Controvérsias a respeito da oferta de proteínas para pacientes com lesão renal aguda

Controvérsias a respeito da oferta de proteínas para pacientes com lesão renal aguda

A incidência de lesão renal aguda (LRA) tem aumentado de modo considerável, particularmente em pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTI). A despeito dos avançosmédicos nas últimas décadas, a mortalidade ainda é bastante elevada, atingindo mais de 50% dos pacientes, e o estado nutricional pode ser considerado um possível fator determinante dessa estatística.


A LRA e também o seu tratamento por meio da terapia renal substitutiva (TRS), seja hemodiálise ou diálise peritoneal, são condições hipercatabólicas que influenciam diretamente no estado nutricional.


O termo depleção energético-proteica tem sido adotado para melhor definir as consequências metabólicas negativas da perda aguda da função renal no estado nutricional, e seu diagnóstico em pacientes criticamente doentes não é uma tarefa fácil. Fatores não relacionados com a nutrição, principalmente inflamação e hipervolemia, interferem na interpretação dos parâmetros nutricionais clássicos desses pacientes. Algumas variáveis, como albumina sérica, pré-albumina e colesterol, podem ajudar na predição da evolução nessa população, porém com baixa especificidade para serem utilizadas isoladamente na avaliação nutricional. Para contornar esse problema, o diagnóstico de depleção energético-proteica deve conter: bioquímica, perda ponderal, diminuição da massa muscular e baixa ingesta de proteína e energia. Enquanto um índice de massa corporal (IMC) elevado parece ser protetor na LRA, a desnutrição energético-proteica é frequente e atinge até 40% dessa população. É um fator de risco independente para sepse, sangramentos, insuficiência respiratória e arritmias e está associada ao aumento no tempo de internação hospitalar e mortalidade.


A fisiopatogenia da depleção energético-proteica na LRA é complexa e envolve diversos fatores e mecanismos. A perda aguda da homeostase renal contribui de forma significativa no agravo das alterações metabólicas já existentes nos pacientes graves. Além de maior resistência à insulina, há o desequilíbrio na liberação de mediadores pró e anti-inflamatórios a partir do rim, inclusive com maior estresse oxidativo, decorrente principalmente de lesões tipo isquemia e reperfusão. As alterações no metabolismo de proteínas, carboidratos e lipídios provocadas pela LRA refletem a importância de preservar a função renal no paciente crítico.


A TRS também influencia diretamente no estado nutricional. A perda proteica causada pela passagem do sangue pelo capilar do circuito extracorpóreo não é desprezível, principalmente em dialisadores com elevados coeficientes de ultrafiltração, utilizados em hemofiltração ou hemodiafiltração, métodos cada vez comuns para pacientes graves internados em UTI. Outros motivos que levam à depleção energético-proteica são a proteólise causada pelo quadro inflamatório, redução da oferta causada pela perda de apetite decorrente de alterações no trato gastrintestinal e restrição indevida na oferta.


Além disso, pacientes graves internados em UTI com LRA estão expostos a instabilidade hemodinâmica, hipovolemia, baixo débito, toxicidade medicamentosa, anemia e uma série de outras vulnerabilidades e disfunções orgânicas que podem acentuar o processo de depleção energético-proteica.


Portanto, ao contrário do que dizem alguns conceitos tradicionais, atualmente sem evidências científicas que os sustente, deve-se evitar a restrição de proteínas para pacientes com LRA, especialmente os que estão sob TRS. Esses pacientes devem, inclusive, receber fórmulas hiperproteicas contendo aminoácidos essenciais e não essenciais, e oferta acima da dose usualmente recomendada de selênio, tiamina, cobre e vitaminas C e E. A intenção é evitar o balanço nitrogenado negativo e a depleção energético-proteica.


O guideline da ASPEN (American Society for Parenteral and Enteral Nutrition) para lesão renal aguda e doença renal crônica indica oferta usual de proteínas em situações de estresse leve para pacientes em tratamento ambulatorial. Em situações de estresse moderado, como pacientes internados em enfermarias, sugerem-se 1 a 1,5 g/kg/dia de peso atual. Nos casos de estresse elevado, como pacientes graves de UTI em TRS, sugerem-se 1,5 a 2 g/kg/dia.  


As finalidades da prescrição nutricional em pacientes com LRA, de acordo com o Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO), foram recentemente publicadas:

  • Objetivar um consumo total de energia de 20 a 30 kcal/kg/dia em qualquer estágio de LRA (nível de evidência 2C)
  • Evitar restringir a ingestão de proteínas com o objetivo de prevenir ou retardar o início da TRS (nível de evidência 2D)
  • Administrar de 0,8 a 1 g/kg/dia de proteína em pacientes com LRA não catabólica sem necessidade de diálise (nível de evidência 2D), 1 a 1,5 g/kg/dia em pacientes com LRA em TRS (nível de evidência 2D) e até 1,7 g/kg/dia em pacientes dialisando por métodos contínuos e/ou pacientes hipercatabólicos (nível de evidência 2D)
  • Fornecer alimentação preferencialmente por via enteral em pacientes com LRA (nível de evidência 2C).

Referências bibliográficas

Fiaccadori E, Regolisti G, Maggiore U. Specialized nutritional support interventions in critically ill patients on renal replacement therapy. Curr Opin Clin Nutr Metab Care. 2013;16:1-8.

Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO). Acute Kidney Injury Work Group. KDIGO Clinical Practice Guideline for Acute Kidney Injury. Kidney Int Suppl. 2012;2:1-138.

McClave SA, Taylor BE, Martindale RG, Warren MM, Johnson DR, Braunschweig C et al. Guidelines for the Provision and Assessment of Nutrition Support Therapy in the Adult Critically Ill Patient: Society of Critical Care Medicine (SCCM) and American Society for Parenteral and Enteral Nutrition (A.S.P.E.N.). JPEN J Parenter Enteral Nutr. 2016;40(2):159-211.

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