O dilema da doença carotídea assintomática

O dilema da doença carotídea assintomática

Por Dr. Rogério Abdo Neser – O manejo da doença carotídea extracraniana tem sido foco de interesse há mais de 50 anos, desde a introdução da endarterectomia de carótida (EC) para prevenção do acidente vascular cerebral isquêmico (AVCI). Apesar do entusiasmo inicial, a EC não mudou a evolução do AVCI instalado, e somente no fim da década de 1960 foi estabelecido o papel da EC no tratamento do ataque isquêmico transitório (AIT) – os sintomas neurológicos decorrentes de fenômenos embólicos que revertem completamente em 24 horas. Com o passar dos anos, a técnica da EC foi ganhando refinamentos, e foram incluídos no rol dos candidatos à cirurgia pacientes assintomáticos, porém com estenoses carotídeas extracranianas graves.


Como a evolução não para, nas últimas décadas, testemunhamos o aparecimento e o aperfeiçoamento de uma nova ferramenta para o tratamento da doença oclusiva extracraniana: angioplastia com colocação de stent (ACS). Essa “nova” modalidade de tratamento é considerada por muitos uma terapia minimamente invasiva, entretanto a ACS não mostrou redução global no número de complicações e de mortalidade no longo prazo em comparação com a EC.


Nos Estados Unidos, 90% das intervenções, em 2011, foram realizadas em pacientes assintomáticos, em um universo de 135 mil pacientes tratados.


Há literatura farta tanto favorável, quanto desfavorável à intervenção no universo de pessoas sem sintomas neurológicos. No entanto, nem sempre o procedimento é justificado, pois a intervenção não é isenta de riscos de isquemia cerebral.


Na análise dos estudos mais antigos (NASCET, ACAS, ECST, VACS), todos recomendam EC para pacientes assintomáticos com estenose de pelo menos 60%. Entretanto, é de fundamental importância considerar a expectativa de vida desses pacientes, idade, comorbidades e sexo (não está bem certo se as mulheres se beneficiam tanto quanto os homens da EC). Levar em conta o risco para um grupo de pacientes é diferente de considerar para um paciente em particular.


Além disso, nem todos os centros apresentam os mesmos índices de complicações relacionadas ao procedimento. Portanto, considerar o tratamento de pessoas que não apresentam sintomas neurológicos está relacionado a uma responsabilidade enorme. Equipes médicas com baixo volume de procedimentos ou sem um treinamento substancial devem se questionar antes de realizar o procedimento.


Outro ponto fundamental é quando indicar a pesquisa da estenose carotídea em pacientes assintomáticos. De acordo com os Guidelines da Society for Vascular Surgery (SVS), The American Society of Neuroimaging, American Stroke Association/AHA Stroke Concil, entre outras sociedades médicas importantes, só é custo-efetiva a pesquisa em populações cujo risco de AVCI for maior ou igual a 20%. Portanto, fazer o rastreamento da população geral não é custo-efetivo.


Então, quem seriam os candidatos assintomáticos a uma avaliação por exame de imagem da bifurcação carotídea? As diretrizes recentes sugerem a pesquisa apenas em populações específicas, como pessoas acima de 60 anos, hipertensos, portadores de doença coronariana, tabagistas – na época da avaliação, diabéticos, portadores de doença arterial periférica ou familiares em primeiro grau de vítimas de AVCI. Neste grupo, como era de se esperar, o risco é tanto maior quanto mais fatores estejam presentes.


Além disso, as diretrizes da SVS recomendam não fazer a triagem nos pacientes que apresentam sopro carotídeo isoladamente, ou seja, sem fatores de risco para doença aterosclerótica ou doença periférica ou coronariana instalada. Da mesma forma, o screening para doença carotídea assintomática em pacientes candidatos a reparo de aneurisma da aorta abdominal (AAA) também parece somente efetivo quando outros fatores de risco estejam presentes; diga-se de passagem, é muito fácil encontrar pacientes portadores de AAA hipertensos, coronariopatas etc.


Devemos avaliar a indicação da pesquisa das estenoses carotídeas com fundamentos objetivos, principalmente para não sobrecarregarmos desnecessariamente os serviços de saúde com uma avalanche de exames, que não são custo-efetivos, e também para estimular os nossos residentes a refletirem antes de solicitar algum exame. A medicina moderna está vinculada a inúmeros exames extremamente úteis e muitas vezes indispensáveis, porém o critério para solicitar estes exames deve ser muito bem sedimentado para não nos tornarmos robôs e muitas vezes solicitarmos exames sem sabermos para que servem.


Também é necessária a reflexão quando estivermos em frente a um paciente assintomático: vale o risco de indicar o tratamento? Em pleno século XXI, com a disponibilidade de antiagregantes potentes e estatinas eficientes, o best medical treatment não deve ser negligenciado.


 


 


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