Comprometimento Cognitivo Leve

Comprometimento Cognitivo Leve

Por Dra. Eliane Correa Miotto – O comprometimento cognitivo leve (CCL) é uma síndrome caracterizada por declínio cognitivo no contexto de preservação das atividades de vida diária [1,2]. O Diagnostic Statistical Manual-5 (DSM-5) incluiu o conceito de transtorno neurocognitivo leve (TNC) para o quadro de CCL, definindo-o como declínio cognitivo em relação ao desempenho prévio em um ou mais domínios cognitivos, de intensidade insuficiente para afetar a independência do indivíduo nas atividades de vida diária. Em 2011, novos critérios diagnósticos foram propostos para o quadro de CCL devido à doença de Alzheimer (DA) [3,4]. A pesquisa de biomarcadores – dentre eles, a proteína beta-amiloide, lesão ou atrofia cerebral incluída nos novos critérios – possibilitou a classificação do grau de probabilidade da etiologia de DA para os quadros de CCL.


Há quatro subgrupos de CCL classificados com relação ao comprometimento ou não da memória e à presença de mais de um tipo de domínio cognitivo afetado [1,2]:


  • CCL amnéstico (CCLa) de domínio único, quando ocorre apenas prejuízo da memória
  • CCLa de múltiplos domínios, com prejuízo da memória e outra função cognitiva
  • CCL não amnéstico (CCLna) de domínio único, quando há prejuízo de funções executivas, ou visuoespaciais, ou de linguagem, dentre outras habilidades cognitivas, com exceção da memória
  • CCLna de múltiplos domínios, quando o prejuízo inclui mais de um domínio cognitivo, com exceção da memória.

O CCLa apresenta maior probabilidade de evoluir para DA, especialmente quando acompanhado de biomarcadores positivos (beta-amiloide e/ou atrofia cerebral) e o CCLna pode evoluir para outras etiologias, incluindo degeneração lobar frontotemporal (DLFT), demência vascular, dentre outras. Há, também, quadros de CCL que permanecem estáveis ou evoluem com melhora, particularmente, quando a base etiológica não é uma doença degenerativa. Estima-se que 10 a 15% dos pacientes com CCLa evoluam para DA anualmente [5].


É fundamental a obtenção de uma anamnese ou história clínica detalhada, realizada com o paciente e o familiar ou informante, além de exames físico, neurológico, de neuroimagem e laboratoriais.


A avaliação neuropsicológica é de fundamental importância para o diagnóstico do CCL, uma vez que as alterações cognitivas são geralmente leves e, portanto, há a necessidade de se utilizar instrumentos cognitivos com normas e padronização. O critério atualmente adotado considera presença de prejuízo quando o resultado de um teste se encontra entre 1 e 1,5 desvios-padrão abaixo do esperado para a idade e escolaridade do indivíduo [1-4].


O tratamento do CCL pode ser farmacológico e/ou não farmacológico, apesar de a evidência para a prescrição farmacológica ser escassa. Os objetivos principais das intervenções incluem melhorar ou reduzir o impacto dos déficits cognitivos e retardar a taxa de conversão para demência.


Com relação às intervenções não farmacológicas, a reabilitação ou treino cognitivo e a atividade física têm mostrado benefícios relevantes [6-8]. Estudos com neuroimagem funcional e estrutural demonstraram o potencial das intervenções com treino cognitivo para a plasticidade cerebral e reserva cognitiva. Nesses estudos, observaram-se melhora das funções cognitivas treinadas, aumento de atividade neuronal nas regiões hipocampais, parietais e frontais e da conectividade, principalmente entre regiões hipocampais, frontais e precuneos, após o treino cognitivo em pacientes com CCL [6,9,10].


Em conclusão, apesar da escassez de tratamentos farmacológicos efetivos para o CCL, estudos recentes demostraram mudanças comportamentais do padrão de ativação e da conectividade cerebral, decorrentes de intervenções não farmacológicas, especialmente, do treino cognitivo e da atividade física em pacientes com CCL.


Referências bibliográficas


  1. Petersen RC, Doody R, Kurz A et al. Current concepts in mild cognitive impairment. Arch Neurol. 2001; 58:1985-1992.
  2. Winblad B, Palmer K, Kivipelto M et al. Mild cognitive impairment – beyond controversies, towards a consensus: report of the International Working Group on Mild Cognitive Impairment. J Intern Med. 2004; 256:240-246.
  3. Albert MS, DeKosky ST, Dickson D et al. The diagnosis of mild cognitive impairment due to Alzheimer’s disease: Recommendations from the National Institute on Aging-Alzheimer’s Association workgroups on diagnostic guidelines for Alzheimer’s disease. Alzheimers Dement.May. 2011; 7(3):270-279.
  4. Frota NA, Nitrini R, Damasceno BP et al. Critérios para o diagnóstico de doença de Alzheimer. Dement Neuropsychol. 2011 June; 5(Suppl 1):5-10
  5. Fischer P, Jungwirth S, Zehetmayer S et al. Conversion from subtypes of mild cognitive impairment to Alzheimer dementia. Neurology. 2007; 23:288-291.
  6. Belleville S, Clément F, Mellah S et al. Training related brain plasticity in subjects at risk of developing Alzheimer’s disease. Brain. 2011; 134(4): doi:10.1093/brain/awr037.
  7. Miotto EC. Reabilitação neuropsicológica e intervenções comportamentais. Editora Roca, Grupo GEN. 2015.
  8. Maffei et al. Randomized trial on the effects of a combined physical/cognitive training in aged MCI subjects: the Train the Brain study. Sci Rep. 2017 Jan 3; 7:39471.
  9. Hampstead BM, Stringer AY, Stilla RF et al. Mnemonic strategy training partially restores hippocampal activity in patients with mild cognitive impairment. Hippocampus. 2012; 22:1652-1658.
  10. Balardin JB, Batistuzzo MC, Martin MGM et al. Differences in prefrontal cortex activation and deactivation during strategic episodic verbal memory encoding in mild cognitive impairment. Front. Aging Neurosci. 2015; 7:147:doi: 10.3389/fnagi.2015.00147.

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