Minicérebros de Laboratório | Uma Revolução na Medicina?
- 28 de jul de 2016
Cientistas brasileiros têm usado os chamados organoides cerebrais, ou minicérebros – estruturas tridimensionais milimétricas criadas em laboratório a partir de células-tronco pluripotentes induzidas –, para entender a relação entre a infecção pelo Zika vírus e o desenvolvimento de microcefalia. Uma dessas pesquisas, desenvolvida pelo Dr. Stevens Rehen, pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Instituto D’Or de Pesquisa e Ensino (IDOR), foi divulgada recentemente pela revista Science. Nesta entrevista, o autor sênior da pesquisa aborda o histórico dessa técnica e suas perspectivas.
Qual é o histórico do uso dos minicérebros, ou organoides cerebrais, de laboratório?
Desde 1950, pesquisadores buscam formas de cultivos celulares que simulem melhor a organização dos tecidos do corpo humano e dos animais em geral. Em Nova York, Aaron Moskona começou a fazer cultivos celulares misturando células de embriões de galinhas com células de camundongos, e observou a existência de uma auto-organização que dependia da espécie da qual era originada a célula.
Depois, vieram outros que também trabalharam com culturas celulares tridimensionais (3D). Um deles foi o pesquisador brasileiro Fernando Garcia de Melo, da UFRJ, que fez várias contribuições importantes sobre a organização do sistema neuroquímico de formação do cérebro, a partir de agregados celulares.
Em 2000, já se usavam células-tronco embrionárias humanas para criar organoides e protótipos de retinas e cérebro. Madeline Lancaster, na Áustria, foi a primeira pesquisadora a cultivar organoides cerebrais humanos com um grau de complexidade que não era observado antes, um marco para os estudos de biologia celular.
Recentemente, sua pesquisa foi divulgada em âmbito mundial. O sr. poderia comentar sobre esse trabalho?
A partir de células-tronco humanas reprogramadas, criamos organoides cerebrais, também conhecidos como minicérebros, com algumas semelhanças com o cérebro humano em desenvolvimento. O passo seguinte foi infectar essas estruturas com o Zika vírus, a fim de observar as consequências para a formação do cérebro fetal. Descrevemos que esse vírus foi capaz de infectar e matar células-tronco neurais, provocando alterações drásticas no desenvolvimento dos organoides cerebrais, o que nos fez concluir que havia relação direta entre a infecção e a microcefalia.
Quais são os próximos passos dessa pesquisa?
Em ciências, temos sempre vários próximos passos. Fizemos essa primeira comunicação mundial. Agora, precisamos entender, dentro dos organoides, quais células são infectadas, para testar medicamentos capazes de impedir as consequências da infecção. Trata-se de uma técnica que nos permite abordagens experimentais com muitas possibilidades.
Qual é a estrutura laboratorial necessária para o desenvolvimento dessa técnica e quais centros mundiais a estão utilizando?
Temos um laboratório bem-equipado, com uma plataforma biotecnológica para reprogramação e cultivo de células. Existem grandes centros de pesquisa que estudam células-tronco reprogramadas nos EUA, no Japão e na Europa. No Brasil, temos uma rede nacional de terapia celular, com mais de 15 laboratórios que trabalham com células-tronco. Quanto ao uso de organoides cerebrais na pesquisa, é uma tecnologia que precisa ser mais disseminada em nosso país. No exterior, essa tecnologia está sendo cada vez mais incorporada à rotina dos laboratórios, contribuindo de modo importante para o entendimento de doenças como o autismo, a esquizofrenia e a infeção por Zika vírus.
Que outros campos são também foco desse modelo experimental?
Hoje, é possível gerar organoides experimentais para simular o desenvolvimento de coração, fígado, pulmão, intestino etc. Nossos órgãos são compostos por células interligadas em um nível de complexidade que ainda não conseguimos simular com 100% de precisão em laboratório, mas, com o advento desses organoides, conseguiremos trabalhar melhor.
Outra perspectiva, de médio e longo prazos, é considerar esses organoides como fonte para transplantes. O grande desafio será fazê-los crescer. Eles têm, em média, de 2 a 4 mm. Órgãos são muito maiores que isso. Será preciso inserir um sistema de vascularização que leve sangue e nutrientes para dentro desses organoides. Alguns cientistas já estão tentando tal sofisticação na abordagem.
Quais são as perspectivas futuras, no Brasil e no mundo, do uso dessa técnica?
O objetivo é ter uma simulação mais fidedigna do desenvolvimento dos órgãos humanos, o que nos permitirá reduzir o uso de animais em pesquisas e acelerar a identificação de medicamentos por meio da medicina personalizada. Isso significa que, por meio do isolamento de células de um paciente específico, será possível reprogramá-las, criando em laboratório um modelo com as características genéticas do próprio paciente. Se o medicamento demonstrar efeito no modelo, poderá acelerar a realização de testes clínicos e, futuramente, o transplante de órgãos.
Enfim, acredito que os organoides cerebrais representem excelentes modelos para a investigação de distúrbios de neurodesenvolvimento, uma vez que podem simular em laboratório várias características do crescimento do cérebro humano, ajudando-nos a desvendar os mecanismos de diversas doenças e identificar novos tratamentos.