Covid-19 e HIV: a sobreposição de duas epidemias

Covid-19 e HIV: a sobreposição de duas epidemias

Desde que o mundo se atentou à ocorrência de casos de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SARS) por um novo tipo de coronavírus, a Covid-19, a comunidade médica vem concentrando esforços no entendimento da doença, sua epidemiologia, fisiopatologia e fatores de risco para evolução.


Alguns fatores de risco para a má evolução destacaram-se desde os primeiros estudos observacionais, em uma relação direta com a idade e a pré-existência de diabetes mellitus, miocardiopatias e obesidade. A clara associação destas condições crônicas altamente comuns na população a um pior prognóstico, levantou um alerta para médicos e pacientes. Seriam outras doenças de prevalência relativamente menor também fatores de risco relevantes?


Em março de 2020, o Centers for Disease Control and Prevention (CDC) destacou que pessoas infectadas pelo HIV poderiam ser uma população com risco aumentado para desenvolvimento de formas graves de infecção pela Covid-19 em comparação com a população em geral. Implicariam, neste efeito, não apenas interações diretas entre as duas infecções, mas a alta prevalência de doenças pré-existentes nesta população (quando comparada com a população em geral), como diabetes, hipertensão arterial sistêmica, cardiomiopatias e doenças pulmonares, mas também interferência pela interação entre as drogas utilizadas no tratamento destas afecções, além de fardos sociais como violência, estigmas, discriminação e isolamento vividos pelos portadores do HIV. 


A alta demanda pelos serviços de saúde, vivenciada nos países com muitos casos da atual pandemia, tende ainda a dificultar o acesso habitual às diversas estruturas destes sistemas, complicando a busca por cuidados de todos os níveis pelos cidadãos, portadores ou não de patologias crônicas.


Assim, a interação entre as duas infecções, Covid-19 e HIV, precisa ser necessariamente avaliada pelo prisma de interações biológicas, comportamentais e psicossociais.


É provável que indivíduos infectados pelo HIV tenham um risco aumentado de desenvolver SARS por Covid-19, principalmente quando forem portadores de comorbidades, apresentam contagens baixas de linfócitos CD4 e carga viral detectável. Por outro lado, o uso regular de antirretrovirais como inibidores de protease e inibidores da transcriptase reversa, nucleosídeos e não nucleosídeos, pode modificar o risco de desenvolvimento de SARS e a sua apresentação clínica.


Até o momento da escrita deste texto, o maior estudo buscando informações sobre esta interação foi publicado em Maio de 2020. Constitui-se em estudo prospectivo observacional, em que pesquisadores de um Hospital Universitário de Madrid, Espanha, avaliaram 51 indivíduos portadores de infecção pelo HIV com infecção suspeita (16 casos) ou confirmada (35 casos) por Covid-19. Compararam sua evolução com pacientes HIV internados antes do período de pandemia. Em comparação com internações de pacientes HIV pré-pandemia , neste momento observou-se a maior prevalência de obesidade e de doenças crônicas notadamente hipertensão, diabetes, insuficiência renal cônica e doença hepática. O estudo não pode concluir que a infecção pelo HIV seja um fator de risco ou proteção contra a Covid-19 e os pesquisadores recomendam seguir as recomendações padrão de tratamento para Covid nesta população.


Até o momento, aguarda-se mais estudos em relação à interação das duas infecções para recomendações mais individualizadas. Pelo que se sabe, além da manutenção e adesão ao tratamento antirretroviral, não há recomendações diferenciadas para os portadores do HIV em relação à população em geral.


É importante a manutenção do distanciamento social como principal ferramenta de prevenção, bem como a adoção de hábitos de vida saudável focados na alimentação, prática regular de exercícios físicos, manutenção do peso, sono de pelo menos 8 horas por dia e restrição ao uso de álcool e tabaco, além de medidas para manutenção do bem-estar emocional e atualização da sua imunização.


As medidas gerais de controle populacional da propagação da Covid-19 são ainda importantes para a persistência das linhas de cuidado e programas para prevenção e tratamento de doenças crônicas, dentre elas, o HIV.


Medicações utilizadas para a terapia antirretroviral estão sendo estudadas para o tratamento da Covid-19, até o momento sem comprovação de resultados promissores. Assim, é importante que o gerenciamento de seus estoques seja pensado priorizando as populações portadoras do HIV. Se possível, as equipes de tratamento devem estar preparadas para o uso de ferramentas eletrônicas de atendimento e prescrição, evitando o risco de deixar estas populações desassistidas.


Referências


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