Chá de folhas de insulina e diabetes

Chá de folhas de insulina e diabetes

A insulina é uma das substâncias mais importantes na Endocrinologia. Ainda hoje, tenta-se entender todas as suas funções no corpo humano. Diariamente, são publicados artigos demonstrando seus novos mecanismos de ação, os efeitos em diferentes órgãos do corpo humano e estudos utilizando-a no tratamento de diversos tipos de diabetes. Como poderíamos então encontrar esta substância tão complexa em uma simples folha de planta? Mais do que isso, será que esta folha realmente apresenta a mesma insulina encontrada no corpo humano?


Hormônio produzido pelo pâncreas humano, a insulina é responsável pela regulação dos níveis de glicose no organismo, auxiliando em seu transporte do sangue para dentro das células. Em situações nas quais existe o aumento da glicose no sangue, há também elevação da insulina. Em jejum, os níveis de insulina ficam mais baixos para prevenir a queda da glicose no sangue.


Dentre os inúmeros medicamentos utilizados para tratar o diabetes melito tipo 2, alguns estimulam a liberação de insulina pelo pâncreas, causando a queda dos níveis de glicose. Por outro lado, em pacientes com diabetes melito tipo 1, o paciente precisa usar insulina injetável, visto que ocorre destruição das células que produzem essa substância.


A insulina como forma de tratamento do diabetes é um dos grandes feitos da Medicina do Século XX. Descoberta em 1922 por um grupo de pesquisadores em Toronto, Canadá, vem sendo constantemente aperfeiçoada nos últimos 70 anos, obtendo melhora em sua qualidade e eficácia, bem como nos dispositivos para sua administração.


Um dos grandes desafios, entretanto, refere-se à forma como é utilizada. Embora amplamente pesquisada, a insulina ainda precisa ser utilizada sob a forma injetável ou inalável (recentemente lançada no Brasil). A versão administrada por via oral ainda se encontra em fase de desenvolvimento. Se existe tanta dificuldade em utilizar a insulina, qual seria o efeito do chá de folhas de insulina sobre os níveis de glicose? Será que estamos falando da mesma substância?


A Cissus sicyoides L é uma trepadeira também conhecida como anil trepador, uva brava, cipó-pucá ou insulina vegetal; esse último nome adquirido exatamente em decorrência de seu grande uso no tratamento do diabetes pela população. As folhas também são empregadas para tratar reumatismo, abscessos e ativar a circulação sanguínea. Deste modo, esclarecemos um primeiro conceito importante: a insulina vegetal não tem qualquer relação com a insulina produzida pelas células pancreáticas; esse nome foi dado pela própria população devido ao seu uso disseminado no tratamento do diabetes.


Agora, é necessário determinar se este uso popular é respaldado por conhecimento científico. Para tanto, devemos analisar estudos que avaliam os efeitos desta planta nos níveis de glicose. O interessante é que esses estudos existem e foram publicados, em sua grande maioria, por grupos de pesquisa do Brasil.


Para começar a análise, vamos avaliar primeiro os estudos em modelos animais. O primeiro foi publicado em 2001 pelo pesquisador Flávio Beltrame da Universidade Estadual de Maringá. Ele concluiu que a utilização do extrato de Cissus sicyoides L não promovia melhoras dos níveis de glicose em ratos com diabetes induzido por medicação. Pelo contrário, o extrato até levou a uma piora da glicemia. Segundo o autor: “os dados, ao contrário do conhecimento popular, não revelaram propriedades antidiabéticas da Cissus sicyoides L”.


O segundo estudo foi publicado em 2003 por um grupo de pesquisadores de Araraquara. Os autores demonstraram que, em ratos com diabetes, o extrato da insulina vegetal causou redução dos níveis de glicose. Os mesmos resultados foram obtidos em um estudo de 2004. A pesquisadora Glauce Viana, do Ceará, demonstrou que a utilização do extrato de Cissus sicyoides L por 7 dias em ratos com diabetes diminuiu os níveis de glicose e também de triglicérides em torno de 25%. Por outro lado, houve também um pequeno aumento nos níveis das enzimas hepáticas.


Estes benefícios sobre os níveis de glicose também foram demonstrados por um grupo de pesquisadores do Japão. Os efeitos deletérios sobre as enzimas hepáticas não puderam ser explicados pelos autores.


Parece, portanto, haver algumas evidências bem interessantes em modelos animais de que o extrato da insulina vegetal pode realmente reduzir os níveis de glicose. Contudo, os estudos em humanos são bem mais escassos.


O único encontrado foi realizado, em 2008 e desenvolvido por uma equipe de pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba. Ou seja, é muito recente. Os autores trataram com o chá de insulina vegetal 14 indivíduos com intolerância à glicose (“pré-diabetes”) e 12 indivíduos com diabetes durante 7 dias. Os autores observaram que, em pacientes com pré-diabetes, houve uma pequena melhora da glicose 2 h após a ingestão de glicose. Nos pacientes com diabetes, não foram observados nenhum efeito sobre a glicemia ou os níveis de insulina. A principal conclusão dos autores é que são necessários mais estudos para conhecer os reais efeitos da insulina vegetal no tratamento do diabetes. Vale a pena observar que o estudo avaliou apenas pacientes por uma semana.


Em resumo, ainda existe muito que aprender sobre a Cissus sicyoides L, o famoso chá de insulina. O que se sabe hoje é que, embora tenha este nome, a folha não tem relação com a insulina produzida pelo organismo ou encontrada nos medicamentos para diabetes. A planta pode realmente ter efeitos benéficos sobre a glicose, mas o resultado em humanos ainda não foi comprovado. Além disso, também se desconhece o mecanismo de ação e possíveis efeitos colaterais. O que posso dizer aqui é que ele não deve ser utilizado para tratar o diabetes até que mais pesquisas sejam feitas.


Referências bibliográficas


Beltrame FL, Sartoretto JL, Bazotte RB, Cuman RN, Cortez DAG. Estudo fitoquímico e avaliação do potencial antidiabético do Cissus sicyoides L (Vitaceae). Quimica Nova. 2001;24:783-5.

Mori T, Nishikawa Y, Takata Y, Kashuichi N, Ishihara N. Effect of insulina leaf extraction on development of diabetes. Comparison between normal, streptozotocin-induced diabetic rats and hereditary diabetic mice. J Japanese Soc Nutr Food Sci. 2001;54:197-203.

Pepato MT, Baviera AM, Vendramini RC, Perez MPMS, Kettelhut IC, Brunetti IL. Cissus sicyoides (princess vine) in the long-term treatment of streptozotocin-diabetic rats. Biotechnol Appl Biochem. 2003;37:15-20.

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Viana GS, Medeiros AC, Lacerda AM, Leal LK, Vale TG, Matos FJ. Hypoglycemic and anti-lipemic effects of the aqueous extract from Cissus sicyoides. BMC Pharmacol. 2004;8:4-9

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