Leucemia Linfocítica Crônica em Fase Inicial | Caso Clínico

Leucemia Linfocítica Crônica em Fase Inicial | Caso Clínico

A leucemia linfocítica crônica (LLC) é a neoplasia hematológica mais comum do ocidente; sua incidência varia de 2 a 6 casos por 100.000 indivíduos ao ano. É uma neoplasia que acomete comumente idosos com média de 65 anos (em geral, acima dos 40 anos), em uma proporção de 1,5 a 2,0:1,0 entre os gêneros masculino e feminino. Essa incidência chega a mais de 10 casos por 100.000 indivíduos ao ano para idosos acima dos 65 anos. Corresponde a mais de 90% das neoplasias linfoproliferativas crônicas (NLPC).


A LLC é uma NLPC de células B maduras caracterizada pela presença quase uniforme de pequenos linfócitos com cromatina condensada em blocos, citoplasma pouco basofílico, com raros prolinfócitos (obrigatoriamente < 10%), no sangue periférico e na medula óssea, podendo infiltrar o baço e os linfonodos. Na ausência de infiltração para tecidos extramedulares, a LLC é definida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) pela presença de mais de 5.000 linfócitos clonais B com imunofenótipo comumente caracterizado pela fraca expressão dos marcadores B (CD19, CD20, CD22, IgM e/ou IgD de superfície), expressão aberrante do marcador T CD5, positividade para CD79a, CD23, CD43, CD200, negativas para CD10, CD79b e FMC7.


A clonalidade é definida pela restrição para uma das cadeias leves de imunoglobulinas (kappa ou lambda) por citometria de fluxo. A positividade para os marcadores CD38 e ZAP70, em geral representa evolução clínica de pior prognóstico. Casos atípicos podem apresentar como imunofenótipo: negatividade para CD5(–) ou CD23(–), FMC7(+), Ig de superfície positiva de forte intensidade, ou positividade para CD79b(+).


Clinicamente, a LLC pode variar bastante. Apesar de boa parte dos pacientes ser assintomática, alguns casos podem apresentar fadiga, anemia hemolítica autoimune secundária, infecções, linfonodomegalia, esplenomegalia, hepatomegalia ou envolvimento extranodal. Cerca de 30% dos casos são descobertos ao acaso pelo achado de uma linfocitose duradoura sem causa definida em indivíduos muitas vezes não anêmicos e não plaquetopênicos. Anteriormente à citometria de fluxo, o limite clínico utilizado para caracterizar uma LLC era a presença persistente de mais de 10.000 linfócitos/mm3 de sangue em idosos, sem causa aparente.


Caso clínico


Mulher, 52 anos, assintomática, sem linfonodomegalia, não anêmica (Hb = 13,2 g/dL), não plaquetopênica (217.000 plaquetas/mm3), contrastando, porém, com discreta, mas persistente leucocitose (12.000 leucócitos/mm3) à custa de linfocitose (9.000 linfócitos/mm3) em um período de 3 meses.


Imunofenotipagem


Amostra: sangue periférico.


Morfologia: presença de 75% de linfócitos pequenos com cromatina condensada em blocos; presença de ocasionais prolinfócitos; restos celulares 1+ (Figura 1).


Região analisada: tamanho pequeno e baixa complexidade interna, representando 69,5% do total celular.


Imunofenótipo: demonstra 70,3% de células linfoides B (CD20 fraco com expressão anômala do antígeno linfoide T CD5++), positivas para os marcadores B (CD22+, CD19++), positivas para CD23+++, negativas para os marcadores FMC7– e CD10–, positivas de fraca intensidade para as cadeias pesadas de imunoglobulinas μ+ (IgM) e δ+ (IgD), demonstrando clonalidade para cadeia leve kappa+ em membrana (relação kappa/lambda maior que 10 partes/1 parte, revelando 60 partes/1 parte) (Figuras 2 a 11).


Interpretação: o perfil imunofenotípico demonstra tratar-se de células maduras monoclonais da linhagem linfoide B, CD23+++, CD10 –, com expressão aberrante do CD5+.


Conclusão do laudo: de acordo com morfologia e imunofenótipo, esses dados são compatíveis com neoplasia linfoproliferativa crônica de células B, CD5+, IgM, IgD, clonal kappa, CD38+. Classificação FAB = LLC-B.



Figura 1 Presença de três pequenos linfócitos anômalos com cromatina condensada em blocos, característicos da LLC, um prolinfócito (célula maior e com nucléolo) e um resto celular.



Figura 2 Tubo-controle negativo com scatter de FSC (tamanho) × SSC (complexidade), com delimitação da área de análise (gate 1) na região de baixo FSC e baixa SSC, correspondente à região de linfócitos.



Figura 3 Tubo-controle negativo de isótipo de imunoglobulinas na população do gate 1.



Figura 4 Tubo marcado com CD20 FITC e CD5 PE, demonstrando 70,3% dos linfócitos característicos da LLC (CD20+/CD5+) na população do gate 1.



Figura 5 Tubo marcado com CD20 FITC e CD38 PE, demonstrando 67,4% (mais de 20%) de linfócitos (CD20+/CD38+) na população do gate 1.



Figura 6 Tubo marcado com CD10 FITC e CD22 PE, demonstrando que os linfócitos B CD22+ são negativos para CD10(–) na população do gate 1.



Figura 7 Tubo marcado com anti-FMC7 FITC e CD23 PE, demonstrando que os linfócitos (população do gate 1) são CD23++ e FMC7–.



Figura 8 Tubo marcado com anti-IgD FITC e CD19 PE, demonstrando que os linfócitos B CD19++ são positivos para IgD(+).



Figura 9 Tubo marcado com anti-IgM FITC e CD19 PE, demonstrando que os linfócitos B CD19++ são positivos para IgM(+).



Figura 10 Tubo marcado com anti-kappa FITC e CD19 PE, demonstrando que os linfócitos B CD19++ são positivos para cadeia leve de imunoglobulinas kappa (clonalidade kappa).



Figura 11 Tubo marcado com anti-lambda FITC e CD19 PE, demonstrando que os linfócitos B CD19++ são negativos para cadeia leve de imunoglobulinas lambda.


Discussão


O caso clínico comprova, por meio da citometria de fluxo, tratar-se de uma neoplasia linfoproliferativa crônica B em fase incipiente, em paciente assintomática, pela demonstração de clonalidade para cadeia leve de imunoglobulina kappa, com imunofenótipo característico, mesmo que clinicamente não tenha demonstrado mais de 10.000 linfócitos por mais de 6 meses sem causa aparente. A positividade para CD38 foi realizada para efeitos de prognóstico. Os casos de linfocitose B clonal com um fenótipo não LLC (p. ex., CD5–) pode corresponder a outra neoplasia linfoproliferativa crônica B.


Bibliografia


Muller-Hermelink HK, Montserat E, Catovsky D et al. Chronic lymphocytic leukemia/small lymphocytic lymphoma. In: Swerdlow SH, Campo E, Harris NL et al. (Eds.). WHO classification of tumours of haematopoietic and lymphoid tissues. 4. ed. Lyon: International Agency for Research on Cancer; 2008. p. 180-2.


Oliveira RA, Pereira J, Beitler B. Mielograma e imunofenotipagem por citometria de fluxo em hematologia: prática e interpretação. Rio de Janeiro: Roca; 2015.


 


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