Capacidade Hiperplásica de Tecidos Adiposos e Obesidade Metabolicamente Saudável

Capacidade Hiperplásica de Tecidos Adiposos e Obesidade Metabolicamente Saudável

Por Dr. Marcio C. Mancini – Mais de um terço da população mundial apresenta excesso de peso e a imensa carga de doen­ças que frequentemente está associada à essa condição. A obesidade é um fator de risco bem conhecido para o desenvolvimento de doen­ças metabólicas e cardiovasculares, tais como diabetes melito tipo 2 (DM2), dislipidemia, doen­ça coronariana, hipertensão arterial, doen­ça hepática gordurosa não alcoó­lica, apneia do sono, demência, alguns tipos de câncer e acidente ­vascular cerebral.


No entanto, uma parcela significativa de in­di­ví­duos com obesidade, que pode chegar até 30% dependendo da população examinada e da definição de saú­de metabólica, não desenvolve alterações associadas à obesidade (pelo menos não a curto prazo). Esses in­di­ví­duos que apresentam obesidade e aparentemente são saudáveis têm sido nomeados “obesos metabolicamente saudáveis”.


Diferente distribuição de gordura confere diversos perfis metabólicos


Diferenças na distribuição da gordura corporal podem ser responsáveis por muitas discrepâncias entre in­di­ví­duos metabolicamente saudáveis ​​e metabolicamente não saudáveis. Jean Vague propôs, em 1947, que pacientes com obesidade no segmento superior do corpo apresentariam maior risco de doen­ças metabólicas, enquanto in­di­ví­duos com obesidade na parte inferior do corpo (ou gluteofemoral) teriam risco menor dessas alterações.


Desde então, a distribuição de gordura corporal foi reconhecida como preditora de alterações metabólicas com mais impacto na saú­de metabólica global do que a obesidade propriamente dita. Estudos mostraram que o excesso de acúmu­lo de gordura em estruturas anatômicas viscerais, como o omento maior, é forte preditor de um estado metabólico prejudicial e que a presença de gordura gluteafemoral é protetora. Na verdade, a despeito da presença de massa de tecido adiposo corporal elevada, o baixo acúmu­lo de gordura visceral é uma característica importante de um perfil metabolicamente saudável, observado em alguns in­di­ví­duos obesos.


Adipogênese e lipogênese


A expansão do tecido adiposo em um compartimento de gordura ocorre por meio de hiperplasia de adipócitos, hipertrofia ou uma combinação de ambos. O recrutamento de novas células através da diferenciação de pré-adipócitos (hiperplasia) agora é geralmente considerado como um mecanismo que protege contra alterações metabólicas. De fato, a hiperplasia de adipócitos está associada ao acúmu­lo preferencial de tecido adiposo subcutâ­neo (SC) e ao fenótipo chamado de ginoide (adipogênese). Por outro lado, os adipócitos viscerais e o fenótipo de distribuição de gordura androide são mais comumente associados à hipertrofia de adipócitos, ou seja, aumento das células de gordura existentes (lipogênese).


Adipócito grande é marcador de perfil metabólico desfavorável


O aumento do tamanho do adipócito demonstrou estar associado a comprometimento metabólico na década de 1970, quando foi proposto que a hipertrofia de adipócitos poderia ser um parâmetro valioso para a caracterização de distúrbios metabólicos. Desde então, o tamanho do adipócito tem sido ligado a inúmeras va­riá­veis usadas para avaliar a biologia do tecido adiposo, bem como a alterações metabólicas independentes da adiposidade total.


Vários estudos demonstraram associações entre tamanho do adipócito elevado com perfil lipídico alterado. Algumas dessas associações foram independentes da adiposidade total ou abdominal, mas estudos adicionais em ambos os sexos que levem em consideração a etnia, bem como o compartimento de gordura visceral e subcutâ­neo, são necessários para generalizar esses achados.


Muitos trabalhos relataram associações significativas entre tamanho do adipócito e vários marcadores de resistência à insulina, e, em alguns, a associação foi independente de elevações concomitantes da massa corporal total, apontando para um papel específico da disfunção do tecido adiposo como marcador de resistência à insulina. Por outro lado, a maioria dos estudos que ajustaram sua análise para marcadores de distribuição de gordura corporal bem medidos, como a acumu­lação de tecido adiposo visceral, mostrou que a associação entre o tamanho do adipócito subcutâ­neo e índices de resistência à insulina não era mais significativa. Possivelmente, o excesso de tecido adiposo visceral e a hipertrofia de células de gordura subcutâ­neas representem marcadores de um fenômeno comum: a capacidade hiperplásica limitada de tecidos adiposos.


Leitura sugerida


Drolet R, Richard C, Sniderman AD, Mailloux J, Fortier M, Huot C, et al. Hypertrophy and hyperplasia of abdominal adipose tissues in women. Int J Obes. 2008;32:283-91.


Kramer CK, Zinman B, Retnakaran R. Are metabolically healthy overweight and obesity benign conditions?: A systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med. 2013;159:758-69.


Lessard J, Laforest S, Pelletier M, Leboeuf M, Blackburn L, Tchernof A. Low abdominal subcutaneous preadipocyte adipogenesis is associated with visceral obesity, visceral adipocyte hypertrophy, and a dysmetabolic state. Adipocyte. 2014;3(3):197-205.


Rydén M, Andersson DP, Bergström IB, Arner P. Adipose tissue and metabolic alterations-Regional differences in fat cell size and number matter, but differently: a cross sectional study. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(10):E1870-6.


Salles JEN, et al. Topografia do tecido adiposo: da lipodistrofia à obesidade. In: Mancini MC, coordenador. Tratado de obesidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015. p. 179-83.


Vague J. Sexual differentiation: a factor affecting the forms of obesity. Presse Med. 1947;55:339-40.



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