Investigação clínica do paciente obeso

Investigação clínica do paciente obeso

O sobrepeso e o acúmulo de gordura são fatores de risco que abrem as portas para diversas doenças oportunistas e desequilíbrios hormonais associados à essa condição. Estas alterações, muitas vezes, são um desafio para o diagnóstico adequado e, por isso, a investigação do paciente obeso merece uma especial atenção.

 

O Ambulatório de Obesidade e Síndrome Metabólica, da disciplina de Endocrinologia e Metabologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, adota o seguinte protocolo de investigação:

 

Histórico da obesidade

 

Verifica-se o peso do paciente ao nascer e a idade em que teve início a obesidade, se na infância, na adolescência ou na fase adulta. A partir de então, busca-se identificar qual foi o suposto fator desencadeante da condição.

 

Também se investigam todos os tratamentos realizados anteriormente, quais foram os tipos de abordagens nutricionais e de atividade física, e realiza-se medições dos efeitos adversos relacionados à resposta terapêutica.

 

Fatores etiológicos

 

Determinam-se os fatores etiológicos envolvidos na obesidade, como a síndrome de Cushing, o hipotireoidismo, os distúrbios hipotalâmicos, a hipoglicemia, a síndrome dos ovários policísticos e possíveis doenças psíquicas relacionadas ao uso de medicamentos.

 

Padrões de alimentação

 

O terceiro passo envolve a investigação dos hábitos alimentares do paciente, como a hiperfagia prandial, a compulsão alimentar, o transtorno da compulsão alimentar periódica (TCAP), a síndrome alimentar noturna (SCN), o transtorno alimentar noturno associado ao sono (SCNS) e se o paciente tem perfil “beliscador.”

 

É importante ter a consciência de que, muitas vezes, o obeso não tem a percepção real de seu comportamento alimentar e não considera algumas atitudes como um transtorno e, consequentemente, não são verbalizadas em seus relatos. É frequente uma subavaliação do paciente em relação ao consumo dos alimentos.

 

Comorbidades da obesidade

 

São inúmeras as doenças relacionadas à obesidade devido às alterações e desequilíbrios que o sobrepeso pode causar no organismo do paciente. As comorbidades patológicas podem ser psiquiátricas, neurológicas, respiratórias, cardiovasculares, gastrointestinais, renais, endócrinas e musculoesqueléticas.

 

Exame físico e avaliação da composição corporal

 

O primeiro passo para o exame físico e a avaliação da composição corporal são os métodos quantitativos, como o cálculo do IMC por meio do peso e altura, a verificação das pregas cutâneas ou a bioimpedanciometria corpórea, sendo este o método mais moderno e preciso.

 

Além disso, os métodos qualitativos também devem ser considerados, como a verificação da distribuição da gordura subcutânea e visceral por meio da medição da circunferência abdominal, e ainda realização de tomografia computadorizada. O padrão-ouro seria o exame de densitometria de corpo inteiro.

 

Avaliação do gasto energético

 

O passo seguinte é a verificação do gasto energético do paciente, calculando a taxa metabólica basal (em repouso, deitado e em jejum de 12 horas), a termogênese alimentar (aumento da taxa metabólica de repouso em resposta à ingestão de alimentos) e a queima durante atividade física (o componente mais variável do gasto energético total).

 

Avaliação laboratorial

 

IMC normal e metabolicamente saudável: níveis de gordura reduzidos, músculos desenvolvidos, atividade física frequente, sensibilidade à insulina e níveis de açúcar no sangue normais e baixo risco de doenças cardiovasculares.

 

IMC obeso e metabolicamente saudável: excesso de gordura visceral e subcutânea, músculos desenvolvidos, atividade física regular, hiperinsulinemia, sensibilidade à insulina e níveis de açúcar no sangue normais e nível médio de risco de doenças cardiovasculares.

 

IMC normal e metabolicamente não saudável: doenças crônicas, perda de massa muscular (sarcopenia), excesso de gordura visceral, pouca atividade física, resistente à insulina, diabetes, inflamações, alto risco de doenças cardiovasculares e câncer.

 

IMC obeso e metabolicamente não saudável: excesso de gordura visceral e subcutânea, perda de massa muscular (sarcopenia), pouca atividade física, hiperinsulinemia, diabetes, dislipidemia, inflamações, alto risco de doenças cardiovasculares e câncer.

 

Investigação genética

 

A investigação genética da obesidade vai monitorar se a condição é poligênica comum ou complexa (variantes comuns com baixo efeito individual), monogênica não sindrômica (variantes patogênicas em um único gene, sendo mais comum o MC4R), ou sindrômica (déficit intelectual, dismorfismo ou anomalias orgânicas, sendo mais comum o PWS).

 

Conclusão

 

Uma investigação adequada do paciente obeso inicia-se com uma boa história clínica.

 

Avaliar a composição corporal é muito importante para considerar os riscos e a avaliação do gasto energético, sendo extremamente útil para pacientes que apresentam muita dificuldade de perder peso diante de um consumo alimentar baixo. Além disso, é fundamental avaliar o perfil metabólico do paciente.

 

A hiperfagia grave iniciada precocemente e a presença de atraso de desenvolvimento devem direcionar o médico para uma investigação genética.

 

 

Bibliografia

 

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