Hanseníase: Diagnóstico precoce é essencial para a cura sem sequelas

Hanseníase: Diagnóstico precoce é essencial para a cura sem sequelas

A infecção pelo Mycobacterium leprae (M. leprae) pode evoluir para uma ampla gama de desfechos, desde infecção assintomática até doença disseminada. A bactéria possui uma peculiar afinidade por pele e nervos periféricos, o que determina seu potencial de causar deformidades, incapacidade e estigma. Dentre a minoria suscetível, conforme a resistência do hospedeiro, o espectro clínico varia de formas paucibacilares (indeterminadas e tuberculóides), caracterizadas por poucas lesões cutâneas, até um tronco nervoso acometido e baixa carga bacilar, até formas multibacilares (dimorfas e virchowianas), determinadas por lesões cutâneas disseminadas, muitos nervos afetados e alta carga bacilar com potencial contagiante. Na infecção estabelecida, em cerca de 40% dos casos, a ocorrência de reações hansênicas (alterações do sistema imunológico com manifestações inflamatórias agudas) contribui para perda e disfunção sensoriais.1


Na década de 1980, com a implementação mundial da poliquimioterapia (PQT) pela Organização Mundial da Saúde (OMS), a carga global de hanseníase diminuiu. No entanto, a taxa anual de detecção de novos casos permaneceu quase estática na última década (Índia, Brasil e Indonésia apresentando a maioria dos diagnósticos).2 Mais de 200.000 novos casos de hanseníase são detectados a cada ano no mundo, dos quais aproximadamente 7% classificados como grau de incapacidade 2 (deficiências visíveis causadas pela hanseníase).3


A PQT, embora muito eficaz na negativação do caso com a interrupção da cadeia de transmissão, não reverte danos neurais já estabelecidos. Portanto, o diagnóstico precoce é crucial para a cura sem sequelas, uma vez que o atraso no diagnóstico possibilita a progressão do dano neural, com desenvolvimento de incapacidades e manutenção do estigma.  


Ações de controle da doença incluem: tratamento imediato de todos os casos, investigação epidemiológica, exame da coletividade, campanhas para identificar casos recentes ainda não diagnosticados e aplicação de BCG nos contatos saudáveis. O exame dos contatos domiciliares dos pacientes é uma estratégia importante para detecção de novos casos, pois eles têm mais risco de adoecer. A busca ativa destes contatos pelos profissionais envolvidos é um dos pilares das ações de controle e o percentual de contatos examinados é um dos indicadores da efetividade destas ações.


Nas últimas décadas, a estratégia de descentralização da assistência possibilitou que cerca de 70% dos casos sejam atualmente diagnosticados na atenção básica de saúde. Para chegar a este patamar, foi fundamental a contribuição dos dermatologistas para capacitação das equipes de atenção básica primária (ABP) e do programa de saúde da família (PSF).4


Na maioria das vezes, o exame clínico é capaz de diagnosticar a hanseníase, mas o diagnóstico precoce nem sempre é fácil e alguns sintomas podem passar despercebidos até mesmo por especialistas.5 Nos casos mais difíceis, é possível fazer pesquisa de bacilos álcool ácido resistentes na linfa (baciloscopia) ou no exame histopatológico de lesões da pele ou dos nervos para diagnóstico diferencial. Embora a baciloscopia e a histopatologia tenham alta especificidade, possuem baixa sensibilidade nas formas paucibacilares, nas quais não são encontrados bacilos.1 A sorologia pela detecção de anticorpos anti-PGL-I pode auxiliar na classificação de pacientes multibacilares e monitorar a eficácia do tratamento.6 Embora os resultados positivos indiquem maior risco de desenvolver a doença entre os contatos domiciliares, o método apresenta baixa sensibilidade.6,7


O advento da reação em cadeia da polimerase em tempo real (qPCR) melhorou a especificidade e a sensibilidade do diagnóstico de formas precoces da doença em comparação com as técnicas convencionais de PCR.8 Essa ferramenta é particularmente útil no diagnóstico diferencial de casos com carga bacilar negativa e histopatologia não conclusiva. O uso rotineiro de testes laboratoriais qPCR poderia otimizar o diagnóstico precoce para melhor controle da hanseníase.9 A sorologia e a PCR são utilizadas em pesquisas e por alguns centros de referência, mas ainda não estão disponíveis na rede básica.  


A hanseníase possui longo período de incubação (3 a 7 anos, ou mais), por isso a vigilância deve ser contínua. A diminuição na detecção da doença pode resultar em negligência das ações contínuas de vigilância. Consequentemente, quanto menor a incidência, menos preparados os médicos estarão para identificar a hanseníase.10 No Brasil, em estados de menor detecção, tem-se observado um aumento no percentual de casos novos diagnosticados com grau 2 de incapacidade, indicador de diagnóstico tardio.11


O acompanhamento dos portadores de hanseníase, bem como de suas sequelas, é multidisciplinar, envolve médicos da atenção básica, dermatologistas, neurologistas, oftalmologistas, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais.


Considerações finais


A hanseníase é uma infecção curável, mas seu potencial de causar incapacidades torna o diagnóstico precoce essencial para a cura sem sequelas.


A PQT é muito eficaz e fornecida pelo Sistema Único de Saúde (SUS) em todo território nacional.


O Brasil ocupa o segundo lugar em número de casos, com cerca de 30.000 diagnósticos novos por ano. 


O longo período de incubação demanda vigilância e capacitação das equipes de saúde para detecção de novos casos em estágio inicial. 


 Figura 1 - O paciente apresentava apenas essas duas placas hipocrômicas bem delimitadas – Hanseníase paucibacilar


                



Figura 2 - Nódulos eritematos (hansenomas) -  Hanseníase multibacilar           



Crédito das imagens: Dra. Sandra Durães  


 Referências bibliográficas


1-      Amorim FM, Nobre ML, Ferreira LC, Nascimento LS, Miranda AM, Monteiro GR et al. Identifying leprosy and those at risk of developing leprosy by detection of antibodies against LID-1 and LID-NDO. PLoS Negl Trop Dis. 2016;10(9):e0004934.


2-      Palit A, Kar HK. Prevention of transmission of leprosy: the current scenario. Indian J Dermatol Venereol Leprol. 2020 Jan 22. [Epub ahead of print.]


3-      Pescarini JM, Strina A, Nery JS, Skalinski LM, Andrade KVF, Penna MLF et al. Socioeconomic risk markers of leprosy in high-burden countries: a systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis. 2018;12(7):e0006622.


4-      Brasil. Ministério da Saúde. Portaria n. 125/SVS-SAS, de 26 de março de 2009. Instruções normativas. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/svs/2009/poc0125_26_03_2009. html>. Acesso em: 12 fev. 2020.


5-      Gama RS, Souza MLM, Sarno EN, Moraes MO, Gonçalves A, Stefani MMA et al. A novel integrated molecular and serological analysis method to predict new cases of leprosy amongst household contacts. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(6):e0007400.


6-      Penna MLF, Penna GO, Iglesias PC, Natal S, Rodrigues LC. Anti-PGL-1 positivity as a risk marker for the development of leprosy among contacts of leprosy cases: systematic review and meta-analysis. PLoS Negl Trop Dis. 2016;10:1-11.


7-      Richardus RA, van der Zwet K, van Hooij A, Wilson L, Oskam L, Faber R et al. Longitudinal assessment of anti-PGL-I serology in contacts of leprosy patients in Bangladesh. PLoS Negl Trop Dis. 2017;11(12):e0006083.


8-      Martinez AN, Ribeiro-Alves M, Sarno EM, Moraes MO. Evaluation of qPCR-Based Assays for Leprosy Diagnosis Directly in Clinical Specimens. PLOS Negl Trop Dis. 2011;5:e1354.


9-      Barbieri RR, Manta FSN, Moreira SJM, Sales A, Nery JAC, Nascimento LPR et al. Quantitative polymerase chain reaction in paucibacillary leprosy diagnosis: a follow-up study. PLoS Negl Trop Dis. 2019;13(3):e0007147.


10-   Oliveira MLW, Penna GO, Talhari S. Role of dermatologists in leprosy elimination and post-elimination era: the Brazilian contribution. Lepr Rev. 2007;78:17-21.


11-  Brasil. Ministério da Saúde. Número de casos novos curados de hanseníase segundo distribuição de grau de incapacidade física, e percentual de avaliados e grau 2 na coorte, por estados e regiões. 2018. Disponível em: https://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2019/julho/17/N--mero-de-casos-novos-curados-de-hansen--ase-segundo-distribui----o-de-grau-de-incapacidade-f--sica--e-percentual-de-avaliados-e-grau-2-na-coorte--por-estados-e-regi--es--Brasil--2018.pdf. Acesso em: 08 fev. 2020.


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