Conduta Atual no Câncer de Próstata

Conduta Atual no Câncer de Próstata

Em termos de valores absolutos, o câncer de próstata, representado pelo adenocarcinoma, é o sexto tipo de câncer mais comum no mundo e o mais prevalente em homens, representando cerca de 10% do total de neoplasias malignas. No Brasil, o câncer da próstata é a quarta causa de morte por neoplasias, correspondendo a 6% do total de óbitos por este grupo nosológico. A taxa de mortalidade bruta vem apresentando um ritmo de crescimento acentuado, passando de 3,73/100.000 homens em 1979 para 8,93/100.000 homens em 1999, o que representa variação percentual relativa de 139%. Para 2016, estima-se a ocorrência de aproximadamente 61.200 casos novos, levando à morte de aproximadamente 14.000 brasileiros [1].


De acordo com as diretrizes da Sociedade Brasileira de Urologia (SBU), o rastreamento do câncer de próstata é recomendado após os 50 anos de idade em indivíduos sem história familiar para a doença, e após os 45 anos de idade em indivíduos que apresentam um ou mais parentes de 1º grau portador de câncer de próstata e/ou em afrodescendentes [2]. O pico de incidência da doença ocorre entre 70 e 74 anos de idade, com 85% dos pacientes diagnosticados após os 65 anos de idade [3]. A análise histopatológica prostática, oriunda de pacientes submetidos à necrópsia, revela a presença de focos microscópicos de câncer prostático em uma taxa aproximada de 30% dos homens na 4ª década de vida, 50% dos homens na 6ª década de vida e mais de 75% dos homens com mais de 85 anos de idade [4,5].


Para o rastreamento da doença, apesar da inexistência de um marcador específico para o câncer de próstata, já está bem estabelecido que dois exames devem ser utilizados: a dosagem sérica do antígeno-prostático-específico (do inglês, PSA) total e os dados do exame físico localizado, caracterizado pelo toque retal. A combinação destes é considerada o método mais útil para a avaliação da presença de câncer de próstata em um indivíduo [6-10].


A ultrassonografia prostática, por via abdominal, não deve ser utilizada como ferramenta de rastreamento, pois não apresenta sensibilidade e especificidade na detecção da doença, e até mesmo a realizada por via transrretal não é recomendada como primeira linha de investigação, uma vez que apresenta baixo valor preditivo para câncer prostático em fase inicial, além de custo bem mais elevado quando comparada ao toque retal [11-14].


Diagnóstico e estadiamento


Assim como outras doenças oncológicas, o diagnóstico de câncer prostático é estabelecido pelo estudo histopatológico de fragmentos do tecido prostático obtidos a partir de biopsias do órgão. Tradicionalmente, recomenda-se biopsia de próstata em homens com toque retal suspeito para neoplasia e/ou apresentando níveis séricos de PSA total elevados [15]. Podemos considerar um toque retal “suspeito” quando detectamos a presença de: nódulos endurecidos palpáveis, superfície prostática irregular, mudança da consistência fibroelástica normal para endurecida e próstata fixa. Com relação ao PSA total sérico, a biopsia seguida de estudo histopatológico torna-se indicada quando os níveis ultrapassam o valor de 4,0 ng/ml [15]. Estima-se que aproximadamente 35% dos homens com níveis séricos de PSA total entre 4,0 e 10,0 ng/ml são portadores de câncer de próstata. Essa frequência aumenta para 60% nos homens com níveis séricos cima de 10 ng/ml [16,17]. Recentemente, tem sido questionado se valores séricos maiores que 2,5 ng/ml deveriam ser considerados anormais, uma vez que estudos sobre o tema detectaram incidência de câncer de aproximadamente 25% em homens com valores de PSA total sérico entre 2,5 e 4,0 ng/ml [18-20].


Além da confirmação diagnóstica de câncer prostático, outro dado fundamental quando realizamos a análise histopatológica é o grau histológico do tumor. Para tanto, utilizamos a escala de Gleason [21] como método mais usual. Tal escala avalia a citoarquitetura do tecido, atribuindo valores de 1 a 5 de acordo com o grau de organização celular. Quanto mais desorganizado o tecido em nível microscópico, mais elevado o valor atribuído. A soma dos valores atribuídos aos dois padrões predominantes no tecido analisado define o grau histológico de Gleason. Assim, é fácil perceber que os valores podem variar de 2 (1+1) a 10 (5+5). A detecção de um padrão dominante com valor de 4 ou 5 ou, ainda, quando a soma dos dois padrões dominantes é maior ou igual a 7, geralmente prediz um tumor de pior prognóstico.


Para planejamento da conduta terapêutica frente ao câncer de próstata, devemos ter como base fatores gerais, normalmente utilizados em doenças oncológicas como estimativa da perspectiva de vida para os 10 anos subsequentes, condições clínicas do indivíduo e estadiamento da doença. No caso do câncer de próstata, utilizamos a classificação “TNM”. Inicialmente descrita pela respeitada associação científica American Joint Comittee for Cancer Staging and End Results Reporting (AJCC), em 1975 [22], esta classificação sofreu modificações ao longo dos anos até 1997, quando o comitê científico da International Union Against Cancer (UICC) [23] a padronizou pela última vez para estadiamento de câncer prostático.


Na classificação TNM, utilizamos três parâmetros para estadiamento do câncer prostático: extensão tumoral local (T), acometimento de linfonodos (N) e existência de metástases (M). Os exames indicados para estadiamento são: tomografia computadorizada pélvica utilizando meio de contraste venoso, para avaliação dos linfonodos, e cintigrafia óssea, para avaliação de metástase óssea, sítio secundário mais comum da doença.


Terapia cirúrgica


A prostatectomia radical foi a primeira opção terapêutica descrita para o câncer de próstata e a primeira cirurgia de exérese prostática para terapia desta neoplasia foi realizada há mais de 100 anos [24,25]. A técnica ainda permanece como “padrão-ouro” para o tratamento do câncer de próstata confinado à glândula (estádios T1/T2), uma vez que alternativas como quimioterapia e tratamento hormonal não são curativas, assim como a radioterapia não é capaz de erradicar todas as células neoplásicas de forma consistente, mesmo quando o tumor está confinado à glândula prostática [26]. A cirurgia também reduz a progressão da doença para a fase metastática, assim como a morte pela própria doença [27].


O objetivo principal da cirurgia de prostatectomia é excisar completamente a doença oncológica prostática. Os objetivos secundários são representados pela manutenção da capacidade erétil peniana e continência urinária.


Recentes inovações têm ampliado a utilização da prostatectomia radical como tratamento ideal para essa neoplasia, tais como videolaparoscopia ou videolaparoscopia robótica. O candidato ideal para a prostatectomia radical é o paciente saudável e livre de comorbidades, com risco cirúrgico aceitável. A expectativa de vida deve ser de, no mínimo, 10 anos e o tumor deve apresentar características de ressecabilidade total. Em geral, adota-se como idade limite para consideração dessa opção terapêutica cirúrgica os 75 anos [26].


Radioterapia


Na terapia do câncer prostático, recomenda-se a radioterapia como alternativa curativa, para indivíduos portadores de doença localmente avançada (estádio T3/T4), sem evidências clínicas de metástase e para pacientes que apresentam doença confinada à próstata, mas sem condições clínicas para intervenções cirúrgicas. A técnica radioterápica também é recomendada para a complementação da terapia cirúrgica frente a eventual detecção histopatológica, proveniente da peça cirúrgica, de doença oncológica extraprostática e/ou com extensão para vesículas seminais.


Observação criteriosa (watchful waiting)


A observação criteriosa é definida como o seguimento clínico do paciente, sem instituição de qualquer terapia até a evidência de progressão da doença oncológica, momento no qual inicia-se uma terapia de privação andrógena. O objetivo desta conduta, considerada expectante, é limitar a morbidade advinda dos efeitos colaterais das terapias disponíveis para o câncer prostático, uma vez que boa parte dos adenocarcinomas prostáticos é de agressividade baixa e de identificação em idade avançada, em que outras comorbidades como hipertensão arterial sistêmica, coronariopatias e diabetes mellitus apresentam maior risco de complicações, por vezes, fatais [27].


Terapia de bloqueio hormonal


Uma vez que o adenocarcinoma prostático sofre ação direta dos hormônios andrógenos, a terapia hormonal para a doença baseia-se na terapia de deprivação androgênica. Atualmente, contamos com algumas drogas ou procedimento cirúrgico para a promoção dessa deprivação.


A utilização da terapia hormonal para o câncer de próstata é principalmente indicada em duas situações: como terapia neoajduvante/adjuvante em tratamento com intenção curativa oncológica e para doença prostática metastática.


Conclusão


Analisando grandes estudos com base em necropsias masculinas, podemos sugerir que o câncer de próstata é uma doença inevitável. A prevalência da doença em homens com mais de 85 anos de idade atinge quase 80%. Existem várias teorias propostas para explicar o desenvolvimento da doença, mas nenhuma ainda conclusiva. Acreditamos que podemos acrescentar o câncer de próstata no “rol” de doenças próprias do envelhecimento masculino.


A opção terapêutica adotada frente à doença localizada deve ser sempre individualizada. As terapias disponíveis apresentam tempo de utilização e estudos científicos com nível de evidência satisfatórios para sua segura utilização. Nesse estágio inicial, as terapias possibilitam a erradicação total da doença. Em alguns indivíduos, nos quais a cura oncológica não é o objetivo principal do tratamento, há opções paliativas que permitem, na maioria dos casos, que o indivíduo seja capaz de conviver com a afecção patológica sem evoluir para o óbito por consequência da mesma.


Na doença avançada, contamos ainda com um arsenal terapêutico que, em boa parte dos casos, permite a manutenção da qualidade de vida, prevenindo fraturas patológicas e amenizando quadros álgicos. A idade do paciente na ocasião do diagnóstico, suas condições clínicas e a presença de doença localizada fazem a diferença na escolha terapêutica ideal.


As complicações dos principais tratamentos ainda são frequentes, mas vêm apresentando gradual redução ao longo dos anos, com o aprimoramento das técnicas cirúrgicas e radioterápicas. Mesmo quando presentes, os efeitos colaterais e as alternativas para o manejo destes vêm apresentando crescimento e avanços tecnológicos importantes.


Acreditamos que os próximos 10 anos serão fundamentais para que as terapias curativas evoluam, minimizando seus efeitos indesejáveis, e para que técnicas diagnósticas permitam a detecção cada vez mais precoce e precisa deste tipo de câncer, com eventuais perspectivas profiláticas no campo da terapia gênica.


 


Referências bibliográficas

  1. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria Nacional de Assistência à Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Estimativa 2008 – Incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2016.
  2. Monti ACP, Monti PR, Rodrigues PRM et al. Câncer de próstata: prevenção e rastreamento. Brasília: Associação Médica Brasileira e Conselho Federal de Medicina. Atualização: junho 2006 [citado em 27 de maio de 2008]. Disponível em: http://www.projetodiretrizes.org.br/5_volume/10-CancerPrev.pdf.
  3. Klein EA, Platz EA, Thompson IM. Epidemiology, etiology, and prevention of prostate cancer. In: Wein AJ, Kavoussi LR, Novick AC, Partin Aw, Peters CA eds. Campbell-Walsh Urology. 9th Edition. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2007.
  4. Sakr WA, Haas GP, Cassin BF et al. The frequency of carcinoma and intraepithelial neoplasia of the prostate in young male patients. J Urol. 1993 Aug;150(2 Pt 1):379-85.
  5. Grönberg H. Prostate cancer epidemiology. Lancet. 2003 Mar 8;361(9360):859-64.
  6. Catalona WJ, Richie JP, Ahmann FR et al. Comparison of digital rectal examination and serum prostate specific antigen in the early detection of prostate cancer: results of a multicenter clinical trial of 6,630 men. J Urol. 1994 May;151(5):1283-90.
  7. Littrup PJ, Goodman AC, Mettlin CJ et al. Cost analyses of prostate cancer screening: frameworks for discussion. Investigators of the American Cancer Society-National Prostate Cancer Detection Project. J Urol. 1994 Nov;152(5 Pt 2):1873-7.
  8. Carter HB, Allaf ME, Partin AW. Diagnosis and staging of prostate cancer. In: Wein AJ, Kavoussi LR, Novick AC, Partin Aw, Peters CA eds. Campbell-Walsh Urology. 9th Edition. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2007.
  9. Bangma CH, Kranse R, Blijenberg BG et al. The value of screening tests in the detection of prostate cancer. Part I: Results of a retrospective evaluation of 1726 men. 1995 Dec;46(6):773-8.
  10. Van der Cruijsen-koeter IW, Wildhagen MF, De Koning HJ et al. The value of current diagnostic tests in prostate cancer screening. BJU Int. 2001 Sep;88(5):458-66.
  11. Carter SS, Shinohara K, Lipshultz LI. Transrectal ultrasonography in disorders of the seminal vesicles and ejaculatory ducts. Urol Clin North Am. 1989 Nov;16(4):773-90.
  12. Flanigan RC, Catalona WJ, Richie JP et al. Accuracy of digital rectal examination and transrectal ultrasonography in localizing prostate cancer. J Urol. 1994 Nov;152(5 Pt 1):1506-9.
  13. Ellis WJ, Chetner MP, Preston SD et al. Diagnosis of prostatic carcinoma: the yeld of serum prostate specific antigen, digital rectal examination and transrectal ultrasonography. J Urol. 1994 Nov;152(5 Pt 1):1520-5.
  14. Lilja H, Semjonow A, Sibley P et al. National Academy of Clinical Biochemistry Guidelines for the use of tumor markers in prostate cancer. [citado em 27 de maio de 2008]. Disponível em http://www.nacb.org.
  15. Catalona WJ, Smith DS. Comparsion of different serum prostate specific antigen measures for early prostate cancer detection. Cancer 1994; 74(5):1516-18.
  16. Catalona WJ, Smith DS, Ratliff TL et al. Measurement of prostate-specific antigen in serum as a screening test for prostate cancer. N Engl J Med 1991;324(17):1156-61.
  17. Babaian RJ, Johnston DA, Naccarato W et al. The incidence of prostate cancer in a screening population with a serum prostate specific antigen between 2.5 and 4.0 ng/ml: relation to biopsy strategy. J Urol. 2001 Mar;165(3):757-60.
  18. Catalona WJ, Smith DS, Ornstein DK. Prostate cancer detection in men with serum PSA concentrations of 2.6 to 4.0 ng/mL and benign prostate examination. Enhancement of specificity with free PSA measurements. JAMA. 1997 May 14;277(18):1452-5.
  19. Roddam AW, Duffy MJ, Hamdy FC et al. NHS Prostate Cancer Risk Management Programme. Use of prostate-specific antigen (PSA) isoforms for the detection of prostate cancer in men with a PSA level of 2-10 ng/ml: systematic review and meta-analysis. Eur Urol. 2005 Sep;48(3):386-99; discussion 398-9.
  20. Gleason DF. Classification of prostatic carcinomas. Cancer Chemother Rep. 1966 Mar;50(3):125-8.
  21. Wallace DM, Chisholm GD, Hendry WF. TNM Classification for urological tumours (UICC) – 1974. Br J Urol. 1975 Feb;47(1):1-12.
  22. UICC. International Union Against Cancer. TNM classification. [citado em 27 de maio de 2008]. Disponível em http://www.uicc.org.
  23. Young HH. VIII. Conservative Perineal Prostatectomy: The Results of Two Years’ Experience and Report of Seventy-Five Cases. Ann Surg. 1905 Apr;41(4):549-57.
  24. Young HH. The early diagnosis and radical cure of carcinoma of the prostate. Being a study of 40 cases and presentation of a radical operation which was carried out in four cases. 1905. J Urol. 2002 Sep;168(3):914-21.
  25. Catalona WJ, Misop H. Definitive therapy for localized prostate cancer – an overview. In: Wein AJ, Kavoussi LR, Novick AC, Partin Aw, Peters CA eds. Campbell-Walsh Urology. 9th Edition. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2007.
  26. Holmberg L, Bill-axelson A, Helgesen F et al. A randomized trial comparing radical prostatectomy with watchful waiting in early prostate cancer. N Engl J Med. 2002 Sep 12;347(11):781-9.
  27. Eastham JA, Scardino PT. Expectant management of prostate cancer. In: Wein AJ, Kavoussi LR, Novick AC, Partin Aw, Peters CA eds. Campbell-Walsh Urology. 9th Edition. Philadelphia: Saunders Elsevier, 2007.

 


 


Compartilhe: