histológicos, incluindo o adenocarcinoma, o carcinoma de células escamosas e o carcinoma de pequenas células. Desses, o adenocarcinoma é o mais frequente, responsável por 40 a 50% de todos os casos. Independentemente do tipo histológico, a maioria dos casos se apresenta em estados avançados, motivo que levou a estratégias de detecção precoce, como a tomografia anual de baixa dosagem.


Em um estudo pivotal conduzido pelo National Cancer Institute dos EUA, observou-se redução da taxa de mortalidade por câncer de pulmão em 20% entre pacientes de alto risco.3 A U.S. Preventive Services Task Force (Força-Tarefa de Saúde Preventiva dos Estados Unidos) recomenda o rastreio em indivíduos de 55 a 80 anos com histórico de tabagismo de 30 ou mais maços de cigarro por ano, que continuam fumando ou que pararam há menos de 15 anos.4 A redução de mortalidade foi confirmada em um segundo estudo com tomografia torácica anual, conduzido na Holanda e na Bélgica (NELSON trial).5


Em paralelo, importantes passos aconteceram para o melhor entendimento da biologia e da imunologia do câncer de pulmão, implicando diretamente na abordagem terapêutica.6 A descoberta dos biomarcadores moleculares tornou-se um marco na história da oncologia clínica. No adenocarcinoma pulmonar, vários oncogenes foram identificados e caracterizados, geralmente ativados por mutações, translocações ou amplificações gênicas. Essas alterações são conhecidas como drivers e auxiliam o oncologista na escolha do tratamento, em um conceito de medicina personalizada. Os genes mais frequentemente afetados são o EGFR, KRAS, ALK, ROS1, RET, MET e BRAF.6 Para se ter uma ideia, a sobrevida mediana de pacientes candidatos à estratégia de terapia-alvo se aproxima de 5 anos em várias séries, portanto bem acima do encontrado em dados históricos.7


A imunoterapia foi recentemente incorporada no arsenal terapêutico do câncer de pulmão.8 Entre os inibidores da via PD1/PD-L1 estão nivolumabe, pembrolizumabe, atezolizumabe e durvalumabe, todos já em uso clínico. Essas terapias têm em comum o fato de “desbloquearem” o sistema imune do organismo, liberando os linfócitos citotóxicos para atacar e eliminar as células neoplásicas. Atualmente, esses anticorpos são utilizados em pacientes com doença avançada, de forma isolada ou combinada com quimioterapia. Também estão indicados na doença localmente avançada, após a terapia definitiva com quimiorradioterapia.9 Diversos estudos estão em andamento – vários abertos no Brasil – avaliando o papel da imunoterapia no cenário de doença localizada, seja antes ou após a cirurgia com intuito curativo. É interessante ressaltar que a imunoterapia vem trazendo benefícios sem precedentes nos casos respondedores. Para ilustrar, a sobrevida encontrada foi de 56% em 4 anos em pacientes com câncer de pulmão avançado que tiveram controle da doença por pelo menos 6 meses com o tratamento.10


Em suma, existe grande razão para otimismo. Além da redução mundial da incidência e mortalidade, caminhamos na direção de detecção precoce, procedimentos menos invasivos e tratamentos mais precisos. O câncer de pulmão se tornou o melhor exemplo da medicina personalizada aplicada à oncologia nos últimos 15 anos. Sem dúvida, o campo está aberto para novos e importantes avanços.


 Referências:


  1. Ferlay J, Ervik M, Lam F, Colombet M, Mery L, Piñeros M, et al. Global Cancer Observatory: Cancer Today. Lyon, France: International Agency for Research on Cancer. 2018. [Acesso em 10 fev. 2020] Disponível em: https://gco.iarc.fr/today.
  2. Siegel RL, Miller KD, Jemal A. Cancer statistics, 2020. CA Cancer J Clin. 2020;70(1):7-30.
  3. National Lung Screening Trial Research Team, Aberle DR, Adams AM, Berg CD, Black WC, Clapp JD, et al. Reduced lung-cancer mortality with low-dose computed tomographic screening. N Engl J Med. 2011;365(5):395-409.
  4. Humphrey LL, Deffebach M, Pappas M, Baumann C, Artis K, Mitchell JP, ­­­­Zakher B, et al. Screening for lung cancer with low-dose computed tomography: a systematic review to update the US Preventive services task force recommendation. Ann Intern Med. 2013;159(6):411-20.
  5. van der Aalst CM, de Jong PA, Scholten ET, Nackaerts K, Heuvelmans MA. Reduced Lung-Cancer Mortality with Volume CT Screening in a Randomized Trial. N Engl J Med. 2020;382(6):503-13.
  6. Arbour KC, Riely GJ. Systemic Therapy for Locally Advanced and Metastatic Non-Small Cell Lung Cancer: A Review. JAMA. 2019;322(8):764-74.
  7. Pacheco JM Gao D, Smith D, Purcell T, Hancock M, Bunn P, et al. Natural History and Factors Associated with Overall Survival in Stage IV ALK-Rearranged Non-Small Cell Lung Cancer. J Thoracic Oncol. 2019;14(4):691-700.
  8. Camidge DR, Doebele RC, Kerr KM. Comparing and contrasting predictive biomarkers for immunotherapy and targeted therapy of NSCLC.. Nat Rev Clin Oncol. 2019;16(6):341-55.
  9. Antonia SJ Villegas A, Daniel D, Vicente D, Murakami S, Hui R, et al. Overall Survival with Durvalumab after Chemoradiotherapy in Stage III NSCLC. N Engl J Med. 2018;379(24):2342-50.
  10. Antonia SJ, Borghaei H, Ramalingam SS, Horn L, De Castro Carpeño J, Pluzanski A, et al. Four-year survival with nivolumab in patients with previously treated advanced non-small-cell lung cancer: a pooled analysis. Lancet Oncol. 2019;20(10):1395-1408.

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