Deformidades cranianas em bebês

Deformidades cranianas em bebês

Por Dra. Aline Saré de Melo – Uma queixa muito frequente nos consultórios de puericultura e neurocirurgia pediátrica por parte de pais, cuidadores e pediatras é em relação à deformidade da cabeça do bebê. Em algumas situações, os pais encontram-se aflitos, com suspeita de causa obstétrica. Alterações decorrentes do parto podem sim, ocorrer, mas na maioria das vezes não é a causa de deformidade craniana em bebês.


O crânio é formado por placas ósseas, separadas por bandas de tecido fibrocartilaginoso, chamadas de suturas . Estas, junto com as fontanelas (moleiras), são importantes para a maleabilidade do crânio no momento do parto, possibilitando a expansão cerebral e craniana no crescimento da criança. Geralmente, as suturas se unem e fecham com o fim do crescimento craniano, mas em situações raras elas podem se fundir precocemente, causando deformidade craniana compensatória. No entanto, existem também as deformidades simples, não patológicas, sem fechamento dessas. Resumidamente, é possível classificar essas deformidades em dois grupos: deformidades posturais ou posicionais e cranioestenoses.


Deformidade postural ou posicional


A plagiocefalia posicional, ou plagiocefalia deformante, tem como principais causas forças externas e posturas viciadas aplicadas ao crânio maleável da criança. Sua manifestação mais comum é uma cabeça em paralelogramo, com achatamento occipital (posterior) e uma bossa anterior do mesmo lado, com desvio anterior da orelha e abaulamento occipital contralateral. Há também a braquicefalia, conhecida como “cabeça achatada”, quando ocorre deformidade bilateral da região occipital.


Em 1992, a Academia Americana de Pediatria (AAP) lançou uma campanha de prevenção da síndrome de morte súbita em lactentes, que se baseia em estimular o decúbito dorsal dos bebês até os seis meses de vida. Como consequência, observou-se um aumento aproximado de 600% na incidência de plagiocefalia postural occipital e braquicefalia. Hoje, a incidência entre lactentes entre 7 e 12 semanas é de aproximadamente 45%.


A deformidade postural ou posicional é patologia “benigna”, não sindrômica, com excelentes resultados terapêuticos e estéticos se diagnosticada e tratada precocemente, pois geralmente estão relacionadas a uma posição viciosa do bebê no berço. Pode estar associada também à prematuridade e ao torcicolo congênito, mas nestas situações as suturas estão abertas. Muitas vezes, a condição é confundida com plagiocefalia posterior verdadeira, na qual uma sutura lambdoide (posterior) está fusionada precoce e unilateralmente.


Diagnóstico


Iminentemente clínico, com inspeção craniana e aferição de medidas diagonais, que devem ser equilibradas. Observam-se ausência de suturas fechadas ou cristas e compensação contralateral. É possível realizar exame de imagem complementar com radiografia simples para confirmação, apesar de não ser essencial.


Tratamento


A deformidade postural, quando observada precocemente, até 3 a 4 meses, apresenta evolução benigna e tratamento conservador satisfatório em 95% dos casos. Este se baseia em medidas posturais, como incentivar outras posturas quando o bebê estiver acordado e alternar decúbito, posição do berço e da amamentação, visando a variar o ponto de apoio craniano viciado. Essas medidas podem ser auxiliadas pelo uso de travesseiros adaptados e gorros posturais.


Quando o diagnóstico ocorre em fase tardia, após seis meses de idade e em casos com deformidades importantes, aconselha-se o uso de capacetes ortopédicos que aceleram a correção da deformidade, mas têm como desvantagem o custo elevado e dificuldade de aceitação pelo lactente para uso contínuo (23 h/dia), até que se obtenha o resultado desejado ou satisfatório.


Cranioestenose ou craniossinostose


Apresenta incidência de 1 em cada 2.500 nascidos vivos, sendo caracterizadas pela fusão completa prematura de uma ou mais suturas cranianas, causando a deformidade do crânio. Além do aspecto estético, que é o primeiro observado, essa condição é responsável por um conflito de crescimento entre o crânio e o encéfalo, o que resulta em hipertensão intracraniana crônica de graus variáveis. Existem tipos diversos de cranioestenose, que variam de acordo com a sutura envolvida na fusão. Todos têm indicação de tratamento cirúrgico para reconstrução craniana, visando não somente a correção da deformidade, mas principalmente alívio da hipertensão intracraniana e a prevenção de consequências tardias.


Classificação


Escafocefalia: o fechamento da sutura sagital superior é a mais frequente, com incidência em torno de 1 em cada 2.000 nascidos vivos e com prevalência maior no gênero masculino (aproximada de 3,5:1). O crânio é alongado no sentido anteroposterior e a região parietal é estreita. Normalmente, de incidência esporádica, não associada a síndromes.


Trigonocefalia: fechamento da sutura metópica (entre ossos frontais), observamos a fronte estreita, marcada por uma crista mediana com forma triangular ou em quilha e bossas frontais planas. Está associada comumente à um hipotelorismo (aproximação das órbitas) e um estreitamento de toda a face. Incidência de 1 em cada 2.500 nascimentos e é mais comum no gênero masculino (2,5:1). Existe associação documentada entre uso crônico de ac. valproico pela mãe e ocorrência de trigonocefalia. Pode ocorrer de forma esporádica, mas não é rara a associação com anomalias cromossomiais. Estudos de ressonância magnética mostram diminuição do fluxo sanguíneo cerebral na área frontal, o que pode ser relacionado a atrasos cognitivo apresentados com alguma frequência nestes casos.


Braquicefalia: fechamento de ambas as suturas coronais (transversais). Observa-se crânio achatado e com aumento do diâmetro látero-lateral e região occipital aplainada e alargada transversalmente. Esse alargamento transverso pode levar a um afastamento das órbitas, chamado de hiperteleorbitismo. Sua incidência é ligeiramente maior entre o gênero feminino (1,7:1). Nos casos sindrômicos, geralmente observam-se fechamento das duas suturas coronais, envolvimento das estruturas da face, além de má formação de mãos e pés.


Diagnóstico


Assim como no primeiro grupo, o exame clínico e a inspeção craniana são suficientes para detecção do fechamento da sutura. Entretanto, nesses casos, exames de imagem como radiografia simples do crânio e tomografia computadorizada podem confirmar se há realmente fusão de sutura e qual o tipo, possibilitando que o neurocirurgião defina o procedimento mais adequado.


A abordagem apoiada é interdisciplinar, formada por especialistas de neurocirurgia pediátrica, neurologia pediátrica, audiologia, radiologia, genética médica, oftalmopediatria, cirurgia oral e maxilofacial, nutrologia, ortodontia, ortopedia, otorrinolaringologia, odontopediatria, antropologia física, cirurgia plástica, psiquiatria, psicologia, serviço social e fonoaudilogia.


O diagnóstico precoce e o encaminhamento para o neurocirurgião pediátrico permitem evitar complicações mais comuns: hipertensão intracraniana e o atraso de desenvolvimento encefálico por falta de espaço adequado.


Sendo assim, são vitais o diagnóstico precoce com diferenciação do tipo de deformidade e a orientação aos pais. A primeira avaliação é realizada pelo pediatra, que deve, em todas as consultas até os 2 anos da criança, examinar o crânio, medir o perímetro cefálico e suspeitar de alterações em sua forma. Em casos suspeitos ou duvidosos, a avaliação secundária do especialista é aconselhada.


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