Desmame da Ventilação Mecânica: o homem versus a máquina
- 14 de ago de 2017
Por Dr. Jorge Luís dos Santos Valiatti – O tratamento de insuficiência respiratória aguda ou crônica agudizada frequentemente requer a utilização de suporte ventilatório com pressão positiva. Aplicada de maneira total ou parcial, a ventilação mecânica (VM) tem como finalidades principais: manutenção das trocas gasosas, incluindo a correção da hipoxemia e da hipercapnia; redução do trabalho respiratório; prevenção da fadiga muscular e diminuição do consumo de oxigênio. A VM também é utilizada para a realização de procedimentos que necessitam de anestesia ou depressão do drive respiratório.
No entanto, a VM está associada a riscos e complicações que prolongam o tempo de internação e os custos e, em determinadas situações, aumenta o risco de morte. É fundamental, portanto, que a utilização do suporte ventilatório seja em período mais curto possível; assim que as condições clínicas se estabilizarem, o paciente deve ser retirado da VM. Este processo pode ocupar até 40% do tempo total de VM e, em condições habituais, exige a cooperação do paciente e a presença constante da equipe de terapia intensiva, ajustando e/ou corrigindo problemas. Por este motivo, alguns autores descrevem esse tempo como uma “área de penumbra na terapia intensiva”, pois, até mesmo em mãos especializadas e experientes, existe uma “mistura de arte e ciência”.
Após a resolução total ou parcial da causa da insuficiência respiratória, acompanhada de um nível adequado de consciência, estabilidade hemodinâmica e trocas gasosas eficientes, diante de parâmetros ventilatórios mínimos (FIO2 < 0,4 a 0,5, PEEP < 5 a 8 cmH2O), o paciente é submetido a um teste de respiração espontânea. Utilizando-se valores reduzidos de pressão de suporte e PEEP, ou até mesmo abruptamente, desconecta-se do ventilador, utilizando um tubo em T, enriquecido por oxigênio.
Após um período de observação mínima, geralmente de 30 a 120 min, havendo tolerabilidade, o mesmo é extubado. O desmame da VM durante toda a sua execução costuma ser realizado manualmente, por meio de ajustes dirigidos pelo clínico para o nível de assistência prestada pelo ventilador. A utilização de protocolos clínicos bem-definidos, com redução diária da sedação e busca ativa de pacientes, permite redução deste tempo, o que exige a presença constante e atenta da equipe multiprofissional.
Protocolos de desmame e sistemas automatizados de VM podem facilitar o reconhecimento sistemático e precoce da capacidade respiratória, diminuindo a variação subjetiva de todo o processo. Estima-se, no entanto, que o número de pacientes que recebem VM continuará a aumentar devido à melhora da sobrevida e ao envelhecimento populacional com aumento substancial nos custos. Por outro lado, esse aumento da demanda ocorre ao lado de uma oferta reduzida de profissionais de saúde qualificados na gestão da ventilação mecânica e seu desmame, daí o surgimento da demanda por modos automatizados.
Tais sistemas automatizados podem melhorar a adaptação do suporte mecânico às necessidades ventilatórias individuais, facilitando o reconhecimento sistemático e precoce da capacidade de respirar espontaneamente, culminando com a interrupção mais precoce da ventilação mecânica. A maioria dos estudos clínicos, no entanto, foi realizada com um número reduzido de pacientes, geralmente em pós-operatório imediato de cirurgias de grande porte.
Em 2015, uma metanálise foi desenvolvida com o objetivo principal de comparar a duração do desmame ventilatório em adultos e crianças em estado crítico, quando administrado com sistemas automatizados versus estratégias não automatizadas. Dentre os objetivos secundários foram analisados: diferenças na duração da ventilação, tempo na unidade de terapia intensiva e de internação hospitalar, mortalidade e eventos adversos.
Bases de dados eletrônicas foram pesquisadas até 30 de setembro de 2013, sem restrições de linguagem. Do total de 21 ensaios elegíveis, incluindo 1.676 participantes, foram agrupados 16 ensaios que indicaram que os sistemas automatizados reduziram a duração média do desmame em 30% (95% intervalo de confiança (IC), 13% a 45%), com heterogeneidade substancial. Estes resultados foram observados em populações de UTI mistas ou médicas e com o sistema Smartcare/PS TM (28%, IC 95%, 7% a 49%), mas não com populações cirúrgicas ou com outros sistemas.
Os sistemas automatizados reduziram a duração da ventilação sem nenhuma heterogeneidade (10%, 95% IC, 3% a 16%) e custos na UTI (8%, IC 95%, 0% a 15%). Não houve evidência forte de efeito sobre a mortalidade, tempo de reintubação, autoextubação e ventilação não invasiva após a extubação. Os sistemas automatizados reduziram a ventilação mecânica prolongada e a traqueostomia. A qualidade geral da evidência foi elevada.
Os autores concluíram que os sistemas automatizados podem reduzir o tempo de desmame e de ventilação mecânica e o tempo de internação na UTI. No entanto, em virtude da substancial heterogeneidade do estudo, recomendam a necessidade da realização de um ensaio controlado randomizado, multicêntrico e de alta qualidade para esclarecer o real papel dos métodos automatizados.
É importante salientar que, possivelmente, a relação entre o número de profissionais e o de pacientes e a individualização dos cuidados, além da experiência da equipe multiprofissional, expliquem que, em alguns estudos, não houve diferença entre o homem e a máquina e, mesmo em alguns deles, o desempenho dos profissionais de saúde foi superior.
Talvez a resposta definitiva a esta questão não se resuma simplesmente a criar sistemas excludentes. Somente o tempo dirá.
Leitura recomendada
Angus D, Shorr A, White A et al. Critical care delivery in the United States: distribution of services and compliance with leapfrog recommendations. Crit Care Med. 2006; 34:1016-24.
Boles JM, Bion J, Connors A et al. Weaning from mechanical ventilation. Eur Respir J. 2007; 29(5):1033-56.
Ely EW, Meade MO, Haponik EF et al. Mechanical ventilator weaning protocols driven by nonphysician health-care professionals: evidence-based clinical practice guidelines. Chest. 2001; 120:454S-63S.
Rose L, Schultz MJ, Cardwell CR et al. Automated versus non automated weaning for reducing the duration of mechanical ventilation for critically ill adults and children: a cochrane systematic review and meta-analysis. Crit Care. 2015 Feb 24; 19:48. doi: 10.1186/s13054-015-0755-6.