Cefaleias que inspiram cuidados

Cefaleias que inspiram cuidados

As cefaleias secundárias ocorrem quando há alguma comorbidade que possa cursar com dor de cabeça. Embora algumas situações possam parecer óbvias, outras demandam alto grau de suspeição. O não reconhecimento das cefaleias de interesse neurocirúrgico pode provocar sério risco à saúde dos pacientes. As condições clínicas que necessitam propedêutica específica são apresentadas por meio de casos clínicos ilustrativos e que foram conduzidos pelo autor.


 Caso 1: Paciente feminina, 62 anos, com quadro crônico de enxaqueca, em tratamento com neurologista. A paciente relata piora da dor, tanto em frequência quanto em intensidade. Relato novo de perceber escotomas cintilantes no olho direito. Solicitou-se angiorressonância magnética de artérias encefálicas, que evidenciou aneurisma da artéria oftálmica direita, localizado logo abaixo da porção cisternal inicial do nervo óptico direito (Figura 1). Esse achado explica a presença dos escotomas cintilantes, secundários à pulsação do domo do aneurisma sob o nervo óptico. A expansão de um aneurisma pode causar dor, por distender a adventícia do vaso. A paciente foi submetida a operação, sem qualquer intercorrência, e teve alta no terceiro dia, com cessação dos escotomas e melhora da cefaleia. Portanto, pacientes com cefaleias primárias que modificam seu padrão de modo inesperado, seja por intensidade, seja qualidade da dor, devem ser melhor investigados.1


 A     B                       C


Figura 1 A e B: aneurisma de artéria carótida interna direita em seu segmento oftálmico. A lesão encontrava-se inferior ao nervo óptico direito e dentro do canal do nervo óptico. C: paciente com 36 h de pós-operatório.


 Caso 2: Paciente masculino, 34 anos, com cefaleia e, segundo a esposa, alteração de comportamento: antes calmo e tranquilo, adotou postura agressiva e beligerante. O exame neurológico mostrou paciente agitado e impaciente. A ressonância magnética de encéfalo mostrou enorme meningioma frontal com grave efeito compressivo sobre estruturas circunjacentes (Figura 2A). A síndrome de hipertensão intracraniana explica a cefaleia, e a compressão do giro do cíngulo bilateral explica a alteração comportamental. Pacientes com cefaleia nova associada a alteração de comportamento (ora mais evidente, ora não) devem ser melhor estudados. O paciente foi operado e até o último contato houve sensível melhora do humor e cessação da cefaleia. Não houve qualquer sequela da cirurgia (Figura 2B).


       A


    B


 Figura 2 A: ressonância magnética de paciente com meningioma frontal gigante com manifestação clínica de alteração de comportamento e cefaleia. Note, em secção coronal, a ocorrência de hérnia subfalcina com compressão do giro do cíngulo bilateral (setas brancas). B: aspecto pós-operatório após um mês de cirurgia. Observa-se ressecção total da lesão. Os giros do cíngulo apresentam morfologia normal (quadrado tracejado branco).


 Caso 3: Paciente masculino, 65 anos, com cefaleia de intensidade progressiva. Queixa de dor contínua no lado esquerdo da cabeça. Familiares relatam “falta de atenção”, “esquecimento” e períodos de confusão mental havia aproximadamente 2 meses. Houve alguma confusão mental ao exame, bem como discreta paresia à direita à manobra de Mingazzini (estender os braços em posição horizontal com as palmas das mãos voltadas para cima, em supinação, e olhos fechados; a manobra é considerada positiva caso haja pronação com alguma queda do membro superior em relação ao membro contralateral). O paciente já fora consultado em duas ocasiões, com diagnóstico de quadro demencial incipiente. A tomografia computadorizada de encéfalo mostrou coleção hemática subdural crônica esquerda (Figura 3).


Após insistente pergunta sobre a possiblidade de trauma cranioencefálico, familiares relataram “escorregão” enquanto deambulava em casa aproximadamente 60 dias antes. Foi submetido a operação e recebeu alta hospitalar no terceiro dia pós-operatório, assintomático e com cognição basal (aquela de antes da queda). Hematomas subdurais crônicos (HSDC) são relativamente comuns em pessoas longevas e podem ser ocasionados por traumas cranianos leves, até mesmo de difícil recordação. A queixa de cefaleia, o comprometimento cognitivo e a discreta hemiparesia contralateral advieram de hipertensão intracraniana causada pelo HSDC. Esse diagnóstico deve ser sempre lembrado em pacientes longevos, principalmente em usuários de antiagregantes plaquetários e/ou anticoagulantes.



 Caso 4: Paciente feminina, 62 anos, apresentou cefaleia holocraniana de intensidade extrema, como nunca antes vivenciada. Não apresentava qualquer comorbidade. Percebeu-se alteração do estado geral e foi levada imediatamente ao hospital. A tomografia de encéfalo mostrou hemorragia subaracnoide espontânea grave (Figura 4A). Submeteu-se ainda a uma arteriografia encefálica que revelou aneurisma bilobulado na bifurcação da artéria carótida interna esquerda (Figura 4 B). Foi operada e não ocorreram intercorrências. Foi mantida em regime de internação hospitalar por 21 dias. Poucas condições podem causar cefaleia de intensidade tão grande. Trata-se de cefaleia súbita – “a pior cefaleia da vida” – , quase sempre acompanhada por alguma alteração do nível de consciência, o que torna a hemorragia subaracnoide diferente de outras condições. É possível fazer o diagnóstico diferencial com a cefaleia em salvas; entretanto, há lacrimejamento, hiperemia conjuntival, rinorreia e congestão nasal, além de a cefaleia ser estritamente unilateral.1



Figura 4 A: tomografia computadorizada de encéfalo que evidencia hemorragia subaracnoide grave (Fisher III). B: arteriografia cerebral mostra aneurisma bilobulado na bifurcação da artéria carótida interna esquerda (setas brancas).


Caso 5: Paciente masculino, 70 anos, com cefaleia temporal direita. Descreve cefaleia de intensidade variável, podendo alcançar forte intensidade, restrita à têmpora direita, “latejante”. O quadro teve início há 6 meses. O paciente procurou avaliação médica em duas ocasiões, lhe tendo sido prescritos analgésicos comuns e anti-inflamatórios não esteroides (AINE). Nada se detectou ao exame neurológico. A palpação da região temporal direita era dolorosa. Diante do quadro, suspeitou-se de arterite de células gigantes (ou arterite temporal, Doença de Horton).2 Assim, solicitou-se exame de velocidade de hemossedimentação, cujo valor foi de 80. Para confirmação diagnóstica, o paciente foi submetido a uma pequena incisão cutânea para obtenção de material de biópsia de ramo da artéria temporal superficial. O laudo anatomopatológico confirmou o diagnóstico de arterite de células gigantes. Embora possa estar acompanhada de outros sintomas, a arterite de células gigantes manifesta-se preferencialmente por acometimento das artérias temporal superficial, oftálmica, central da retina e ciliar. Iniciou-se tratamento com corticoides.


Os casos citados ilustram cefaleias secundárias; três deles tiveram diagnóstico equivocado por outros profissionais. A investigação pormenorizada é mandatória nos seguintes casos: cefaleia em pacientes oncológicos; pacientes em uso de antiagregantes plaquetários ou anticoagulantes; portadores de hipertensão arterial grave; crises convulsivas ou déficits neurológicos; alterações comportamentais; casos de trauma cranioencefálico recente; portadores de discrasias sanguíneas; mudança no padrão prévio de cefaleias primárias; suspeita de hidrocefalia, ou alguma outra causa de hipertensão intracraniana; e cefaleia de novo em adultos, particularmente no sexo masculino.


Referências bibliográficas


  1. Headache Classification Committee of the International Headache Society (IHS) The International Classification of Headache Disorders, 3rd edition. Cephalalgia. 2018;38(1):1-211.
  2. Pitella JE, Rosemberg S, Hahn MD, Chimelli L, Grinberg LT, Andrade MPG, et al. Sistema nervoso. In: Brasileiro Filho G. Bogliolo: Patologia. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2011. p. 929.

 


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