O Eletrocardiograma do Atleta

O Eletrocardiograma do Atleta

Por Dr. Eduardo Barbosa – A bradicardia sinusal em repouso é uma das manifestações eletrocardiográficas mais comuns em atletas, sendo a frequência cardíaca (FC) inversamente relacionada ao nível de condicionamento aeróbico (1-2). Em atletas de alta performance é comum o encontro de FC menor que 50 batimentos por minuto (bpm), seja com ritmo sinusal ou com escapes juncionais. Episódios mais acentuados de bradicardia como FC entre 30 e 40 bpm e episódios de assistolia de até 3 segundos em vigília podem estar relacionados a intenso tônus vagal e ser considerados variantes normais em atletas com alto grau de condicionamento aeróbico (3-7).


O intervalo P-R é frequentemente igual ou superior a 200 ms e deve encurtar para valores inferiores a 200 ms durante o exercício (8). O bloqueio atrioventricular de segundo grau tipo Mobitz I também pode ocorrer, sendo relativamente comum em atletas de alto nível (3-5, 9-10, 11). Seus episódios são mais frequentes durante o sono e a relação atrioventricular durante o bloqueio é usualmente maior que 3/2.


Atualmente, o biotipo longilíneo predomina em atletas de modalidades esportivas aeróbicas, fazendo com que o eixo de ativação ventricular no plano frontal seja, em média, mais verticalizado em relação aos não atletas. Ondas S mais pronunciadas em D1, D2 e D3 ou retardos da onda S em V1 traduzindo possível alentecimento da condução pelo ramo direito podem ser encontrados e são aproximadamente quatro vezes mais comuns em atletas em relação a indivíduos sedentários (1). Sua origem pode estar na sobrecarga volumétrica do ventrículo direito com aumento do estresse diastólico sobre o ramo direito do feixe de His.


A amplitude dos complexos QRS de atletas é, em média, 10% a 15% superior à dos indivíduos sedentários normais (4-5, 12-13, 14) e isso se deve a um esperado aumento da massa miocárdica resultante da hipertrofia excêntrica que pode se apresentar em modalidades esportivas aeróbicas e isotônicas que trabalham com grandes pré-cargas hemodinâmicas (6). A hipertrofia excêntrica é secundária à replicação em série dos sarcômeros, promovendo um aumento global da massa miocárdica sem necessariamente ocorrer aumento de espessura das paredes.


A elevação do ponto J e segmento ST ocorre frequentemente em atletas bem treinados. O típico supradesnivelo de ST tem concavidade superior, magnitude de 1 mm a 3 mm (1, 4, 7), embora possam ocorrer elevações de até 4 mm a 5 mm (12). As derivações precordiais são as que mais frequentemente apresentam essas alterações, a repolarização inicia precocemente e as ondas T são positivas e eventualmente de alta amplitude (15). Ondas T negativas em precordiais podem ser encontradas em cerca de 10% dos atletas (3, 8, 16). São mais comuns na etnia negra e em idade menor que 30 anos. Geralmente representam persistência do padrão juvenil de repolarização.


Com relação ao intervalo QTc, alguns autores demonstraram valores superiores em atletas (7, 14, 17), enquanto outros (11, 13) não encontraram diferença entre atletas e não atletas. O intervalo QTc máximo apresentado em esportistas de alta performance foi de 470 ms (11). Presença de onda U é relativamente comum em indivíduos com alto grau de condicionamento físico e não deve ser incluída na aferição do intervalo QT (1, 15).


Algumas alterações eletrocardiográficas em atletas, embora possam ocorrer em indivíduos altamente treinados, são incomuns e também fazem parte de um espectro de cardiopatias que muitas vezes se caracterizam pela latência de manifestações clínicas até a terceira década de vida. Essas alterações, que merecem uma avaliação cardiológica mais rigorosa, são as seguintes:


1) Bradiarritmias com frequência de escape inferior a 30 bpm ou períodos de assistolia maiores que 3 segundos em vigília.


2) Supradesnivelo de ST acentuado e horizontal ou com convexidade superior.


3) Ondas T negativas em derivações precordiais e em D1 e aVL. Embora a inversão de onda T possa ocorrer em cerca de 10% dos atletas, deve-se afastar a possibilidade de cardiomiopatia, em especial a cardiomiopatia hipertrófica no caso de inversões assimétricas de onda T e a displasia arritmogênica do ventrículo direito, principalmente nos casos de distúrbios de condução de ramo direito com presença em V1 de pequena e espessa segunda onda R (onda épsilon). Deve-se ainda afastar a possibilidade de doença coronária em atletas com mais de 30 anos.


4) Prolongamento do intervalo QTc além de 470 ms, principalmente em crianças e adolescentes.


Referências


  1. Holly RG, Shaffrath JD, Amsterdam EA: Electrocardiographic alterations associated with the hearts of athletes. Sports Med 25(3):139-48, 1998.
  2. Klemola E: Electrocardiographic observations on 650 finnish athletes. Ann Med Finn 40:121-32, 1951.
  3. Venerando A, Rulli V: Frequency morphology and meaning of the electrocardiographic anomalies found in olympic marathon runners and walkers. J Sport Med Phys 4:135-41, 1964.
  4. Sharma S, Whyte G, Elliot P et al: Electrocardiographic changes in 1000 highly trained junior elite athletes. Br Sports Med 33(5):319-24, 1999.
  5. Bjornstad H, Storstein L, Dyre Meen H et al: Electrocardiographic findings of heart rate and conduction times in athletic students and sedentary control subjects. Cardiology 83(4):258-67, 1993.
  6. Bjornstad H, Smith G, Storstein L et al: Electrocardiographic and echocardiographic findings in top athletes, athletic students and sedentary controls. Cardiology 82(1):66-74, 1993
  7. Bjornstad H, Storstein L, Dyre Meen H et al: Electrocardiographic findings of repolarization in athletes students and control subjects. Cardiology 84:51-60, 1994.
  8. Pelliccia A, Maron BJ: Athlete`s heart electrocardiogram mimicking hipertrophic cardiomyopathy. Curr Cardiol Rep 3(2):147-51, 2001.
  9. Gibbons L, Cooper K, Martin R et al: Medical examination and electrocardiographic analysis of elite distance runners. Ann N.Y. Acad. Sci., 301:283-296, 1977.
  10. Ginefra P, Barbosa EC, Rocha PJ et al: Avaliação do intervalo P-R no limite máximo normal e prolongado com QRS estreito. Arq Bras Cardiol 56(3):207-11, 1991.


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