Drogas vasoativas e o rim

Drogas vasoativas e o rim

Por Dr. Igor Denizarde – A lesão renal aguda (LRA) é uma complicação frequente em pacientes hospitalizados e causa elevação da morbimortalidade desses indivíduos. Sua fisiopatologia é multifatorial, porém reduções do fluxo sanguíneo para a região corticomedular do rim causam quedas significativas da taxa de filtração glomerular durante as fases iniciais da doença. Assim, a hipoperfusão da medula renal está presente em vários tipos de LRA e contribui para isquemia tubular.


No ambiente de terapia intensiva, muitas são as causas de LRA, incluindo choque/hipotensão de várias etiologias, principalmente secundários à sepse. O fluxo sanguíneo renal (FSR) inadequado é causa comum e frequente de redução da taxa de filtração glomerular (TFG).


A autorregulação do fluxo sanguíneo renal é um mecanismo que age com o intuito de manter constantes tanto o FSR quanto a TFG diante de oscilações pressóricas (entre 80 e 180 mmHg), como mostrado na figura 1. É um modo eficaz para dissociar a função renal da pressão arterial e manter a excreção de fluidos e solutos constante. O mecanismo de autorregulação estabelece uma ligação entre as concentrações de cloreto de sódio na mácula densa, um conjunto de células especializadas localizadas próximas ao final da alça de Henle, e o controle da resistência arteriolar renal. Isso acontece por meio de dois mecanismos: um reflexo miogênico e o feedback tubuloglomerular.



No paciente crítico, a pressão arterial pode cair abaixo de determinado valor, em que a habilidade de autorregulação é perdida, evoluindo para a diminuição da perfusão renal, isquemia e consequente lesão renal. É importante notar que diferentes leitos vasculares, em distintos sítios e órgãos, perderão sua capacidade de autorregulação com diferentes valores de pressão arterial.


A principal estratégia no paciente crítico é evitar a hipoperfusão renal relativa, por meio da manutenção do volume circulatório efetivo e da pressão de perfusão renal. A avaliação do volume intravascular no paciente crítico, entretanto, é desafiadora; até hoje ainda não se tem um método ideal e fielmente reprodutível.


Métodos tradicionais, como exame clínico e aferição da pressão do átrio direito e da artéria pulmonar (variáveis estáticas), têm acurácia questionável em predizer responsividade a volume e devem ser utilizados com cautela. A terapia guiada por metas, com aumento do índice cardíaco e da pressão venosa central, com expansão volêmica sem cautela, inicialmente pode expandir o espaço intravascular e também acabar em expansão subsequente do “terceiro espaço”, contribuindo para o aumento de morbimortalidade e dias de internação.


Embora a variação da pressão de pulso, derivada da análise da forma da onda arterial, e a variação do volume sistólico, derivada da análise do contorno de pulso, sejam preditoras de responsividade a volume em pacientes em ventilação mecânica controlada, essas variáveis dinâmicas não podem ser aplicadas em todas as situações, como em casos de pacientes em ventilação espontânea ou com arritmias cardíacas.


O efeito das drogas vasoativas na hemodinâmica renal de pacientes críticos com choque e vasodilatação ainda é motivo de controvérsia. Acredita-se que a norepinefrina, por meio de estimulação via α-adrenérgica, induza vasoconstrição e, com isso, a resistência vascular renal possa aumentar proporcionalmente mais que a pressão de perfusão, induzindo isquemia e contribuindo para a piora da função renal. Dados clínicos e experimentais sugerem que essa reação raramente ocorre com a infusão de vasoconstritores e que, geralmente, o fluxo renal sanguíneo e a TFG melhoram quando a pressão de perfusão renal aumenta durante o choque. Por enquanto, dados experimentais e clínicos sugerem que, nesses pacientes, o uso de vasopressor é seguro e provavelmente benéfico do ponto de vista renal.


Com base na evidência atual, em pacientes com vasodilatação e hipotensão arterial aguda, a restauração da pressão arterial para valores entre a capacidade autorregulatória deve ser prontamente alcançada com norepinefrina e mantida até a melhora da vasodilatação. A norepinefrina é muito eficiente em aumentar a pressão arterial, além de poder ser titulada para alcançar a pressão média desejada em determinado paciente.


A vasopressina é um vasoconstritor bem conhecido pelo incremento da resistência vascular periférica, por meio da ativação de receptores V1 no músculo liso vascular, mas esse efeito é pouco efetivo em indivíduos saudáveis. No entanto, em situações de hipotensão e hipovolemia, a resposta hemodinâmica à vasopressina torna-se um mecanismo compensatório importante na manutenção da pressão arterial e da perfusão dos tecidos. Por exemplo, em pacientes com choque séptico, a liberação de vasopressina (com outros vasoconstritores) geralmente aumenta a resistência vascular sistêmica e eleva a pressão arterial.


A experiência crescente com o uso da vasopressina em pacientes sépticos, apoiada em grandes estudos clínicos, como o VASST, fez com que esta droga fosse recomendada como segunda opção na última diretriz do Surving Sepsis Campaign, juntamente com a epinefrina, para uso associado à norepinefrina, com a intenção de alcançar os alvos de pressão arterial média ou diminuir a dose de norepinefrina, no caso da vasopressina.


A dopamina administrada em dose alfa não tem vantagens sobre a norepinefrina e não é efetiva na restauração da pressão arterial nem do débito urinário. Tem sido demonstrado que baixa dose de dopamina aumenta o fluxo sanguíneo renal em animais experimentais e em humanos voluntários sadios. Isso fez com que, por quase 3 décadas, a dopamina em baixas doses fosse utilizada com a intenção de aumentar o FSR e prevenir e/ou tratar a LRA. No entanto, a etiologia da LRA na doença crítica é multifatorial, e a contribuição da hipovolemia e da diminuição da perfusão renal, desconhecida. Além disso, a variação interindividual na farmacocinética da dopamina normalmente resulta em pobre correlação entre os níveis sanguíneos e a dose administrada, sendo difícil titular a dose correta.


Finalmente, a dopamina age como um diurético no túbulo proximal, aumentando a entrada de sódio para as células tubulares, o que aumenta a demanda de oxigênio. Assim, mesmo se doses baixas de dopamina forem capazes de aumentar preferencialmente o fluxo sanguíneo renal, não há garantia de que isso restauraria a homeostase renal.


Metanálises e estudos multicêntricos e controlados não conseguiram demonstrar que a dopamina protege o rim em pacientes críticos com LRA. Atualmente, não há evidências suficientes para apoiar o uso de dopamina em dose baixa na unidade de terapia intensiva (UTI). Em alguns trabalhos, pode até ser contraindicada, pois levou à piora da perfusão renal em pacientes com lesão já instalada.


A terlipressina advém da modificação da molécula de vasopressina, que lhe confere algumas propriedades diferentes, como meia-vida maior e capacidade de ser administrada de maneira intermitente. É o fármaco mais amplamente utilizado para tratamento da síndrome hepatorrenal tipo 1 e, além de melhorar a pressão arterial sistêmica, causa vasoconstrição na circulação esplâncnica, reduzindo o fluxo portal e, com isso, a pressão portal.


Dois grandes estudos randomizados, controlados, comparando terlipressina com albumina versus albumina isolada ou terlipressina e albumina versus placebo, confirmaram a eficácia da terlipressina como tratamento para síndrome hepatorrenal tipo 1. Cerca de 34 a 43% dos pacientes alcançaram a reversão da síndrome hepatorrenal, com queda de creatinina abaixo de 1,5 mg/dl, porém não foi demonstrada melhora de sobrevida.


A terapia com terlipressina deve ser descontinuada em pacientes não respondedores e mantida após 4 dias somente naqueles com resposta parcial, ou seja, melhora no nível sérico de creatinina, porém sem queda abaixo de 1,5 mg/dl. A terlipressina pode causar isquemia e é contraindicada em pacientes com doença coronariana, doença vascular periférica e/ou doença cerebrovascular. Todos os pacientes devem ser monitorados para arritmia cardíaca ou sinais e sintomas de isquemia esplâncnica ou periférica. Ainda não há estudos randomizados mostrando superioridade da terlipressina sobre outros fármacos. Na sua indisponibilidade, medicamentos alternativos, como norepinefrina, vasopressina, octreotide e midodrina, podem ser utilizados.


A nefroproteção e a prevenção da LRA são metas importantes na terapia intensiva. Além de evitar medicamentos nefrotóxicos e de proporcionar ressuscitação volêmica adequada, drogas vasoativas são administradas com o intuito de melhorar o débito cardíaco e manter a pressão arterial média suficiente para alcançar um fluxo renal adequado e, com isso, a manutenção da função durante o estado crítico.


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