Golden Hour: estabilização do recém-nascido prematuro

Golden Hour: estabilização do recém-nascido prematuro

Introdução


O conceito de golden hour nasceu na medicina do trauma e de emergência e baseia-se na ideia de que a primeira hora de atendimento à vítima após a lesão traumática é fundamental e tem efeito direto sobre o resultado do paciente.


Na medicina de emergência, o tempo é importante para administrar cuidados imediatos e transferir o paciente em 60 min para um local onde possa ser realizado o cuidado definitivo. Portanto, a golden hour da emergência refere-se a um período de minutos a várias horas após a lesão traumática, no qual o tratamento médico rápido, coordenado e adequado resulta em redução da probabilidade de morte ou sequelas graves. Nestas condições, está bem estabelecido que as chances de sobrevivência da vítima são maiores casos sejam prestados cuidados adequados dentro de um curto período de tempo após uma lesão grave; por isso, o termo disseminou-se para outras áreas do atendimento de emergência, inclusive infarto agudo do miocárdio e embolismo pulmonar.


Em analogia ao atendimento da medicina de trauma e emergência, alguns passaram a adotar o termo golden hour na neonatologia para se referir ao momento do nascimento de um recém-nascido (RN) até a sua estabilização inicial na unidade de terapia intensiva neonatal (UTIN). O termo ganhou maior aceitação no cuidado inicial de recém-nascido pré-termo (RNPT).


Os RN que nascem prematuros, especialmente com menos de 34 semanas e muito baixo peso, correm risco de uma variedade de complicações. Algumas resultantes dos mesmos fatores que levaram ao parto prematuro; outros reflexos da imaturidade, anatômica e/ou fisiológica dos bebês. As particularidades que devem ser lembradas nesses pacientes são:


  • Maior risco de hipotermia em decorrência de sua pele fina, grande área de superfície em relação à massa corporal e diminuição da gordura marrom
  • Imaturidade dos órgãos que causam maior suscetibilidade à lesão oxidativa, quando o RN é exposto a oxigênio excessivo
  • Alta complacência da caixa torácica por imaturidade da ossificação das costelas, o que dificulta a mecânica pulmonar
  • Imaturidade dos pneumatócitos tipo II, com menor produção de surfactante e, consequentemente, maior tensão superficial intra-alveolar, propiciando microatelectasias e diminuição da complacência pulmonar
  • Necessidade de ventilação mecânica acarretada por insuficiência respiratória, que, por sua vez, aumenta o risco de lesão do parênquima pulmonar por barotrauma, volutrauma, atelectrauma ou biotrauma
  • Sistema nervoso imaturo, com maior risco de apneia da prematuridade e de hemorragia intraventricular e/ou leucomalácea periventricular
  • Sistema imunológico imaturo, o que aumenta o risco de infecção
  • Pequena volemia, tornando-os RN mais suscetíveis aos efeitos da perda de sangue, com maior risco de hipovolemia.

Primeira hora de vida


Com o objetivo de prevenir ou minimizar esses agravos, o conceito de golden hour neonatal tem sido incorporado na rotina médica e baseia-se na avaliação sistemática das necessidades técnicas e na rapidez de administrar cuidados aos RNPT já nas primeiras horas de vida. Trata-se de um processo de prestação de assistência organizado a partir de várias iniciativas já praticadas, baseadas em evidências científicas. A qualidade do cuidado prestado durante este período pode melhorar os resultados de curto prazo (p. ex., hipotermia, hipoglicemia e hiperóxia) e de longo prazo (p. ex., hemorragia intraventricular, displasia broncopulmonar e retinopatia de prematuridade).


golden hour engloba estratégias aplicadas desde os primeiros minutos até horas após o nascimento, com destaque para quatro pontos principais: termorregulação; estabilidade cardiovascular; suporte respiratório e necessidades nutricionais durante a estabilização; admissão na UTIN.


Considerada uma abordagem filosófica, a golden hour reforça a comunicação e a colaboração inter e intraequipes responsáveis pela atenção do binômio mãe-bebê, utilizando protocolos baseados em evidências e procedimentos que padronizam o máximo de elementos para a gestão inicial de um parto prematuro e o nascimento do bebê. Todo o pessoal envolvido deverá ter seus papéis e responsabilidades claramente atribuídos, e o fluxo de trabalho dos eventos precisa ser cuidadosamente coreografado e cronometrado. Os focos de atuação da golden hour podem ser didaticamente divididos em:


  • Antes do nascimento:
    • Aconselhamento dos pais antes do parto, informando e esclarecendo as dúvidas de modo claro e objetivo
    • Reunião da equipe para designar um líder e o papel de cada profissional de saúde durante a reanimação neonatal
  • Parto e manobras de reanimação:
    • Tempo de clampeamento do cordão umbilical
    • Prevenção de hipotermia e manutenção da temperatura corpórea entre 36,5 a 37,7ºC
    • Suporte ao sistema respiratório de ventilação não invasiva com pressão positiva contínua de vias aéreas (CPAP), que deve ser usado desde a sala de parto
    • Suporte ao sistema cardiovascular, com monitoramento, oximetria de pulso e monitor cardíaco
    • Comunicação prévia com a equipe da UTIN, compartilhando todas as informações e as necessidades do RN, para que seja preparada uma unidade de internação adequada
    • Transporte para UTIN em incubadora de transporte.
  • Admissão na UTIN:
    • Padronização da abordagem respiratória: priorizar a ventilação não invasiva e aplicar surfactante de maneira seletiva nas primeiras 2 h de vida, quando indicado
    • Monitoramento de saturação de oxigênio (oxímetro de pulso), frequência cardíaca (monitor cardíaco) e pressão arterial invasiva, por meio da cateterização da artéria umbilical
    • Prevenção de hipoglicemia e emprego de cuidados nutricionais: instituir via de acesso venoso para iniciar precocemente a oferta de glicose e de aminoácidos
    • Prevenção de infecções: todos os procedimentos invasivos [p. ex., inserção de cateter umbilical ou cateter venoso central de inserção periférica de longa permanência (PICC), administração de surfactante, preparação de fluidos intravenosos e terapia de nutrição parenteral (NP)], devem ser feitos usando precauções assépticas e abordagem de bundle. Se indicado antibiótico, iniciar na primeira hora
    • Registro em prontuário: escrever todos os dados maternos e as condições do parto e do RN de modo claro e objetivo, bem como estabelecer um plano terapêutico
    • Comunicação com a família: conversar com pais e parentes para atualizar sobre a condição pós-natal do recém-nascido. Os pais devem ser aconselhados quanto ao estado atual e saber as intervenções realizadas e quais as próximas condutas.

    Considerações finais


    O parto prematuro é a principal causa de morbimortalidade neonatal e a introdução de estratégias relacionadas com o nascimento e as primeiras horas de vida podem reduzir as taxas de mortalidade e modificar as prevalências das morbidades, principalmente neurológicas e cardiopulmonares.


    Para aperfeiçoar as equipes multiprofissionais durante a primeira hora de vida desses bebês de alto risco, a adoção de protocolos, como o golden hour, pode ajudar a melhorar os desfechos. Vários estudos disponíveis na literatura sugerem que a implementação de protocolo baseado em evidências clínicas, associado com treinamento contínuo das equipes por meio de simulação realística, causa impacto positivo no RN quanto a temperatura corpórea, reanimação, suporte ventilatório e administração precoce de glicose e aminoácidos.


    Bibliografia


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    GEN MedClass - Vírus Sincicial Respiratório em Prematuros

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