Capacidade Hiperplásica de Tecidos Adiposos e Obesidade Metabolicamente Saudável
- 17 de nov de 2017
Por Dr. Marcio C. Mancini – Mais de um terço da população mundial apresenta excesso de peso e a imensa carga de doenças que frequentemente está associada à essa condição. A obesidade é um fator de risco bem conhecido para o desenvolvimento de doenças metabólicas e cardiovasculares, tais como diabetes melito tipo 2 (DM2), dislipidemia, doença coronariana, hipertensão arterial, doença hepática gordurosa não alcoólica, apneia do sono, demência, alguns tipos de câncer e acidente vascular cerebral.
No entanto, uma parcela significativa de indivíduos com obesidade, que pode chegar até 30% dependendo da população examinada e da definição de saúde metabólica, não desenvolve alterações associadas à obesidade (pelo menos não a curto prazo). Esses indivíduos que apresentam obesidade e aparentemente são saudáveis têm sido nomeados “obesos metabolicamente saudáveis”.
Diferente distribuição de gordura confere diversos perfis metabólicos
Diferenças na distribuição da gordura corporal podem ser responsáveis por muitas discrepâncias entre indivíduos metabolicamente saudáveis e metabolicamente não saudáveis. Jean Vague propôs, em 1947, que pacientes com obesidade no segmento superior do corpo apresentariam maior risco de doenças metabólicas, enquanto indivíduos com obesidade na parte inferior do corpo (ou gluteofemoral) teriam risco menor dessas alterações.
Desde então, a distribuição de gordura corporal foi reconhecida como preditora de alterações metabólicas com mais impacto na saúde metabólica global do que a obesidade propriamente dita. Estudos mostraram que o excesso de acúmulo de gordura em estruturas anatômicas viscerais, como o omento maior, é forte preditor de um estado metabólico prejudicial e que a presença de gordura gluteafemoral é protetora. Na verdade, a despeito da presença de massa de tecido adiposo corporal elevada, o baixo acúmulo de gordura visceral é uma característica importante de um perfil metabolicamente saudável, observado em alguns indivíduos obesos.
Adipogênese e lipogênese
A expansão do tecido adiposo em um compartimento de gordura ocorre por meio de hiperplasia de adipócitos, hipertrofia ou uma combinação de ambos. O recrutamento de novas células através da diferenciação de pré-adipócitos (hiperplasia) agora é geralmente considerado como um mecanismo que protege contra alterações metabólicas. De fato, a hiperplasia de adipócitos está associada ao acúmulo preferencial de tecido adiposo subcutâneo (SC) e ao fenótipo chamado de ginoide (adipogênese). Por outro lado, os adipócitos viscerais e o fenótipo de distribuição de gordura androide são mais comumente associados à hipertrofia de adipócitos, ou seja, aumento das células de gordura existentes (lipogênese).
Adipócito grande é marcador de perfil metabólico desfavorável
O aumento do tamanho do adipócito demonstrou estar associado a comprometimento metabólico na década de 1970, quando foi proposto que a hipertrofia de adipócitos poderia ser um parâmetro valioso para a caracterização de distúrbios metabólicos. Desde então, o tamanho do adipócito tem sido ligado a inúmeras variáveis usadas para avaliar a biologia do tecido adiposo, bem como a alterações metabólicas independentes da adiposidade total.
Vários estudos demonstraram associações entre tamanho do adipócito elevado com perfil lipídico alterado. Algumas dessas associações foram independentes da adiposidade total ou abdominal, mas estudos adicionais em ambos os sexos que levem em consideração a etnia, bem como o compartimento de gordura visceral e subcutâneo, são necessários para generalizar esses achados.
Muitos trabalhos relataram associações significativas entre tamanho do adipócito e vários marcadores de resistência à insulina, e, em alguns, a associação foi independente de elevações concomitantes da massa corporal total, apontando para um papel específico da disfunção do tecido adiposo como marcador de resistência à insulina. Por outro lado, a maioria dos estudos que ajustaram sua análise para marcadores de distribuição de gordura corporal bem medidos, como a acumulação de tecido adiposo visceral, mostrou que a associação entre o tamanho do adipócito subcutâneo e índices de resistência à insulina não era mais significativa. Possivelmente, o excesso de tecido adiposo visceral e a hipertrofia de células de gordura subcutâneas representem marcadores de um fenômeno comum: a capacidade hiperplásica limitada de tecidos adiposos.
Leitura sugerida
Drolet R, Richard C, Sniderman AD, Mailloux J, Fortier M, Huot C, et al. Hypertrophy and hyperplasia of abdominal adipose tissues in women. Int J Obes. 2008;32:283-91.
Kramer CK, Zinman B, Retnakaran R. Are metabolically healthy overweight and obesity benign conditions?: A systematic review and meta-analysis. Ann Intern Med. 2013;159:758-69.
Lessard J, Laforest S, Pelletier M, Leboeuf M, Blackburn L, Tchernof A. Low abdominal subcutaneous preadipocyte adipogenesis is associated with visceral obesity, visceral adipocyte hypertrophy, and a dysmetabolic state. Adipocyte. 2014;3(3):197-205.
Rydén M, Andersson DP, Bergström IB, Arner P. Adipose tissue and metabolic alterations-Regional differences in fat cell size and number matter, but differently: a cross sectional study. J Clin Endocrinol Metab. 2014;99(10):E1870-6.
Salles JEN, et al. Topografia do tecido adiposo: da lipodistrofia à obesidade. In: Mancini MC, coordenador. Tratado de obesidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2015. p. 179-83.
Vague J. Sexual differentiation: a factor affecting the forms of obesity. Presse Med. 1947;55:339-40.
Conheça os cursos coordenados pelo Dr. Marcio C. Mancini:
CATO 1 - Conceitos Fundamentais em Obesidade