O curso de Medicina como fonte de ansiedade

O curso de Medicina como fonte de ansiedade

Por Dr. Celmo Celeno Porto – Este é um tema delicado, mas é necessário abordá-lo: o curso de Medicina pode ser fonte de ansiedade? Ao que eu saiba, quem primeiro levantou a questão do curso de Medicina como gerador de tensões e ansiedades foi o educador George Miller, autor do famoso livro Pedagogia Médica, cuja 1a edição em português foi publicada em 1967 e teve grande influência na formação de professores de medicina daquela época.


Miller salientava que, em princípio, cada estudante reagia a essas tensões de acordo com sua maturidade emocional. Mas, diversos fatores participavam da maneira de reagir. É importante que se saiba, desde logo, que muitas dessas tensões são inevitáveis e boa parte delas se dissipam naturalmente sem maiores consequências à medida que avança no curso.


É comum os estudantes verificarem que, para numerosas doenças, não existe tratamento eficaz, e o médico nada mais faz que aliviar os sintomas e acompanhar a evolução da enfermidade, pouco ou nada alterando sua história natural. Essa constatação pode causar profunda decepção àqueles que, em suas fantasias de adolescentes, alimentadas por personagens de televisão, cinema e obras literárias, idealizam o médico como um profissional quase onipotente, capaz de influir decisivamente sobre a saúde e a doença, a vida e a morte. Sentem-se frustrados, como alguém que foi ludibriado na escolha de uma carreira.


No mundo midiático, o médico como herói é apenas fruto da imaginação de roteiristas e diretores. É necessária maturidade para abandonar esta visão fantasiosa e reagir de maneira saudável a esse sentimento de frustração, adaptando-se à dura realidade da profissão médica. Isso, em nada, obscurece a beleza da medicina como profissão.


Alguns estudantes ameaçam até abandonar o curso e alguns de fato o fazem. Poucos são os que retomam um curso abandonado por decepção ou frustração, nos primeiros contatos com cadáveres e doentes.


Outra fonte de ansiedade é constatar o valor relativo de todas as afirmativas em Medicina. É necessário compreender que nada existe de absoluto: os mesmos sintomas podem decorrer de doenças diferentes, induzindo a erros; a mesma doença pode produzir sintomas diversos, provocando confusão e equívocos. Cada paciente é um universo particular com apenas alguma semelhança com outro. Cada paciente responde de maneira particular ao mesmo tratamento. Por tudo isso, não há como negar que as verdades em Medicina são relativas e provisórias. E isso nos obriga a conviver com dúvidas e incertezas.


Ao verificar divergências entre professores sobre condutas, seja na investigação diagnóstica, seja na proposta terapêutica, o estudante pode se sentir desorientado, sem saber em quem acreditar. O estudante imaturo pode reagir com hostilidade, desejando no íntimo estar matriculado em outra escola, onde os professores lhe dessem uma orientação segura! Isso, por certo, provoca ansiedade em quem está buscando aprender como diagnosticar as doenças e como tratar os doentes. Tal comportamento é normal em uma pessoa ainda emocionalmente dependente, que se sente insegura e necessita de apoio.


Esta situação, entretanto, longe de ser prejudicial, é benéfica, pois, desde o início do processo de tornar-se médico, é importante que os estudantes sejam alertados para as incertezas da Medicina, para que desenvolvam juízo crítico e discernimento, para que não fiquem, mais tarde, aprisionados em esquemas, normas, diretrizes, que passam a aceitar passivamente. Aliás, “olho clínico” é a capacidade de encontrar o melhor caminho para uma boa prática médica, apesar das incertezas e limitações.


Outra fonte de ansiedade é a tomada de consciência da extensão de conhecimentos que se necessita adquirir no reduzido tempo de que se dispõem. Os professores podem contribuir para agravar a situação, pois são especialistas em determinado setor e alguns querem que os alunos sejam “semi especialistas”, porque eles próprios não têm uma visão do que é essencial no aprendizado da medicina. Aliás, esses são os que merecem a definição jocosa de especialista, assim enunciada: “especialista é aquele que sabe cada vez mais de cada vez menos até que um dia saiba quase tudo de quase nada”. Uma das consequências dessa visão estreita de muitos docentes é o estimulo à especialização precoce. Fazem isso na melhor das intenções porque acreditam que esta é a única maneira de exercer a profissão médica.


Não deixa de ser outra fonte de ansiedade o convívio com professores pesquisadores que estão mais interessados na observação dos fatos do que no cuidar dos doentes. Como não se pode dissociar o ensino da pesquisa e onde não há pesquisa o ensino tende a deteriorar-se, a participação dos estudantes da Medicina é salutar e deve ser estimulada. A meu ver, é perfeitamente conciliável uma boa prática médica com investigação clínica.


Com o passar do tempo e, se houver boa orientação, a ansiedade não lhe causará grande sofrimento, talvez umas noites de insônia, que devem ser aproveitadas lendo alguns versos de Fernando Pessoa, Manuel Bandeira, Cora Coralina, Pablo Neruda, Walt Whitmam ou de Adélia Prado… Ou vendo um bom filme… Ou namorando!



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