Entendendo o complexo diálogo entre sistema imunológico e sistema nervoso central

Entendendo o complexo diálogo entre sistema imunológico e sistema nervoso central

O conceito de privilégio imune se refere à incapacidade de um órgão em rejeitar tecidos heterotópicos transplantados. Em 1940, Peter Medawar descreveu que enxertos homólogos de pele no sistema nervoso central (SNC) falhavam em criar uma resposta imune que levasse a sua rejeição. Porém, caso o mesmo enxerto fosse colocado em outra parte do corpo, uma resposta imune ocorria nesse tecido e, quando reinserido no SNC, finalmente aconteceria uma resposta por meio de rejeição tecidual.1 A principal explicação dada por Medawar foi a de que o SNC não tinha um sistema linfático. Portanto, não existiria uma janela de oportunidade para uma resposta imune, argumento que hoje se sabe estar ultrapassado.


Por volta de 1980, o conhecimento prévio de que o SNC não contava com o apoio do sistema imune passou a ser progressivamente revisto, uma vez que novos estudos passaram a demonstrar a existência de uma via de escape de antígenos pelos nervos olfatórios via lâmina cribriforme para a mucosa nasal.2,3 Rotas que formam uma comunicação entra o parênquima cerebral e seu interstício com o liquor, promovendo clearance, foram reconhecidas mais recentemente, tendo sido denominadas espaços glinfáticos (glial-linfático): o liquor tem a capacidade de fluir pelos espaços perivasculares arteriais e penetrar no parênquima cerebral através dos canais de aquaporina 4 (AQP4), saindo do interstício para o espaço perivascular venoso.4


 

Figura 1. Espaço glinfático no SNC.

Figura 1

Fonte: Nedergaard M., 2013.5


Em 2015, uma revolução na neuroanatomia ocorreu quando Antoine Louveau identificou uma rede linfática estruturada e funcional no SNC. Esse espaço existe nos seios venosos durais, portanto, sabe-se que existe uma vigilância imune constante no SNC e que ela se dá principalmente nos compartimentos meníngeos. No entanto, ainda é necessário incrementar o conhecimento sobre a entrada e saída de células imunes, pois pouco se sabe sobre essa distinta dinâmica.6


 

Figura 2. Sistema linfático do SNC.

Figura 2

Fonte: Ford ML., 2016.7


Atualmente, é possível endossar esses estudos ao demonstrar esses canais linfáticos pela ressonância magnética de crânio, por meio de novas técnicas de obtenção de imagem com a infusão de gadobutrol, um contraste a base de gadolínio que possui alta propensão de extravasar por barreiras endoteliais capilares permeáveis.8 Desse modo, existem novas janelas de oportunidades para descoberta de tratamentos contra doenças neurodegenerativas, doenças desmielinizantes e outras doenças neuroinflamatórias, assim como para tumores primários do SNC e metástases de tumores sistêmicos para o SNC.


O SNC não apresenta privilégio imune, tem apenas um sistema imune absolutamente distinto, que está sendo cada vez mais apreciado por cientistas e apreciado na clínica diária.


 

Figura 3. Ressonância magnética de crânio pós-gadobutrol indicando a ocorrência de vasos linfáticos no trajeto dos seios venosos durais.

Figura 3

Fonte: Absinta M et al., 2017.8


Referências bibliográficas

1.        Medawar PB. Immunity to homologous grafted skin; the fate of skin homografts transplanted to the brain, to subcutaneous tissue, and to the anterior chamber of the eye. Br J Exp Pathol. 1948;29(1):58-69.

2.        Bradbury MWB, westrop RJ. Factors influencing exit of substances from cerebrospinal fluid into deep cervical lymph of the rabbit. 1983;519-34.

3.        Goldmann J, Kwidzinski E, Brandt C et al. T cells traffic from brain to cervical lymph nodes via the cribroid plate and the nasal mucosa. J Leukoc Biol. 2006;80(4):797-801.

4.        Eide PK, Vatnehol SAS, Emblem KE et al. Magnetic resonance imaging provides evidence of glymphatic drainage from human brain to cervical lymph nodes. Sci Rep. 2018;8(1):1-10.

5.        Nedergaard M. Neuroscience. Garbage truck of the brain. Science. 2013;340(6140):1529-30.

6.        Louveau A, Smirnov I, Keyes TJ et al. Structural and functional features of central nervous system lymphatic vessels. Nature. 2015;523(7560):337-41.

7.        Ford ML. How brains are drained: discovery of lymphatics within the CNS. American Journal of Transplantation. 2016;16(3):735-735.

8.        Absinta M, Ha SK, Nair G et al. Human and nonhuman primate meninges harbor lymphatic vessels that can be visualized noninvasively by MRI. Elife. 2017;6:1-15.

 

 

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