Diferentes Olhares sobre o Mundo do Trabalho: Medicina do Trabalho e Perícia Médica Previdenciária

Diferentes Olhares sobre o Mundo do Trabalho: Medicina do Trabalho e Perícia Médica Previdenciária

A perícia médica da Previdência Social e a medicina do trabalho ocupam-se do processo saúde-doença no ambiente de trabalho, porém sob pontos de vista distintos, ainda que complementares. Em razão das características dessas duas vertentes, vemos com frequência médicos do trabalho tornarem-se peritos médicos, bem como peritos procurando cursos de especialização em Medicina do Trabalho. É importante que os dois profissionais conheçam as idiossincrasias de suas atividades com certa profundidade. Este artigo abordará principalmente as diferenças entre essas duas áreas da medicina, enfatizando suas peculiaridades.


O médico do trabalho precisa ter noções sobre legislação previdenciária e saber em que ela difere da legislação trabalhista, ao passo que o perito médico deve conhecer as normas regulamentadoras mais importantes e analisar as influências mútuas da saúde e do trabalho. O Quadro 1 ilustra algumas das principais diferenças entre o médico do trabalho e o perito médico previdenciário.




A perícia médica previdenciária insere-se no sistema de seguridade social e avalia os trabalhadores formais, principal grupo que recebe a atenção dos médicos do trabalho. Entretanto, ela se estende também a indivíduos inseridos de outras maneiras no mundo do trabalho, como empregados domésticos, agricultores e trabalhadores portuários.


Essa função, principal da perícia médica, desdobra-se em várias outras, muitas das quais guardam relação estreita com os serviços de saúde do trabalhador empresarial. Assim, há o programa de reabilitação profissional, que depende da colaboração das empresas; a análise da aposentadoria especial, baseada em documentos de monitoração ambiental, também fornecidos pelos serviços de saúde das empresas; e o estabelecimento do nexo causal entre o ambiente laboral e a doença que motivou o afastamento do trabalhador. Essa última atribuição é, com certeza, a que mais traz dúvidas e questionamentos entre as diversas partes envolvidas: o INSS, o empregador (na figura do médico do trabalho), o empregado, o sindicato dos trabalhadores e, de vez em quando, o Ministério do Trabalho e o Ministério Público Federal.


O médico do trabalho avalia a aptidão do trabalhador para a função que ele exerce ou pretende exercer; a perícia médica previdenciária, por sua vez, avalia sua capacidade para o trabalho. Os dois termos têm poucas diferenças conceituais, que provavelmente servem mais a conflitos semânticos e jurisprudenciais do que a questões de fato. O aprofundamento nesse tópico foge ao objetivo deste artigo, sendo possível consultar estudos de boa qualidade em outras fontes.1


Fundamentalmente, o médico do trabalho deve conhecer o ambiente de serviço onde estão inseridos os trabalhadores de quem cuida. Depois, pode intervir no processo saúde-doença no ambiente laboral, seja pela prevenção da exposição a riscos ambientais, seja pelo enfrentamento de situações em que a doença já se instalou, além de pela reinserção dessa pessoa ao serviço.


O médico do trabalho ocupa-se principalmente, como o nome da especialidade sugere, com o trabalho. Isso fica claro quando se considera que o programa de controle médico da saúde ocupacional é baseado no levantamento de riscos ambientais. O regramento legal que esse programa segue, normas regulamentadoras editadas pelo Ministério do Trabalho, regulam o ambiente de trabalho e o seu impacto sobre o bem-estar dos funcionários. Embora as avaliações nos exames ocupacionais sejam individuais, o monitoramento biológico é coletivo: estudam-se os grupos homogêneos de exposição e o relatório do PCMSO discrimina quantos exames ocupacionais tiveram resultados normais e quantos se mostraram alterados e por aí vai.


No momento em que o indivíduo deixa de ter condições para atuar na sua função, suas relações com a Previdência Social estreitam-se, ao mesmo tempo em que diminuem as relações com a empresa, entrando em cena, então, o perito médico previdenciário. As preocupações, a partir daí, passam a ser: quais são as repercussões da doença sobre a capacidade que cada indivíduo tem para desenvolver atividades que lhe garantam subsistência; quando a doença surgiu; quando provocou a incapacidade para o trabalho; qual a duração provável da incapacidade provocada por essa doença.


A principal dificuldade de entendimento entre o médico do trabalho e o perito médico talvez surja no momento de estimar a recuperação da capacidade para o trabalho. Quando o perito médico considera que a incapacidade para o trabalho não mais existe, o benefício previdenciário cessa, e o trabalhador deve retornar às suas atividades laborais. Entretanto, se o médico do trabalho avalia que o funcionário está inapto, ele não pode ser readmitido e, assim, voltar a receber seu salário.


Como resultado, o trabalhador fica sem receber o benefício pago pela Previdência Social e sem o salário pago pelo seu empregador. Esse impasse pode tomar grandes dimensões quando o médico do trabalho avalia que seu funcionário deve ser aposentado por invalidez, geralmente seguindo a opinião do médico assistente do trabalhador, enquanto a perícia médica mantém cessado o benefício por incapacidade.


Tais dificuldades não foram ainda plenamente resolvidas. Há decisões judiciais que ora entendem que a conclusão pericial do INSS obriga o empregador a pagar o salário do funcionário quando o benefício foi suspenso, ora obrigam o INSS a manter o benefício ativo enquanto o trabalhador estiver inapto. Outras leis estabelecem hierarquia entre os atestados médicos (os dos peritos médicos sobrepor-se-iam aos dos médicos do trabalho). Existem ainda regramentos dos Conselhos de Medicina buscando harmonizar os conflitos, mesmo que de modo hesitante e ambíguo.


Apesar de suas diferenças, as naturezas complementares da perícia médica previdenciária e da medicina do trabalho permitem-lhes atuar no processo saúde-doença em diferentes momentos, modificando as relações entre o ser humano e o ambiente, e tornando o trabalho uma fonte de realização pessoal e promoção do bem-estar social. Mais do que antagonistas, os médicos peritos e os médicos das empresas são parceiros inseparáveis no propósito maior da medicina: a saúde do ser humano.


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