Covid-19 e medicação psiquiátrica

Covid-19 e medicação psiquiátrica

Segundo dados da empresa de consultoria IQVIA, no intervalo de 12 meses concluído em maio de 2020, a venda de medicamentos psiquiátricos chegou a 3,76 bilhões de comprimidos nas farmácias brasileiras, o que equivale a 5,75% de aumento em relação ao mesmo período do ano anterior e resulta em uma receita de R$ 3,58 bilhões. Se considerados somente os antidepressivos, o faturamento foi 15,7% maior, alcançando R$ 3,24 bilhões, o que representa, ainda de acordo com a consultoria, o crescimento de 9,62% na venda desses medicamentos.

 

A pandemia contribuiu para o aumento recente de transtornos mentais e a consequente necessidade de medicações psiquiátricas. O fato é que todo o cenário atual intensificou sintomas de ansiedade, estresse, insônia e outros, motivando as pessoas a buscarem tratamento.

 

Neste sentido, muitas dúvidas médicas surgiram entre os especialistas, por exemplo: Como proceder com pacientes que já fazem uso de medicação psiquiátrica e contraem a Covid-19? É recomendado seguir com os antidepressivos? Podem ser associados ansiolíticos e medicação para sintomas da doença causada pelo coronavírus?

 

Neste artigo, seleciono alguns medicamentos psiquiátricos e situações comuns em nosso meio, para que possamos analisar como conduzir cada caso.

 

Ansiolíticos

Os medicamentos contra ansiedade, chamados de benzodiazepínicos (alprazolam, clonazepam, bromazepam etc.), agem no cérebro por meio de um importante neurotransmissor inibitório, o ácido gama-aminobutirico (GABA). Disso, resultam os efeitos ansiolíticos, de indução de sono, ação anticonvulsivante, sedativa, de relaxamento, entre outros.

 

Todos os benzodiazepínicos, assim como os antipsicóticos típicos de baixa potência, podem levar à depressão respiratória, principalmente se administrados por via parenteral (endovenosa), sendo contraindicados em casos de alterações respiratórias. Se sua administração for necessária, é mais seguro o uso de benzodiazepínicos de meia-vida mais curta, como o lorazepam, que tem ação menos prolongada.

 

Antidepressivos

Dependendo da classe de antidepressivo, pode ocorrer ação no sistema serotoninérgico, por meio da diminuição de receptação de serotonina, e/ou no sistema noradrenérgico, na fenda sináptica (ou seja, entre um neurônio e outro). O efeito antidepressivo resulta desse aumento dos neurotransmissores na sinapse.

 

A duloxetina é considerada um antidepressivo seguro durante o tratamento da Covid-19 com antivirais e hidroxicloroquina. Por outro lado, a paroxetina e a mirtazapina devem ter suas doses reduzidas em uso concomitante ao tratamento, enquanto o citalopram e o escitalopram não devem ser administrados com outras medicações em uso no tratamento.

 

A associação de hidroxicloroquina e antidepressivos como a trazodona, sertralina, mirtazapina, fluoxetina e amitriptilina pode causar riscos cardíacos, além de alterar os resultados em eletrocardiogramas.

 

Antipsicóticos

Agem principalmente pelo bloqueio dos receptores chamados de pós-sinápticos do sistema dopaminérgico, o qual é responsável tanto pelos efeitos terapêuticos, como a redução de alucinações e delírios, como pelos efeitos colaterais. Alguns antipsicóticos bloqueiam, além da dopamina, os receptores pós-sinápticos serotoninérgicos.

 

Um importante exemplo de mudança durante a quarentena pode ser para quem faz uso da clozapina (um antipsicótico bastante eficaz, mas com muitos efeitos colaterais). Se o paciente estiver estável (clínica e laboratorialmente), o exame de hemograma, que antes era feito, no mínimo, uma vez ao mês, pode ser solicitado a cada 3 meses, evitando, assim, deslocamentos durante a quarentena.

 

Na fase aguda e sintomática da Covid-19, deve ser evitado o uso de olanzapina oral e intramuscular de curta ação, antipsicóticos de primeira geração (ou atípicos) e de baixa potência (ou seja, mais sedativos), e anti-histamínicos sedativos. Assim, é mais seguro utilizar medicações injetáveis de curta ação (haloperidol ou aripiprazol) ou por via oral (risperidona, paliperidona ou haloperidol).

 

Por sua vez, os estabilizadores de humor e anticonvulsivantes, como o lítio e outras medicações que requerem dosagens frequentes, podem ter os exames um pouco mais espaçados em pacientes estáveis durante a quarentena.

 

A gabapentina, a pregabalina e o topiramato são considerados seguros quando usados com antivirais e hidroxicloroquina, enquanto o fenobarbital, a fenitoína, a lamotrigina, o ácido valproico e a carbamazepina devem ter suas doses diminuídas.

 

Em suma, muitas mudanças devem ocorrer no tratamento concomitante para Covid-19 em transtornos psiquiátricos. Seja pela alteração na dose ou frequência de reavaliação, seja pela suspensão e/ou substituição de algumas medicações. Vale frisar que é essencial orientar o paciente para que sejam mantidas as medicações nas doses corretas, bem como para que não seja interrompido o acompanhamento psiquiátrico, mesmo durante a quarentena.

 

Por fim, outro ponto importante a destacar é que, ao medicar pacientes com a Covid-19 no manejo de quadros de agitação, é fundamental monitorar as funções cardíaca e respiratória, uma vez que os sintomas, como taquicardia e dispneia, podem se sobrepor.

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