Mielomeningocele | Malformações Congênitas e Defeitos de Fechamento do Tubo Neural

Mielomeningocele | Malformações Congênitas e Defeitos de Fechamento do Tubo Neural

Por Dra. Nelci Zanon Collange – As malformações congênitas estão entre as maiores causas de morbidade e mortalidade no período neonatal. Elas têm estimativa de mortalidade intraútero aproximada de 20%. Os recém-nascidos que sobrevivem têm 15 vezes maior risco de mortalidade durante o primeiro ano de vida, chegando a 9 a 10% de morte nesse período (Malcoe, 1999).


As malformações congênitas conhecidas como espinha bífida ou defeitos de fechamento do tubo neural podem acometer as estruturas cerebrais e o crânio (encefalocele e anencefalia) e também a coluna vertebral e a medula espinal. Os casos mais graves, tais como anencefalia e craniorraquiesquise, são incompatíveis com a vida após o nascimento. Quando os defeitos na medula espinal são recobertos por pele, são descritos como espinha bífida oculta e, na ausência de pele, são chamados de mielomeningocele (MMC). Estima-se que, no mundo, haja 300.000 novos casos de defeitos do fechamento do tubo neural por ano (Botto, 1999). Trata-se da segunda maior causa de malformações congênitas, precedida apenas pelas malformações cardíacas (Copp, 2013).


Mielomeningocele


É considerada a malformação mais grave do sistema nervoso central compatível com a vida após o nascimento. Trata-se de uma malformação da coluna vertebral em que a medula espinal, as meninges e as raízes nervosas são expostas. A malformação ocorre entre os dias 22 e 28 da concepção, geralmente antes de o diagnóstico da gravidez ser confirmado. Nesse período, em geral, ocorre o fechamento da coluna vertebral e a medula espinal torna-se protegida. Quando ocorre algum problema no fechamento da coluna vertebral, a medula espinal fica desprotegida e exposta aos danos inicialmente do líquido amniótico, dentro da bolsa que envolve o feto. Após o nascimento, o tecido neural fica exposto ao meio ambiente, enquanto não é operado. Por isso, após o nascimento com mielomeningocele, a cirurgia é considerada uma urgência (Zanon N 2014).


Os tecidos nervosos expostos desde o início da concepção acabam por ficar mais vulneráveis e não conseguem exercer sua função adequada, variando os graus de comprometimento. Quando o defeito de fechamento do tubo neural é na região torácica, ocorre paraplegia flácida e dificuldade no controle da urina e das fezes. A organização Pan-Americana de Saúde evidencia que a incidência das lesões altas está diminuindo. As lesões lombares e sacrais são mais prevalentes e envolvem graus diferentes de fraqueza muscular, abaixo do nível da lesão, mas a maioria ainda apresenta dificuldade no controle das funções urinárias e fecais.


Causas e prevenção


A MMC é considerada uma doença multifatorial. Fatores genéticos (mutações ou alterações dos cromossômicas), deficiência de folato, obesidade e uso de anticonvulsivantes estão envolvidos. O risco de ocorrência de MMC pode ser reduzido em 60 a 70% com o uso adequado do ácido fólico antes da concepção do feto. Como a maioria das gestações não é planejada, recomenda-se que o ácido fólico seja usado pelas mulheres durante toda a idade fértil. Em 2002, o Brasil sancionou a lei de fortificação das farinhas com ferro e ácido fólico. A partir de 2004, tornou-se obrigatória a fortificação com 0,15 mg de ácido fólico/100 mg de farinha.


Santos 2016 e Coll estudaram 17.925.729 nascidos vivos do Brasil, representando 45% dos nascidos no período de 1/1/2001 a 31/12/2014. Oito Estados foram analisados: Distrito Federal, Mato Grosso do Sul, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. Comparando o período pré e pós-fortificação, demostrou-se diminuição de 22,8% dos casos de espinha bífida; passou de 0,57 para 0,44 para 1.000 nascimentos vivos. Essa redução foi maior do que a ocorrida nos EUA (19%), semelhante ao que ocorreu na África do Sul e menor do que aconteceu no Chile (40%) e no Canadá (46%).


O ácido fólico é um importante nutriente para o desenvolvimento saudável do bebê. O folato é a forma natural da vitamina B9. O ácido fólico é a forma sintética da vitamina B9, encontrado em suplementos e alimentos fortificados. A deficiência deste nutriente aumenta o risco de malformações, como a mielomeningocele. Acredita-se que a ingestão adequada de ácido fólico (até 2 mg/dia) é capaz de prevenir o desenvolvimento da MMC. Para que isso ocorra, é necessária a ingestão adequada de ácido fólico pelo menos 3 meses antes da concepção da criança.


Com o avanço nos estudos genéticos, acredita-se que existam subtipos do complexo malformativo conhecido como MMC. Alguns subtipos podem precisar de apenas 400 microgramas/dia de ácido fólico para a prevenção da MMC, mas outros subtipos podem precisar de 4 a 5mg de ácido fólico/dia. O mais importante, no entanto, é a transição entre a teoria e a prática.


Desafios à saúde pública


Para que a prevenção da MMC seja mais efetiva, além da informação teórica, os gestores em saúde deverão encontrar fórmulas para que a informação chegue acompanhada da prática da prevenção com suplementação de vitaminas e do ácido fólico antes da concepção. Quando a informação já existe, como por exemplo com os profissionais da saúde, a prática do uso do ácido fólico só acontece quando há o planejamento da gestação. E pela prática clínica, a maioria das gestões não é planejada.


Outro desafio a ser vencido é que o suplemento das farinhas só acontece nas industrializadas. O estudo supracitado com diminuição da incidência dos defeitos de fechamento do tubo neural não contemplou regiões do Norte e Nordeste, nas quais o uso de farinhas artesanais provavelmente é mais comum do que no Centro e Sudeste.


Diagnóstico


O diagnóstico da mielomeningocele pode ser realizado durante o período pré-natal ou no momento do nascimento. Durante o período pré-natal, o diagnóstico pode ser feito por meio do exame de ultrassonografia (US). A US de rotina instigará a primeira suspeita e a US morfológica trará mais detalhes no diagnóstico (ideal que seja uma vez em cada trimestre). Nos casos confirmados ou fortemente suspeitos e, quando possível, a realização da ressonância magnética fetal proporciona mais precisão ao diagnóstico. Quando o diagnóstico da malformação fetal acontece precocemente, o ideal é que a gestante seja encaminhada para um centro hospitalar com atendimento multidisciplinar envolvendo UTI neonatal e cirurgia de alta complexidade, como é a especialidade de Neurocirurgia.


Tratamento


O tratamento da MMC é cirúrgico. Existem dois períodos em que a cirurgia pode ser feita: fetal e pós-natal. Mesmo quando o diagnóstico precoce é feito, não são todos os casos em que a cirurgia fetal está indicada para corrigir a MMC. Existem riscos maternos e fetais nesses procedimentos que deverão ser levados em conta para a tomada da decisão caso a caso. Em alguns casos, não é possível fazer o diagnóstico antenatal e, somente após o nascimento, a família descobre que o recém-nascido tem MMC. Felizmente, esses casos são cada vez mais raros.


O diagnóstico precoce da mielomeningocele permite planejamento mais adequado do tratamento cirúrgico e preparação da família e da equipe multidisciplinar para a cirurgia do recém-nascido. A maioria dos casos de MMC no mundo ainda é tratada após o nascimento. O ideal é que a MMC seja corrigida logo após o nascimento. Nesse caso, é importante que a malformação seja fechada em até 72 h após o nascimento, minimizando assim a incidência de complicações clínicas, como infecções locais e meningites.


Devemos reforçar que a correção cirúrgica da mielomeningocele cura a MMC. Embora os procedimentos cirúrgicos durante a gestação apresentem o potencial de diminuir as alterações neurológicas associadas, tais como a melhora da performance motora aos 36 meses, a diminuição da malformação de Arnold-Chiari e a hidrocefalia. As famílias que tiverem a chance do diagnóstico precoce e o acesso aos caminhos para a escolha entre os tratamentos propostos, antenatal e pós-natal, considerar que nas cirurgias intra, a maioria das crianças nasce prematura e existe um risco de complicações para a mãe e para o bebê.


Prognóstico


Uma das maiores preocupações dos familiares de crianças com MMC é se a criança será ou não capaz de andar e ser independente. O prognóstico de marcha (ou seja, se a criança vai ou não caminhar) tem relação importante com o nível da lesão medular (Collange, 2008). De acordo com a classificação mais aceita mundialmente, para os pacientes com lesão no nível torácico, espera-se a ausência da capacidade de caminhar. Já para os pacientes com MMC lombar, a deambulação comunitária, domiciliar ou não funcional é esperada de acordo com outros fatores de influência (gravidade das malformações associadas, deformidades ortopédicas, idade, obesidade, fraturas, espasticidade). Dos pacientes com nível sacral, espera-se a deambulação comunitária.


Essas crianças necessitam de um tratamento interdisciplinar focado e direcionado para que seja explorado o máximo potencial dela de forma individualizada e humanizada. São crianças, adolescentes e adultos que requerem cuidados multiprofissionais constantes e vitalícios. Várias especialidades médicas estão envolvidas desde o nascimento: Neonatologia/Pediatria, Neurocirurgia, Cirurgia Pediátrica/Urologia/Nefrologia/, Ortopedia e Fisiatria. Diversos profissionais das seguintes áreas acompanham esses pacientes ao longo da vida: fisioterapia, terapia ocupacional, enfermagem/ostomia, psicologia e serviço social.


Desafio para a saúde pública e suplementar


Como esses pacientes têm uma demanda de longa duração, as famílias perdem muito tempo e as crianças perdem aulas na escola semanalmente, para consultas e exames. Isso representa um custo social e econômico adicional, pois, no Brasil, não existem locais suficientes onde as famílias possam participar de clínicas multiprofissionais no mesmo local, no mesmo dia. As famílias fazem verdadeira via crucis de um profissional a outro, de uma clínica a outra, piorando a mobilidade urbana; isso sem entrar na questão da acessibilidade, que certamente ainda há muito a ser feito no país.


Clínicas bem estruturadas com foco no paciente e não em outros locais, certamente trarão qualidade de vida, alegria e esperança a esse grupo de pacientes, que poderá contribuir para uma nação mais justa e mais equânime do que a que estamos vivendo hoje.


Bibliografia


Botto LD, Moore CA, Khoury MJ et al. Neural-tube defects. N Engl 17. J Med. 1999 Nov 11; 341(20):1509-19.


Collange LA, Franco RC, Esteves RN et al. Desempenho funcional de crianças com mielomeningocele. Fisioterapia & Pesquisa 2008; 15(1); 58-63.


Copp AJ, Greene NDE. Neural tube defects – disorders of neurulation and related embryonic processes. Wiley Interdiscip Rev Dev Biol. 2013; 2(2):213-227.


Malcoe LH, Shaw GM, Lammer EJ et al. The effect of congenital anomalies on mortality risk in white and black infants. Am J Public Health. 1999; 89:887-892.


Santos LMP, Lecca RCR, Cortez-Escalante JJ et al. Prevention of neural tube defects by the fortification of flour with folic acid: a population-based retrospective study in Brazil. Bull World Health Organ 2016; 94:22-29.


Zanon N, Grecco LAC, Caselato GCR, Pedreira D. Neurocirurgia fetal – Atualidades e perspectivas. Revista Brasileira de Neurologia e Psiquiatria, 2014; 18(3):130-138.

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