Cuidado com as certezas
- 26 de jul. de 2016
Uma mulher de 76 anos, branca, sobrepeso, viúva, aposentada (professora), tabagista, chega ao setor de emergência às 5 horas da manhã se queixando de dor na parte central do tórax. A dor a acordou há cerca de 3 h. Ela informa que, a princípio, a dor era intensa, mas agora é um desconforto associado a dolorimento no dorso entre os ombros.
Em sua HPP é digno de nota o fato de ser diabética (tipo II) e ter doença coronariana difusa. Ela faz uso irregular de metformina e mononitrato de isossorbida.
Tabagista há mais de 50 anos, fuma atualmente 10 cigarros ao dia.
Ela informa que a dor é, dessa vez, diferente do que costuma sentir. Habitualmente sente desconforto na mandíbula e no ombro esquerdos associado a náuseas aos médios esforços (p. ex., caminhar 70 a 80 m em terreno plano).
Ao exame, o médico encontrou taquicardia (FC = 130 bpm), RC 2T, mas irregular, taquipneia (24 incursões por minuto) e saturação de oxigênio de 92% com ar ambiente. Os pulmões estavam limpos. Não apresentava edema de membros inferiores nem cianose periférica.
A conduta foi oxigênio suplementar e 300 mg de ácido acetilsalicílico por via sublingual.
O ECG revelou bloqueio de ramo esquerdo (BRE) e fibrilação atrial. O ECG de oito meses antes mostrava BRE e ritmo sinusal.
Foi coletada amostra de sangue para determinação da bioquímica e de troponina I.
A paciente referiu estabilização do quadro álgico.
Você concorda com a conduta?
Faria algo diferente?
Foi feito um diagnóstico de síndrome coronariana aguda (SCA) precipitada por taquiarritmia. Além do AAS e do oxigênio, foram prescritas doses únicas de heparina de baixo peso molecular e clopidogrel e uma dose oral de ataque de digoxina para controlar a frequência cardíaca.
Duas horas depois, a paciente estava sem dor, mas a dispneia persistia. A frequência cardíaca era 110 bpm, o RC se mantinha inalterado e a saturação de oxigênio é 94% no ar ambiente. Ela foi ao banheiro sem agravamento dos sintomas.
A troponina I era 0,6 ng/mL (normal:0,0 a 0,04 ng/mL). A radiografia de tórax mostrou pulmões limpos, um pequeno derrame pleural à esquerda e cardiomegalia limítrofe.
O médico da emergência liga para o médico assistente da paciente, e este lhe informa que ela tem doença grave de múltiplos vasos coronarianos com vasos distais “ruins”. Ela não é candidata a intervenção angiográfica nem cirúrgica.
Como a paciente melhorou clinicamente, ela recebeu alta com uma prescrição de digoxina e a recomendação de procurar seu médico assistente.
Evolução
Dois dias depois a paciente não compareceu a consulta marcada com seu médico assistente. A enfermeira não conseguiu entrar em contato com a paciente e resolveu ir a sua casa. A paciente estava morta em casa.
A necropsia revelou dissecção da aorta do tipo B que rompeu na cavidade torácica nas primeiras 24 horas após a alta da emergência.
Comentários
A alteração das características da dor torácica em um paciente com angina pectoris exige investigação meticulosa.
Troponina não é 100% específica para doença da artéria coronária.