Dor abdominal

Dor abdominal

Profissionais de saúde demoram a procurar ajuda e mulher é levada ao setor de emergência com relato de dor abdominal há aproximadamente 36 horas.


Características: 42 anos, branca, natural do Tocantins, profissional de saúde.


A paciente informa que inicialmente a dor era epigástrica e que dois colegas do plantão também apresentaram dor abdominal e diarreia. Ela nega diarreia, mas refere inapetência e náuseas. A dor evoluiu nessas 36 horas e se espalhou para todo o abdome. A paciente fez uso de dipirona e antiespasmódico sem melhora do quadro. Não conseguia ingerir alimentos sólidos, não defecava nem emitia flatos há aproximadamente 24 horas.


HPP: duas cesarianas. Amigdalectomia na infância. Dois episódios de hemorragia digestiva alta (endoscopia não revelou ulceração, e pesquisa de Helicobacter pylori apresentou resultado negativo). Nega alergia a medicamentos.


H.social: nega tabagismo. Etilista social. Nega uso de substâncias psicoativas. Vida sexual ativa, em uso de anovulatórios orais.


Ao exame apresentava palidez cutaneomucosa (+++/4+), febre (t. axilar = 38,8°C), ausência de erupções cutâneas, pulmões limpos, RCR 2T, FC = 110 bpm, PA = 90 × 60 mmHg em decúbito dorsal e 80 × 50 mmHg na posição sentada.


Abdome distendido, difusamente doloroso, peristalse de luta. Descompressão dolorosa em fossa ilíaca direita. Sinal de McBurney positivo. Paciente mal conseguia manter o decúbito dorsal com os membros inferiores esticados, preferindo ficar em decúbito lateral direito com as coxas flexionadas em direção ao abdome (posição fetal).


A equipe do setor de emergência solicitou hemograma completo, bioquímica, EAS, teste para gravidez e rotina para abdome agudo. Foi providenciado acesso venoso e iniciou-se reposição volêmica com soro fisiológico. Além disso, foi administrada glicose a 25% (duas ampolas diretamente no acesso venoso após coleta de amostra de sangue) e metoclopramida.


As hipóteses diagnósticas foram as seguintes:


1) Apendicite evoluindo para peritonite


2) Gravidez tubária evoluindo para peritonite


Você concorda? Acrescentaria outra hipótese?


Evolução


O hemograma revelou anemia (he = 2.700.000/mm3 e ht = 9 g%) e leucocitose (17.000 leucócitos com 57% de bastões). Bioquímica normal, EAS normal e teste de gravidez negativo. Foram solicitadas prova cruzada e tipagem sanguínea.


A realização da rotina para abdome agudo foi dificultada pelo quadro álgico, mas foi encontrado nível hidroaéreo no ceco e na parte terminal do íleo. Devido à distensão, não foi realizada ultrassonografia, e a equipe da cirurgia optou por videolaparoscopia.


A videolaparoscopia revelou hemorragia intra-abdominal, e foram aspirados em torno de 3.000 mL de sangue não coagulado. A lesão causadora da peritonite foi um cisto de ovário direito roto.


Durante a cirurgia foi iniciada antibioticoterapia (metronidazol + cefalosporina IV).


Obs.: não foi realizada transfusão devido a restrições religiosas expressadas pelos familiares.


A paciente evoluiu bem e, após uma semana de dieta zero, antibioticoterapia e reposição volêmica, recebeu alta.


Comentários


Apesar de o sinal de McBurney ser muito sugestivo de apendicite, também foi positivo neste caso devido à proximidade das estruturas.


Em relação à transfusão de sangue, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (AMIB): “A transfusão sanguínea está na lista dos cinco procedimentos mais realizados no mundo, e 30 a 40% das transfusões poderiam ser evitadas”. O excesso de transfusões acarreta três graves problemas: risco de que o sangue esteja infectado por bactérias ou vírus, alto custo e falta de doadores. Neste caso clínico, como se tratava de paciente previamente hígida e sem comorbidades, a evolução foi satisfatória, embora não tenha havido transfusão.



Peritonite


A peritonite é definida como inflamação da serosa que reveste a cavidade abdominal e os órgãos nela contidos. O peritônio reage a vários estímulos patológicos com uma resposta inflamatória razoavelmente uniforme. A peritonite resultante pode ser infecciosa ou estéril (p. ex., química ou mecânica), dependendo da patologia subjacente. A sepse intra-abdominal consiste em inflamação do peritônio provocada por microrganismos patogênicos ou por seus produtos. O processo inflamatório pode ser localizado (abscesso) ou difuso.


A peritonite é causada mais frequentemente por processos infecciosos que invadem o normalmente estéril peritônio, embora existam outras causas, como laceração hepática, corpos estranhos e bile extravasada de vesícula biliar perfurada. Mulheres podem apresentar peritonite localizada em decorrência de ruptura de cisto de ovário ou infecção em tuba uterina.


As infecções peritoneais podem ser classificadas como primárias (ou seja, consequentes a disseminação hematogênica, geralmente no indivíduo imunocomprometido), secundárias (relacionadas a um processo mórbido em uma víscera, como perfuração ou traumatismo, inclusive iatrogênico) ou terciárias (infecção persistente ou recorrente após terapia inicial adequada).


A abordagem atual da peritonite e do(s) abscesso(s) peritoneal(ais) visa a correção do processo subjacente, administração de antibióticos sistêmicos e medidas de suporte para prevenir ou limitar complicações secundárias a falência de sistemas de órgãos.

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