Cuidado com a obviedade

Cuidado com a obviedade

J.S.S., 30 anos, branco, desempregado, morador de rua, natural de Teresina, no RJ, há aproximadamente 10 anos.


Q.P.: “dor no peito”.


H.D.A.: queixa de dor torácica há vários meses, com diversas idas ao pronto-socorro (PS). Queixas inconsistentes de dor torácica e dispneia sem características específicas.


H.P.P.: sabidamente HCV-positivo. Tuberculose pleural tratada há cerca de 8 anos (espessamento pleural à esquerda). Não sabe informar sobre outras doenças.


H. social: tabagista (cerca de 30 cigarros ao dia), etilista (consumo regular de cachaça). Relata também uso de maconha e cocaína.


O paciente já é conhecido no serviço de emergência, chegando habitualmente desorientado à noite. Nunca se mostrou agressivo e quase sempre sai à revelia após o desjejum. Já foram feitas várias tentativas de encaminhamento ao serviço social, e o setor de psiquiatria foi acionado todas as vezes sem sucesso.


Na ocasião, ele chegou no plantão noturno da sexta-feira e informou sentir dor torácica, tonteira e náuseas. O plantão estava agitado, desorientado e o residente anotou no prontuário que se tratava de “paciente recorrente, embriagado e que se queixava novamente de dor no peito”.


A PA era 95/65 mm Hg (sentado), FC = 98 bpm, frequência respiratória = 26, saturação de oxigênio = 90% (ar ambiente), macicez na base do pulmão esquerdo, RCR 2T, acianótico, anictérico. Glicemia capilar = 88.


O residente verificou as admissões anteriores e constatou que a macicez à ausculta já existia anteriormente. O paciente foi liberado após ser informado que não devia procurar o PS “para ter um lugar para dormir e uma refeição”.


O paciente ficou no saguão do PS e continuou a se queixar de tonteira e dor torácica. Um atendente o encontrou no chão, extremamente pálido, suando frio e pouco responsivo às solicitações verbais.


Foi feita uma segunda avaliação que constatou PA sistólica de 60 mmHg e FC = 140 bpm. O oxímetro não conseguiu registrar a saturação de oxigênio. Foi instituída reposição volêmica e coletado sangue para exames. O paciente faleceu após 2 horas.


O diagnóstico posterior foi infecção estafilocócica com porta de entrada em ferida na região inguinal (injeção de cocaína).


Considerações


Todo serviço de emergência tem pacientes rotulados como “clientes regulares”. Alguns apresentam exacerbações frequentes, como aqueles com diabetes, asma, DPOC e angina instável. O fato de serem conhecidos propicia reconhecimento e atendimento mais rápido, contudo, também pode levar ao descaso.


Obviamente, isso não quer dizer que todo paciente com queixa recorrente de dor torácica e dispneia precisa ser submetido à uma bateria de exames a cada admissão no setor de emergência.


É crucial examinar todos os pacientes, seja qual for sua HPP ou seu comportamento prévio. Sempre vale a pena questionar por que esse paciente apresenta taquicardia persistente ou baixa saturação de oxigênio.

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