Icterícia no período neonatal, qual a prática atual?
- 9 de mar de 2018
Por Dra. Clery B. Gallacci – A icterícia predominante com origem da bilirrubina indireta acomete cerca de 60 a 80% dos recém-nascidos. Estudos das últimas duas décadas têm demonstrado o papel importante da bilirrubina como um antioxidante natural no período neonatal. Entretanto, uma parcela entre 6 a 8% dos recém-nascidos ictéricos necessitam tratamento para prevenção da ação neurotóxica do excesso de pigmento da bilirrubina.
Desde 1994, o manejo para tratamento com fototerapia da icterícia neonatal decorrente da bilirrubina indireta vem se pautando em gráficos atuais, apesar de já referidos desde a década de 50. Tais gráficos relacionam níveis de bilirrubina com horas de vida dos recém-nascidos. Fatores de risco para hiperbilirrubinemia, tais como incompatibilidades sanguíneas, idade gestacional, etnia, estado de saúde do recém-nascido, são adicionados a interpretação dos mesmos.
Assim, há 23 anos encerrou-se a chamada “vigintofobia” (bilirrubina de 20 mg/dl) para indicação de fototerapia. O impacto dessa prática, o uso adequado da fototerapia e a assistência às gestantes Rh negativo contribuíram para redução da indicação de exsanguíneo-transfusão nos últimos anos. Atualmente, cerca de 0,20% dos recém-nascidos ictéricos necessitam de exsanguíneo transfusão ao redor do mundo.
Nas últimas décadas, vários tipos de fontes de luz com lâmpadas halógenas, fibra ótica e atualmente as Leds, vêm sendo usados para o tratamento com fototerapia para hiperbilirrubinemia. O conceito permanece o da irradiância utilizada em relação à superfície corpórea do recém-nascido exposta à luz, sendo a fototerapia então encarada como tratamento com nível de irradiância a ser controlado para a eficácia da terapêutica indicada.
Assim, hoje recomenda-se uma triagem universal do nível sérico de bilirrubina nos recém-nascidos para que o tratamento da icterícia com a fototerapia seja estabelecido de acordo com a relação tempo de vida do recém-nascido em horas e o nível sérico de bilirrubina indireta. A avaliação clínica da bilirrubina por meio das Zonas de Kramer tem se mostrado com pobre correlação entre os achados laboratoriais e clínicos quando se observa icterícia entre as zonas II a V (entre tórax e pés/mãos), sendo recomendada mensuração de nível sérico de bilirrubina nestes casos.
No acompanhamento da evolução natural da icterícia neonatal, a prática do aleitamento materno vem sendo detectada como uma das causas da hiperbilirrubinemia prolongada. Maisels J. et al., acompanhando 1.044 recém-nascidos que recebiam aleitamento materno exclusivo, observaram bilirrubina acima de 5 mg/dl em 34% desses recém-nascidos entre 21±3 dias e aos 28 dias, 24% ainda se apresentavam ictéricos, porém sem nível sérico de bilirrubina para tratamento. Essa verificação científica também ocorreu na Turquia e na China. Os mecanismos propostos para elucidação ainda não estão claros, entre eles aspectos genéticos da conjugação da bilirrubina pela uridina difosfato glicuraniltransferase, papel do esteroide (pregnane-3alfa, 20 beta diol) no leite materno de recém-nascidos com hiperbilirrubinemia não conjugada prolongada.
O tratamento com a fototerapia para a hiperbilirrubinemia, de origem bilirrubina indireta, no período neonatal é praticado desde o final da década de 50 e mostra ser efetivo para prevenção da neurotoxicidade da hiperbilirrubina. Várias publicações com citações dos efeitos colaterais dessa terapêutica foram relatadas, porém não confirmadas com estudos randomizados e controlados.
Referências:
- Maisels J.M., Clune S., Coleman K. et al. The natural history of Jaundice in predominantly breastfed infants. Pediatrics 2014; 134:340-347.
- Bhutani V. K., Vilms R. J., Johnson H. Universal bilirubin screening for severe neonatal hyperbilirubinemia. Journal of Perinatology 2010; 30:86-S15.
- Silverman W. A., Jaundice. Lecture Special feature. Journal of Perinatology 2014; 34 1-5.