Novas Definições e Classificações da Lesão Renal Aguda

Novas Definições e Classificações da Lesão Renal Aguda

Por Dr. Igor Denizarde – Lesão renal aguda (LRA) é uma situação frequente em hospitais e unidades de terapia intensiva (UTI), em geral definida como uma redução abrupta da filtração glomerular que leva a aumento de escórias nitrogenadas (ureia e creatinina), distúrbios do equilíbrio acidobásico e alterações hidroeletrolíticas. Trata-se de uma síndrome clínica ampla que apresenta diversas etiologias, incluindo doenças renais específicas (nefrite intersticial aguda, glomerulopatias e vasculites), condições não específicas (lesões isquêmicas ou tóxicas) e doenças extrarrenais. Frequentemente, mais de uma dessas condições pode coexistir no mesmo paciente. Desse modo, nos últimos anos, o conceito de LRA vem se aprimorando, bem como as estimativas a respeito de sua incidência, prevalência e mortalidade.


Evidências epidemiológicas atuais demonstram que mesmo casos de LRA reversível apresentam consequências clínicas importantes, como a evolução para doença renal crônica (DRC), e que pequenas elevações da creatinina sérica estão associadas, de modo independente, ao aumento da mortalidade, sendo, portanto, incorporadas à definição atual de LRA.


Durante anos, a LRA recebeu diversas definições, que variaram amplamente entre os estudos, adotando-se aumentos absolutos ou relativos nos valores de creatinina sérica basal, podendo a falta de padronização das definições explicar as diferenças nas taxas de incidência da LRA e dos diferentes desfechos associados a ela. A nomenclatura dessa síndrome complexa também foi aprimorada para se tornar mais abrangente e contemplar seus diferentes estágios: o termo LRA (do inglês acute kidney injury) foi preferido em relação à insuficiência renal aguda (do inglês acute renal failure). Dessa maneira, uma definição uniforme de LRA fez-se necessária para que fosse possível aplicá-la tanto na prática clínica quanto em pesquisas, possibilitando o reconhecimento precoce e um tratamento consistente dentro dos sistemas de saúde. Essa definição, idealmente, tem como principais características:


  • Baixa complexidade, possibilitando a fácil memorização
  • Boa correlação entre os estágios e o desfecho final
  • Sensibilidade e especificidade altas para o diagnóstico
  • Baixo custo.

A necessidade de descrever, identificar e diagnosticar a LRA com precisão desencadeou o desenvolvimento de um sistema de classificação multidimensional, que caracteriza a gravidade da LRA. Embora se reconheçam as limitações da creatinina e do débito urinário (DU) na detecção precoce e na estimativa da gravidade da LRA, esses marcadores constituem a base dos critérios diagnósticos atuais de LRA, enquanto se buscam novos biomarcadores mais sensíveis e específicos.


O fato de não haver uma definição padrão de LRA provocava confusão e dificultava comparações entre os diversos estudos realizados na área. Como resposta a essa situação, especialistas formaram um grupo de trabalho, o Acute Dialysis Quality Initiative (ADQI), visando a padronizar e uniformizar critérios para a definição e classificação da LRA. Esses critérios receberam o acrônimo de RIFLE: risk (R: risco), injury (I: injúria), failure (F: falência), loss (L: perda mantida da função) e end-stage kidney disease (E: insuficiência renal terminal).


A LRA foi definida como um aumento maior ou igual a 50% em relação ao valor basal e/ou queda maior ou igual a 25% da taxa de filtração glomerular (TFG) e/ou uma diminuição do DU inferior a 0,5 ml/kg/h por 6 h ou mais. O elemento “agudo” da definição requer que o aumento da creatinina ocorra em um intervalo menor ou igual a 7 dias.


Nos anos seguintes à publicação da classificação RIFLE, alguns estudos demonstraram que pequenas alterações na creatinina eram um fator independente associado ao aumento da mortalidade. Chertow et al. estudaram 9.210 pacientes admitidos em um único centro. A análise multivariada mostrou que o aumento de creatinina ≥ 0,3 mg/dl estava associado a um risco de morte aproximadamente 4 vezes maior durante a internação. Embora a causalidade não esteja completamente estabelecida, esse e outros estudos indicam que os pacientes não morrem com LRA, mas de LRA.


Em 2007, o Acute Kidney Injury Network (AKIN) publicou uma nova classificação de LRA para adultos, uma evolução do RIFLE. Risco, lesão e falência tornaram-se, respectivamente, os estágios 1, 2 e 3, e um aumento de 0,3 mg/dl na creatinina em 48 h foi incluído no estágio 1. A TFG foi retirada, bem como os estágios de perda e doença renal terminal, que se tornaram desfechos, e não mais estágios.


Os dois sistemas de definição para LRA (RIFLE e AKIN) diferem em alguns aspectos principais, como mostra a Tabela 1.


Tanto para estadiamento AKIN quanto para os critérios de RIFLE somente um critério (aumento de creatinina ou queda no DU) necessita ser preenchido. A classificação é baseada no pior critério, seja na queda da TFG estimada, seja em oligúria. A queda na TFG estimada é calculada a partir do aumento da creatinina sérica com relação aos níveis basais. Para AKIN, o aumento da creatinina sérica deve ocorrer em 48 h; para RIFLE, a LRA deve ser tanto abrupta (1 a 7 dias) quanto sustentada (> 24 h).


As diretrizes do Kidney Disease Improving Global Outcomes (KDIGO), publicadas em 2012, incorporam os critérios RIFLE e AKIN. Assim, o aumento absoluto da creatinina sérica basal (≥ 0,3 mg/dl) é mantido a partir da definição AKIN (48 h), enquanto o intervalo de tempo para um aumento ≥ 50% da creatinina sérica basal é definido em 7 dias, inicialmente incluídos nos critérios de RIFLE.


Tabela 1 Comparação entre os critérios de RIFLE e AKIN para diagnóstico e classificação de LRA.DRCT: doença renal crônica terminal.



DRCT: doença renal crônica terminal


De acordo com o KDIGO, a LRA é definida por uma das seguintes características:


  • Aumento da creatinina sérica ≥ 0,3 mg/dl dentro de 48 h
  • Aumento da creatinina sérica ≥ 1,5 vez o valor basal conhecido ou que se presume ter ocorrido dentro dos últimos 7 dias
  • DU < 0,5 ml/kg/h durante 6 h.

O KDIGO também modificou o critério do estágio 3, incluindo qualquer aumento de creatinina maior ou igual a 4,0 mg/dl, quando houver aumento de 0,3 mg/dl em 48 h ou aumento maior ou igual a 50% em 7 dias. Isso faz com que pequenos aumentos de creatinina possam ser classificados como estágio 3, em pacientes com DRC, e como estágio 1, em pacientes sem DRC.


A detecção da LRA é baseada em uma alteração precoce dos marcadores (creatinina e DU) e precisa ser feita em tempo real. Os diferentes estágios da LRA servem para determinar o máximo de gravidade, indicado, por exemplo, pelo valor máximo de creatinina. O estadiamento da LRA é recomendado pelo KDIGO, em virtude de o conjunto de evidências atuais associar o estágio da LRA à necessidade de terapia renal substitutiva (TRS), com risco, a longo prazo, de desenvolvimento de doença cardiovascular, evolução para DRC e mortalidades intra e extra-hospitalares, mesmo após a aparente resolução da LRA.


Bibliografia


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