Consequências do estresse agudo nos cabelos

Consequências do estresse agudo nos cabelos

Recente pesquisa sobre o assunto foi divulgada pela revista Nature. Os resultados foram identificados por grupos da Harvard University e do Centro de Pesquisa em Doenças Inflamatórias (CRID). Nesta entrevista, conversamos com Thiago Mattar Cunha, integrante do CRID, um Centro de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), sediado na Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).


GEN Medicina – Como começou a pesquisa?


TC -  Estávamos estudando a dor em camundongos da linhagem Black-C57, cuja pelagem é negra. Administramos a substância resiniferatoxina para ativar um receptor expresso nas fibras nervosas sensoriais e induzir uma sensação dolorosa intensa. Quatro semanas após a injeção sistêmica da toxina, os animais estavam com os pelos completamente brancos.


O experimento foi repetido algumas vezes até identificarmos que o embranquecimento dos fios havia sido causado pela aplicação da substância química.


Idealizamos, então, um experimento muito simples para verificar se o fenômeno dependia da ativação das fibras nervosas simpáticas, pois sabemos que o sistema nervoso simpático guarda uma relação íntima com o estresse. Essa divisão do sistema nervoso autônomo, composta por inervações que correm ao lado da medula espinhal, controla as respostas do organismo a situações de perigo iminente. Por meio de uma onda de noradrenalina/adrenalina, o sistema nervoso simpático faz o coração bater mais rápido, a pressão arterial subir e a respiração acelerar, entre outros efeitos sistêmicos que visam a preparar o corpo para “lutar ou fugir”.


GEN Medicina – O que o estudo comprovou?


TC -  Depois de injetarmos a resiniferatoxina nos camundongos, tratamos os animais com guanetidina, um anti-hipertensivo capaz de inibir a neurotransmissão pelas fibras simpáticas. Observamos que o processo de embranquecimento capilar foi bloqueado pelo tratamento.


A despigmentação capilar – ou canície, no jargão científico – pode ocorrer de modo mais acelerado sob condições de estresse intenso e persistente ou depois de um grande trauma. Comprovamos no estudo que o fenômeno de fato ocorre e identificamos os mecanismos envolvidos. Além disso, descobrimos uma forma de interromper o processo do branqueamento por estresse.


GEN Medicina – Durante a pesquisa foi identificada outra relação do estresse?


TC – Neste estudo, focamos no entendimento de como o estresse acelera o processo de branqueamento dos cabelos. Contudo, acreditamos que ele module vários outros processos biológicos, inclusive favoreça o aparecimento de doenças.


GEN Medicina – Como este tema foi abordado com a Harvard University?


TC – Atuei como professor visitante em Harvard, com bolsa oferecida pelo programa Capes-Harvard, uma parceria da instituição americana com a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, entre os anos de 2018 e 2019. Quando cheguei em Harvard, descobri que existia um grupo de pesquisa que havia feito as mesmas descobertas. Fui então convidado para integrar esse projeto dedicado a investigar o fenômeno mais detalhadamente.


GEN Medicina – Como foi desenvolvida a pesquisa com esta parceria?


TC – Sabemos que o estresse associado à dor causa, de algum modo, nos camundongos, o “amadurecimento” precoce das células-tronco melanocíticas existentes dentro do bulbo capilar. Elas são responsáveis por gerar células produtoras de melanina (melanócitos), pigmento que colore os fios. Demonstramos, por diversas metodologias, que uma ativação simpática intensa faz o processo de diferenciação progredir muito mais rápido. Ou seja, a dor acelera o envelhecimento das células-tronco melanocíticas.


Então, avaliamos quais genes ficavam com a expressão mais alterada após a indução do estresse e um deles chamou a atenção: o codificador da proteína quinase dependente de ciclina (CDK, do inglês cyclin-dependent kinase). Trata-se de uma enzima que participa da regulação do ciclo celular. Quando repetimos o procedimento de indução da dor e, ao mesmo tempo, tratamos os animais com um inibidor da enzima CDK, o processo de diferenciação da célula-tronco melanocítica foi prevenido, assim como o embranquecimento dos pelos.


Esse dado indica que a enzima CDK participa do processo e pode, portanto, ser um alvo terapêutico. Ainda é cedo para saber se algum dia esse alvo chegará a ser usado na clínica, mas vale ser mais bem explorado.


Em outro experimento, demonstramos que, quando ocorre uma ativação robusta do sistema simpático, as fibras que inervam o bulbo capilar liberam noradrenalina – substância precursora da adrenalina – bem perto das células-tronco melanocíticas.


Mostramos, então, que a célula-tronco melanocítica expressa a proteína receptor adrenérgico do tipo beta-2 (ADRB2), ativada por noradrenalina. Quando ocorre a ativação desse receptor pela noradrenalina, a célula-tronco se diferencia.


Por último, o grupo tratou, in vitro, uma cultura primária de melanócitos humanos (células produtoras de melanina obtidas diretamente da pele de um voluntário) com noradrenalina, a mesma substância liberada pelas fibras nervosas simpáticas no bulbo capilar. O resultado foi um aumento na expressão da proteína CDK semelhante ao observado nos camundongos.


GEN Medicina – A partir dos resultados desta pesquisa, o que se pode esperar no futuro?


TC – Ainda não sabemos se os achados da pesquisa terão, no futuro, alguma implicação estética, como o desenvolvimento de um fármaco capaz de impedir o embranquecimento do cabelo associado ao envelhecimento. É preciso avaliar, por exemplo, se eventuais efeitos colaterais de um inibidor de CDK valeriam o benefício estético.


Essa descoberta chama atenção para efeitos colaterais negativos de uma resposta evolutiva protetora. É bem provável que outros sistemas do organismo sofram efeitos equiparáveis ao observado no bulbo capilar em uma condição de estresse intenso. Ainda não sabemos ao certo quais são as implicações. No momento, investigo com outros colaboradores o efeito da ativação simpática em outras subpopulações de células-tronco


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