Disautonomia Cardíaca | Diagnóstico e Tratamento

Disautonomia Cardíaca | Diagnóstico e Tratamento

O escopo deste artigo é o enfoque prático sobre diagnóstico e tratamento da disautonomia cardiovascular, distúrbio que acomete os nervos autonômicos e atinge cerca de 70 milhões de indivíduos no mundo. O sistema nervoso autônomo (SNA) ou vegetativo compreende os nervos periféricos, que modulam estruturas do corpo humano de forma involuntária. É composto por duas divisões: o sistema simpático, que prepara nosso corpo para luta ou fuga, e o sistema parassimpático, que atua nos momentos de repouso e ausência de perigo.


Em relação ao sistema cardiovascular, o SNA controla as propriedades físicas e elétricas do coração, assim como a resistência vascular, objetivando a adequação e o melhor desempenho desse sistema diante das mudanças ambientais internas e externas ao organismo. Esse constante fluxo de modificações induzidas pelo SNA é crucial para a manutenção da saúde humana e a preservação de sua espécie.


O conceito de disautonomia cardíaca nos remete à constatação de um controle inadequado do SNA sobre as propriedades inotrópicas, cronotrópicas e dromotrópicas do coração e do tônus vascular, causando respostas funcionais cardíacas e da pressão arterial sistêmica insuficientes ou inapropriadas para a regulação da homeostasia.


As disautonomias possuem uma ampla rede etiológica, composta por doenças com origens infecciosa, inflamatória, autoimune, neurológica degenerativa, traumática e secundária às próprias doenças estruturais do coração, além de distúrbios do metabolismo e deficiência alimentar. Cresce em nosso país a incidência de indivíduos com síndrome de Guillain Barré (60% dos casos evoluem com disautonomia). O aumento recente dessa doença no Brasil, 20% segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), tem sido atribuído às epidemias por Zika vírus e outras arboviroses, que agem como gatilhos da síndrome. A via final comum da fisiopatologia da disautonomia, independentemente da etiologia, reside na degeneração dos nervos periféricos autônomos pré- e pós-ganglionares ou dos receptores nos órgãos efetores.


Existem vastas evidências de que, qualquer que seja a causa, a disautonomia agrega um incremento de mortalidade imanente a ela mesma, de modo que seu diagnóstico assume grande importância na determinação do prognóstico.


Outros órgãos e sistemas, além do cardiovascular, podem ser acometidos. Disfunção urinária, digestiva, sexual, além de transtornos da respiração e da visão, fazem parte da miríade de manifestações. Contudo, é a hipotensão ortostática (HO), decorrente do envolvimento cardiovascular, o mais frequente e incapacitante dos sintomas disautonômicos e sua detecção permite o próprio diagnóstico da disfunção autonômica. Desta forma, a identificação da HO, à beira do leito, deve ser o primeiro passo e, frequentemente, pode ser o único necessário para o reconhecimento dos distúrbios do SNA. O protocolo do diagnóstico da HO, à beira do leito, ,consiste de duas etapas: a primeira é manter o paciente em decúbito dorsal por 15 minutos e, ao fim desse tempo, registrar a pressão arterial (PA) e a frequência cardíaca (FC); e a segunda consiste em, logo a seguir, colocar o paciente em posição ortostática e aferir, a cada minuto, PA e FC por pelo menos 5 minutos, a menos que o paciente não tolere a posição. Três tipos de respostas anormais podem ser encontrados durante o ortostatismo. Todas requerem, para diagnóstico de HO, uma queda da PA sistólica maior que 20 mmHg:


  • A PA sistólica sofre queda, e ocorre aumento de pelo menos 20% da FC em relação ao supino.
  • A PA sistólica sofre queda, acompanhada de sintomas ou que persiste após três minutos sem ocorrer elevação da FC.
  • A PA sistólica sofre queda, em geral após o quinto minuto, todavia com redução da FC.

A primeira resposta, ainda que demonstre a HO, não nos autoriza o diagnóstico de disautonomia. Em geral está associada à diminuição da resistência vascular periférica por hipovolemia ou vasodilatação. É comum nesses casos a constatação de desidratação e o uso de medicamentos hipotensores. Corrige-se estes fatores e desaparece a hipotensão. Devemos fazer uma única ressalva em relação a síndrome de taquicardia postural ortostática que também pode estar incluída nesse grupo. A segunda resposta retrata melhor a realidade do portador de disautonomia cardiovascular de etiologias primárias ou secundárias que, além da hipotensão ortostática, não apresentou o comportamento compensador adequado do incremento da FC. A terceira resposta reflete a presença da síndrome vasovagal, uma condição que, apesar de considerada uma disautonomia, é de evolução benigna, não está associada a doenças neurológicas ou sistêmicas.


A hipotensão ortostática corresponde a 94% dos sintomas de portadores de disautonomia. Esse sintoma é frequentemente incapacitante e tem potencial de traumatismos por queda da própria altura. O tratamento, em primeira instância, é não farmacológico e envolve mudanças comportamentais e dietéticas.


Ingestão hídrica adequada


A quantidade de água ingerida para manter uma volemia adequada varia de 30 a 35 ml/Kg/dia (idosos e adultos respectivamente). Esse, porém, é apenas um número de partida, muitos vieses influenciam essa demanda. Se não houver doenças concomitantes que exijam restrição hídrica, como insuficiência renal, cardíaca e hepática, esse número deve nortear a ingestão diária. Dicas importantes:


  • 1/3 da água que necessitamos ingerir por dia já está contido nos alimentos. Mesmo alimentos sólidos contêm 50% ou mais de água.
  • 2/3 da quantidade de água diária devem ser ingeridos no período do despertar pela manhã até, no máximo, 16 horas da tarde. Isso se deve ao fato de que os disautonômicos são mais vulneráveis à hipotensão no período da manhã. Ingerir muita água no fim da tarde ou à noite não previne a hipotensão e aumenta a enurese noturna.
  • Deve-se lembrar que idosos perdem progressivamente a sede como fator regulador e necessitam de efusivos estímulos para a ingestão de água.

Ingestão de sal


A Organização Mundial da Saúde recomenda a ingestão de até 5 g/dia de sal. Essa, porém, é uma injunção para a população geral. No caso em questão estamos tratando de uma população com particularidades específicas em que, frequentemente, predominam sintomas de hipotensão arterial. Se não houver contraindicações, como hipertensão arterial (que pode coexistir com episódios de HO), insuficiências cardíaca e renal, pode-se aumentar a ingesta de sal em 1 a 2 g/dia.


Refeições


Após uma refeição, ocorre distribuição do fluxo sanguíneo para a região esplâncnica, podendo contribuir para HO pós-prandial. O ideal é fracionar a alimentação. Em vez de três refeições diárias, consumir a mesma quantidade de alimentos em seis refeições seria o desejável. Após alimentar-se, o indivíduo deve realizar um repouso sentado ou recostado por 30 minutos.


Recomendações gerais


Meia elástica de média compressão pode ser usada, mas deve ser colocada pela manhã antes de o paciente levantar. Não usar durante o sono. Evitar exposição prolongada ao calor. Exercícios devem ser encorajados, mas necessariamente dinâmicos e isotônicos, em especial na água. Principalmente ao acordar, levantar-se por etapas.


Tratamento farmacológico


O uso de fármacos deve ser reservado quando os sintomas de hipotensão persistirem a despeito da abordagem não farmacológica. Nesses casos, podemos dividir os pacientes com HO em três grupos:


  • Normotensos/hipotensos: aqueles que apresentam PA normal com episódios de hipotensão ortostática.
  • Hipertensos com hipotensão ortostática ocasional.
  • Aqueles que alternam hipertensão arterial supina com hipotensão ortostática.

No primeiro caso, para os normotensos/hipotensos, diante da persistência de sintomas, o medicamento eleito é a fludrocortisona. Esse mineralocorticoide aumenta a reabsorção de sódio e água. Possui meia-vida longa, permitindo uma única dose diária de 0,1 a 0,3 mg pela manhã e menor variação vale/pico de sua concentração plasmática. Doses maiores de 0,3 mg/dia não costumam trazer benefícios adicionais e aumentam efeitos colaterais, como edemas.


Para o segundo grupo, em que predomina a hipertensão arterial, o foco deve ser direcionado ao mal maior, a hipertensão arterial. Evitar, nesses casos, o uso de diuréticos, vasodilatadores diretos e agonistas alfa-centrais. Usar, na menor dose efetiva, bloqueadores dos receptores da angiotensina e inibidores da ECA. Dar preferência a medicamentos com menor meia-vida, como o captopril, uma vez que, para pacientes predispostos a episódios de hipotensão arterial, hipotensores de menor meia vida são sempre mais indicados. Lembrar que, na mais recente diretriz norte-americana sobre tratamento da hipertensão, o alvo em idosos é manter a PA < 150/90 mmHg para faixa entre 60 e 79 anos e < 160/90 para acima dos 79 anos.


No terceiro grupo, deve ser utilizada a midodrina, um agonista periférico seletivo alfa-adrenérgico com efeito pressor em virtude da constrição arterial e venosa. O medicamento é rapidamente absorvido no trato gastrointestinal, alcança pico de concentração plasmática em 20 a 40 minutos com duração de ação de aproximadamente 3 horas. Evita os riscos de terapia de expansão de volume e sua meia vida curta permite sua administração apenas durante as horas ativas do dia. A dose recomendada é de 2,5 a 10 mg, 3 vezes/dia, sendo a última dose em torno das 18 horas, para reduzir o risco de hipertensão supina. Esta droga não é comercializada no Brasil mas é de fácil importação. Nessa última condição, aumentar a altura da cabeceira da cama em 15 a 20 cm é aconselhável.


Referências


Michael J. Reichgott. Clinical evidence of dysautonomia. In Walker HK, Hall WD, Hurst JW (eds.) Clinical methods: The history, physical, and laboratory examinations. 3 ed. Boston: Butterworths, 1990. Chapter 76.


Robertson RM, Robertson D. Manifestações Cardiovasculares de Distúrbios Autonômicos. In Zipes DP, Libby P, Bonow RO e Braunwald E. Tratado de doenças cardiovasculares. 7° Ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, Capítulo 87.


Mukerji S, Aloka F, Farook MU, Kassab MY, Abela GS. Cardiovascular complications of Guillain Barré syndrome. Am J Cardiol 2009; 104:1452-1455.


James PA. Evidence-based guideline for the management of high blood pressure in adults: report from the panel members appointed to the Eighth Joint National Committee (JNC8) JAMA. 2014;311:507-20.



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