Desenvolvimento infantil: cada criança tem seu tempo?

Desenvolvimento infantil: cada criança tem seu tempo?

Por Dr. Clay Brites – A observação do crescimento e do desenvolvimento de uma criança é uma conduta essencial na puericultura e no atendimento em atenção primária. Avaliar o peso, as dimensões físicas e a estatura reúnem, para o clínico, informações importantes sobre a saúde e a evolução global do infante. Contudo, é essencial que o desenvolvimento não passe despercebido.


Desenvolvimento infantil é o conjunto de modificações evolutivas e progressivas pelos quais normalmente passa a criança periodicamente a cada mês ou ano desde a vida intrauterina. As maiores modificações ocorrem nos primeiros 5 anos, embora mais intensamente nos primeiros 2 anos de vida.1 A evolução do desenvolvimento neuropsicomotor (DNPM) pode ser acompanhada por meio de cinco eixos: motor, linguagem, social, adaptativo e emocional.2 Desde os anos de 1950, existem escalas de avaliação sistemática do DNPM, estruturadas depois de um amplo seguimento de uma amostra com milhares de crianças sem quaisquer fatores de risco na população geral.


Essas escalas ajudam a lembrar o avaliador e a sistematizar a observação clínica e leiga do desenvolvimento infantil. A grande maioria foi produzida nos EUA e na Europa e permite que, em média, detectem-se alterações em até 4 meses de observação. Os protocolos mais modernos e disponíveis de observação são: General Movement Assessment (GMA), Test Infant Motor Performance (TIMP), Alberta Infant Motor Scale (AIMS), Pediatric Evaluation Disability Inventory (PEDI), e Bayley Scales of Infant Development (BSID).3,4 No Brasil, as escalas mais utilizadas são baseadas em Gesell e Amatruda, Brunet e Lezine, Marcondes (USP) e Teste de Denver-II, as quais podem ser facilmente acessadas na literatura e nas redes sociais.


Toda criança apresenta um intervalo de normalidade para adquirir as habilidades básicas a cada idade. Umas adquirem mais cedo, outras um pouco mais tarde, mas isso não significa que cada uma tem seu próprio tempo para atingir as etapas quando quiser ou indefinidamente, pois todas apresentam um limite inferior e superior para as adquirirem. Por exemplo, a habilidade de andar sozinho pode ocorrer entre 10 meses e 1 ano e 4 meses de vida. Após esse intervalo, consideramos atraso ou retardo de desenvolvimento motor. Desse modo, conhecer os intervalos e os limites para cada eixo do desenvolvimento é fundamental para diagnosticar se a criança definitivamente se encontra ou não em risco.5


A triagem e o diagnóstico desses atrasos permitem o encaminhamento da criança para equipes especializadas, a fim de intervirem e facilitar o planejamento de ações individuais e ecológicas para direcionar processos remediadores o mais cedo possível, impedindo, portanto, que a criança chegue com determinados déficits em idades maiores.5 A detecção precoce de atrasos motores e de linguagem indica a necessidade de se aplicarem estratégias específicas de intervenção em terapia ocupacional, fisioterapia, fonoaudiologia e psicoterapia cognitiva para que sejam precocemente corrigidas antes da vida escolar.


Com tais processos, reduz-se a possibilidade de a criança ter sérias dificuldades de adaptação social, cognitiva e acadêmica. Várias evidências científicas têm mostrado que o atraso no desenvolvimento é sinal de alta sensibilidade para distúrbios do desenvolvimento, como os transtornos de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) e do espectro autista (TEA), os transtornos do desenvolvimento da coordenação (TDC), da linguagem (TDL), e intelectual (DI) e os transtornos de aprendizagem (dislexia, disgrafia, discalculia e transtornos não verbais) e neuropsiquiátricos, como a esquizofrenia.6,7


A Organização Mundial da Saúde (OMS) e várias instituições governamentais e não governamentais têm recomendado o uso regular das escalas e a observação do desenvolvimento infantil em todas as partes do mundo como um dos compromissos fundamentais para o devido cumprimento das ações protetoras da infância.8 Nossa prática médica (especialmente a pediátrica) deve se esmerar também nesse processo e fazer de nossa propedêutica um serviço de atenção voltado a esses fins.


Bibliografia


  1. Moreira RS, Figueiredo EM. Instruments of assessment for first two years of life of infant; Journal of Human Growth and Development 2013; 23(2): 215-221.
  2. Marcondes E, Vaz FAC, Ramos JLA, Okay Y. Pediatria básica: pediatria geral e neonatal. 9a ed. São Paulo: Sarvier; 2002.
  3. Bayley, N. Bayley scales of infant and toddler development.3ed. San Antonio: Pearson; 2006.
  4. Vieira MEB, Ribeiro FV, Formiga CKMR. Principais instrumentos de avaliação de desenvolvimento da criança de zero a dois anos de idade. Revista Movimenta. 2009; 2(1).
  5. Riechi TIJ, Valiati MRMS, Antoniuk SA. Práticas em Neurodesnvolvimento Infantil – Fundamentos e Evidências Científicas. Curitiba: Ed. Íthala, 2017.
  6. Brites C. Sinais precoces de transtornos neurológicos na identificação de transtornos de desenvolvimento e de aprendizagem. In: Ciasca SM e cols. Transtronos de Desenvolvimento: da identificação precoce `as estratégias de intervenção. 1a ed. Ribeirão Preto: Book Toy, 2015, v. 1, p. 256-278.
  7. Filatova S, Koiyumaa-Honkanen H, Khandaker GM, Lowry E, Nordstrom T, Hurtig T et al. Early motor developmental milestones and schizotypy in the Northern Finland Birth Cohort Study 1966. Schizophrenia Bulletin, 2017, do:10.1093/schu/sx165
  8. Declaração do Milênio da Organização das Nações Unidas (2000) www.unric.org/html/portuguese/uninfo/DecdoMil.pdtf

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