Congresso Anual da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer: estudos sobre detecção precoce do câncer pela biópsia líquida

Congresso Anual da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer: estudos sobre detecção precoce do câncer pela biópsia líquida

A detecção precoce do câncer é uma meta desejada ansiosamente por todos; por isso, continua sendo prioridade para a comunidade de pesquisa oncológica.  Essa detecção precoce traz múltiplas vantagens, como aumentar as chances de sucesso no tratamento do paciente, prolongar sua sobrevivência e melhorar substancialmente sua qualidade de vida.


O desenvolvimento de um teste sanguíneo sensível e específico é o suficiente para garantir diagnóstico preciso do câncer antes que a doença se manifeste clinicamente, porém esse desenvolvimento apresenta muitos desafios.  Os testes baseados em biópsia líquida geralmente utilizam análise de DNA tumoral circulante (ctDNA), que nada mais é do que o DNA presente nas células cancerígenas que circulam no sangue. O objetivo desses testes é procurar alterações genéticas da sequência dos nucleotídeos que compõem o DNA das células cancerígenas, de forma que, com a ocorrência dessas alterações, e em uma fase muito precoce do desenvolvimento do câncer, possam então identificar com segurança a presença da doença em sua fase bastante inicial.  


A existência de DNA sem células no sangue foi descoberta e descrita pela primeira vez em 1948, e sua implicação no câncer foi descrita pela primeira vez em 1977. A detecção do câncer antes da disseminação metastática poderia aumentar a sobrevida dos pacientes, pelo menos, em 10 vezes, pois os paradigmas existentes para rastrear os tipos de câncer para os quais os exames convencionais de rastreamento, disponíveis atualmente, são abaixo do ideal.  No entanto, recentemente, graças aos avanços do sequenciamento de próxima geração e outras ferramentas de diagnóstico molecular, tornou-se possível analisar o ctDNA em altos detalhes e com especificidade e sensibilidade, usando biópsia líquida. Contudo, alguns tipos de câncer podem não derramar ctDNA no sangue em níveis acima do limite de detecção de um teste com biópsia líquida.  Adicionalmente, processos normais de formação dos componentes celulares do sangue (hematopoiese clonal), podem gerar mutações e potencialmente confundir os resultados do teste.  Por outro lado, fragmentos de DNA de cânceres do sistema nervoso central (SNC) podem não atravessar a barreira hematoencefálica para entrar na corrente sanguínea, não sendo detectados nas amostras de sangue periférico colhidas.  Estes são apenas alguns exemplos dos inúmeros obstáculos no desenvolvimento de um teste com sabe em biópsia líquida para detectar o câncer precocemente.  Resultado de teste falso negativo pode ser um erro fatal e devastador para o paciente, além de levar a uma série de testes adicionais desnecessários.


Dois estudos foram apresentados no Congresso Anual da Associação Americana para a Pesquisa do Câncer (AACR), esse ano realizado virtualmente. Na sessão Clínica Plenária, intitulada “Detecção precoce de câncer e ctDNA”, os estudos trataram especificamente de biópsia líquida, utilizada para distinguir amostras de sangue de pacientes com câncer e de amostras de sangue que não apresentavam câncer, além de tentar identificar o tecido ou o órgão em que o câncer se originou.


Diagnóstico do câncer em indivíduos com suspeita da doença


David D. Thiel, MD, médico do Departamento de Urologia da Mayo Clinic, Flórida, apresentou dados sobre um teste de detecção multicâncer desenvolvido juntamente com cientistas do Consórcio Circular de Genoma Atlas sem Células (CCGA) e da GRAIL Inc. (Detecting Cancer Early, When It Can Be Cured). Thiel e colaboradores desenvolveram o teste de detecção multicâncer por meio de um estudo prospectivo longitudinal de controle de casos de amostras coletadas de 15.254 indivíduos de 142 locais nos Estados Unidos, dos quais 8.584 tiveram câncer e 6.670 não. O teste utilizou abordagem de sequenciamento por meio do sequenciamento com bissulfito de todo o genoma do DNA extraído do sangue periférico. O bissulfito é capaz de identificar a assinatura de metilação das células cancerígenas. Este teste, tendo como base a metilação, foi validado e os dados foram publicados recentemente na revista especializada Annals of Oncology.  Os resultados apresentados no congresso demonstraram uma especificidade de 99,3% e uma sensibilidade de 67,3% em um conjunto pré-especificado de 12 tipos de câncer de estágios precoces. Adicionalmente, o teste conseguiu prever a origem dos cânceres em 96% das amostras, com índice de acerto em 93% delas. A alta especificidade, embora com um pequeno tamanho de amostra, sugere que a taxa de falso positivo não foi elevada em indivíduos com alto risco, ou seja, com alta suspeita clínica de câncer em comparação à população inscrita.  A sensibilidade do teste ou a capacidade para detectar qualquer câncer em pacientes com a doença confirmada clinicamente foi de 40,2% e 46,7% nos conjuntos de treinamento e validação, respectivamente.  A exclusão de amostras de câncer de rim, que apresenta baixa fração tumoral no sangue, melhorou a sensibilidade do teste.


Diagnóstico do câncer em mulheres sem história da doença


Nickolas Papadopoulos, PhD, Professor de Oncologia e Patologia no Johns Hopkins Sidney Kimmel Comprehensive Cancer Center, em Baltimore (EUA), apresentou um estudo muito interessante e promissor  sobre o  desenvolvimento de um teste de detecção multicâncer, o DETECT-A, por meio de estudo intervencionista prospectivo com 10.000 mulheres, com idades entre 65 e 75 anos, sem diagnóstico prévio de câncer, recrutadas pelo Geisinger Health System.  As participantes foram rastreadas quanto ao câncer usando o teste DETECT-A, projetado para analisar um painel de 1.933 bases no DNA que cobre regiões de 16 genes e nove proteínas envolvidas no câncer. Após contabilizar os efeitos de alguma confusão com a hematopoiese clonal, fazendo-se a correta diferenciação, as pacientes, cujas amostras tiveram resultados positivos, foram acompanhadas com estudos de imagem correspondentes, usando tomografia por emissão de pósitrons - tomografia computadorizada (PET-CT), quando aplicável, e acompanhadas posteriormente. Os dados demonstraram que o exame de sangue DETECT-A pode detectar prospectivamente o câncer em mulheres sem diagnóstico prévio de câncer feito por outros métodos.  O teste pode detectar 10 tipos de câncer, sete a mais do que os três tipos de câncer para os quais existem métodos padrão de rastreamento - câncer de mama, pulmão e colorretal. Dos casos positivos, 65% eram doenças localizadas ou locorregionalizadas.  O valor preditivo positivo do teste foi de 19%, que subiu para 41% quando os resultados foram combinados com os resultados do PET CT. Das anormalidades genômicas detectadas, 57% eram mutações, e o restante eram alterações nas proteínas. Papadopoulos ponderou em sua apresentação que o teste DETECT-A pode levar a uma intervenção terapêutica mais precoce.  Ele acrescentou que deve ser possível incorporar o exame de sangue aos cuidados clínicos de rotina sem interromper o processo de triagem padrão para os cânceres quando eles estiverem disponíveis e, de fato, poderia complementar os testes de triagem padrão ao invés de substituí-los. O teste dobrou o número de cânceres detectados pelos métodos de triagem padrão. O exame de sangue pode potencialmente ser integrado à clínica sem a necessidade de testes invasivos e desnecessários de acompanhamento, segundo Papadopoulos.  Cerca de 1% dos participantes do estudo com resultado de teste falso positivo tiveram que passar por procedimentos confirmatórios adicionais.


Conclusão


Podemos afirmar que estes dois estudos são extremamente provocativos e promissores. Entretanto, para que esses testes possam ser utilizados na prática diária, necessitamos ainda que novos estudos prospectivos para detectarem seu impacto no incremento da sobrevida dos pacientes testados, além de demonstrarem seu custo-efetividade e reprodutibilidade. Estamos todos ansiosos por estas respostas! 


Fonte: Clonal hematopoiesis: a new layer in the liquid biopsy story in lung cancer. Clinical Cancer Research. 2018. Disponível em: https://clincancerres.aacrjournals.org/content/24/18/4352.


Bibliografia


Papadopoulos N, Lennon AM, Buchanan AH, Kinde I et al. Feasibility of blood testing combined with PET-CT to screen for cancer and guide intervention. Science. 2020: eabb9601. Acesso em maio/2020. Disponível em: https://science.sciencemag.org/content/early/2020/04/27/science.abb9601


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