COVID-19 e pessoas idosas: chegou a hora de pensarmos em todos

COVID-19 e pessoas idosas: chegou a hora de pensarmos em todos

Como geriatra, tenho sido questionada diariamente sobre todos os cuidados que as pessoas idosas devem tomar para que fiquem protegidas do novo coronavírus.


No começo desta pandemia, minha resposta era sempre a de que os idosos deveriam ficar em casa. Pronto: uma resposta objetiva e bastante prática. Entretanto, estamos agora na terceira semana de quarentena e percebo que o desafio é muito maior do que apenas deixar os idosos isolados. Precisamos garantir que os alimentos cheguem até eles, que sigam bebendo líquidos no volume adequado, que tenham boa qualidade de sono, que tomem o sol do início da manhã, que mantenham o humor preservado.


E como fazer tudo isso sozinhos?


A solidão e o isolamento social são uma realidade para a população idosa há muito tempo. Muitos moram sozinhos há anos; alguns viúvos; outros solteiros; e, muitos com filhos que já não eram próximos antes da Pandemia acontecer. Os relacionamentos interpessoais, muitas vezes, já vinham da comunidade: o porteiro, o rapaz da lotérica, a moça da feira-livre, a professora de inglês, a vizinha do primeiro andar ou da casa da frente. Agora estão todos de quarentena. E assim todos devem continuar!


Temos, portanto, o dever de aproximar a população idosa da era digital. Podemos tentar acessar computadores domiciliares por via remota. Com paciência, e bastante calma, devemos ensiná-los a colocar o celular no viva-voz para podermos acessar os aplicativos mesmo com o telefone ligado. O vizinho da frente pode fazer isso ficando na sua porta, de máscara, e com 2 metros de distância, por exemplo. A distância física nos abre a oportunidade inacreditável da aproximação virtual. Todos podemos fazer isso. Para todos e por todos.


E com a tecnologia funcionando, vamos poder dar nossas dicas de saúde:


- Alimentem-se bem. Evitem excessos


- Não façam restrições de grupos alimentares. Radicalismos sempre foram, e continuam sendo, perigosos


- Não esqueçam das proteínas: carne, peixe, ovo e frango. Devemos manter a ingestão proteica


- Leite e derivados são essenciais para a qualidade óssea e muscular


- Higiene segue fundamental: lavem muito bem as mãos. Tomem banho diariamente


- Bebam líquidos


- Procurem ter uma boa qualidade de sono


- Leiam livros, ouçam músicas


- Esqueçam as redes sociais tóxicas


- Deixem as informações técnicas para os profissionais da área da saúde.


É preciso que todos entendam que só vamos, de fato, passar por isso da forma menos traumática se todos estiverem envolvidos.


Fico profundamente entristecida, como geriatra e como ser humano, quando ouço jovens e adultos comemorando que estão imunes às catástrofes. Esses mesmos indivíduos seguem fazendo exercícios em grupo nas ruas, seguem procurando um barzinho para o happy hour, seguem recebendo amigos igualmente jovens em casa. Essas pessoas vão adoecer sim. Com sorte (e pelos dados epidemiológicos que temos até o momento) irão sobreviver com pouca ou nenhuma sequela. Mas serão eles os disseminadores do vírus para todos os cantos da cidade: ruas, pontos de ônibus, maçanetas, botões de elevadores, embalagens de alimentos. E esse egoísmo, em algum momento, estará na casa de alguém mais frágil e que não sobreviverá.


Cuidadores de idosos seguirão trabalhando e podem ser transmissores do vírus. Da mesma forma, por exemplo, os entregadores de alimentos, funcionários da segurança pública e trabalhadores da área da saúde, estes, principalmente, que não podem ficar em casa. A fim de que os pacientes possam ser atendidos com dignidade dentro os hospitais, é imprescindível que todos os outros devam manter o isolamento.


Mas se ainda parecer muito abstrato para alguns, fundamentarei a gravidade da situação com dados concretos: tenho muitos (podem acreditar, muitos) amigos que já estão com o vírus na corrente sanguínea. Alguns graves, outros em melhora. Neste final de semana, perdi colegas para a COVID-19. Eu nunca tinha ouvido falar de determinados locais ao redor do mundo que já foram acometidos pela Pandemia, mas hoje esse vírus está circulando entre os meus amigos mais queridos. Portanto, a sua corrida no domingo (dado que você é jovem), vai ter que acabar. Ponto final. A sua atividade de lazer em grupo pode representar a destruição do sistema de saúde e da vida de muitos. Ou até mesmo da sua própria. Não conhecemos o sistema imunológico de todo o planeta. Eu não conheço o seu.


Prefiro, contudo, terminar o texto de uma forma mais leve. Já tenho, também, consideráveis histórias de cura para contar. Idosos e jovens que estão saindo do hospital e seguem em recuperação em casa. Ainda com “fôlego curto”, mas muito melhores fisicamente e emocionalmente. Aliás, essa tem sido a maior transformação da COVID-19: sairemos mais humildes, menos consumistas, mais amorosos, mais reflexivos. Nunca seremos os mesmos. E isso pode ser muito bom de alguma forma.


Ah! Em relação a pergunta inicial, sobre quais os cuidados os idosos devem ter durante essa Pandemia, minha resposta mudou: a sociedade precisa se transformar. Todos precisam mudar, não apenas os idosos. Nada será como antes! Essa é a minha resposta versão abril/2020.


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