Doença e Incapacidade

Doença e Incapacidade

O conceito fundamental da perícia médica previdenciária diz respeito à diferença entre doença e incapacidade para o trabalho, noções relacionadas entre si, mas bastante diversas. Muitos aspectos devem ser considerados quando se analisa a capacidade de um doente para o trabalho, e tê-los em mente com clareza é o que permite que a perícia médica não seja uma consulta.


Incapacidade refere-se ao comprometimento de um órgão ou de uma função do organismo que interfere no desempenho do trabalhador no exercício de suas atividades laborativas. A incapacidade é sempre relativa ao tipo de trabalho que o indivíduo desempenha. Assim, é inadequado considerar que um trabalhador está incapaz para o trabalho, por exemplo, porque fraturou uma das fíbulas. Se este trabalhador for um servente de pedreiro ou um motorista de ônibus, estará incapaz enquanto sua fíbula estiver se consolidando; entretanto, se ele for um cobrador de ônibus, um porteiro ou um assistente administrativo, dificilmente se poderá concluir, a priori, que ele não pode trabalhar.


Mesmo doenças graves não impedem que um indivíduo mantenha sua rotina trabalhista. Além disso, vale dizer que não existe nenhum ser humano (ao menos entre aqueles de idade economicamente ativa) “totalmente saudável”, sem doença alguma. O processo de envelhecimento é caracterizado também pelo aumento do número de diagnósticos médicos.


As doenças cujos tratamentos ou acompanhamentos não têm previsão de término não indicam necessariamente incapacidade para o trabalho; apenas refletem o fato de que a maioria das doenças é crônica e de tratamento ambulatorial, exigindo controles por longos períodos. Assim, o fato de um paciente se tratar sugere a capacidade para o trabalho; afinal, o propósito do tratamento é controlar os sinais e sintomas que causariam sofrimento. Por outro lado, se o paciente não segue o tratamento prescrito, conclui-se que a doença que o impediria de trabalhar não é um óbice real.


A sugestão de manter um paciente em repouso enquanto está adoentado, mesmo podendo trabalhar, nem sempre produz resultados terapêuticos. Entre as consequências do repouso em casa podem-se mencionar a diminuição do trofismo muscular, a ruptura dos laços sociais inerentes ao ambiente laboral e a perda do significado subjetivo de pertencimento.


As possibilidades de adaptação e de aprendizado do ser humano são vastas e surpreendentes. Afirmar que alguém está permanentemente incapaz para o trabalho (isto é, que está inválido) significa fechar-lhe as portas para outras atividades que poderiam ser desenvolvidas, impedindo sua reinserção na sociedade – e isso é justamente o que se pretende evitar com as leis trabalhistas voltadas para deficientes.


Muitos pacientes se queixam de não poderem trabalhar porque têm dores, parestesias ou disestesias. Embora sejam sintomas que merecem toda a atenção do médico, nas áreas trabalhista e previdenciária eles devem ser avaliados com bastante cautela. É preciso lembrar-se de que esse tipo de alegação é subjetivo, frequentemente desacompanhado de sinais objetivos observáveis pelo examinador, de difícil quantificação e impossível de ser contestado. Sua constatação deve sempre ser feita a partir das alterações verificadas, se estas tiverem relação anatomofisiológica com as queixas


O conhecimento da história natural das doenças é absolutamente fundamental. Ao se deparar com um indivíduo que afirme não poder realizar determinada atividade em razão de uma doença qualquer, deve-se comparar o que é alegado com a etiopatogenia dessa doença, como ela é diagnosticada, tratada e qual é o seu prognóstico. Ainda que esta seja uma afirmação redundante, a maioria das pessoas tem apresentações comuns de grande parte das doenças; as exceções são raras. Assim, o relato de comprometimento muito intenso causado por sintomas incomuns e atípicos, incongruentes com a história natural da doença, deve fazer o médico perito questionar sobre a veracidade das informações, especialmente se houver indícios de funcionamento adequado para as atividades rotineiras, com exceção somente daquelas relacionadas ao trabalho.


A perícia é um ato médico e, como tal, deve ser praticada segundo os ditames do Código de Ética Médica. O médico assistente não pode ser perito do seu próprio paciente. Há ainda outros aspectos e considerações éticas que precisam ser valorizados, como por exemplo: o médico assistente insistir que seu paciente não pode trabalhar ou que não pode fazer tais e quais tarefas ou que ele tem que ser aposentado. Essas atitudes causam uma série de problemas para todos os envolvidos (o paciente, o próprio médico, o perito, a justiça, a previdência etc.). A consciência das suas especificidades permite que a Medicina seja exercida com zelo e voltada para a coletividade.



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