O impacto do sintoma-doença dor em diferentes especialidades

O impacto do sintoma-doença dor em diferentes especialidades

A dor é responsável por mais de 80% das consultas médicas, podendo acometer qualquer pessoa ao longo da vida, independentemente de gênero, faixa etária ou classe social. De acordo com o seu grau e constância, a dor tem a capacidade de interferir direta e indiretamente na qualidade de vida do paciente, comprometendo a integridade física e mental de quem convive com ela.


Apesar de ser comum, é preciso entender que a dor não é normal e representa um aspecto importante na condução do tratamento do doente, para além das terapias focadas na doença em si. Hoje, a formação acadêmica em medicina não contempla uma grade consistente para o manejo da dor, sendo necessárias especializações paralelas.


Embora nem sempre seja fácil quantificar a dor, e o relato de cada paciente possa variar bastante de acordo com sua cultura (pessoas de origem oriental costumam ser mais contidas ao expressar dor do que as de origem latina, por exemplo), é importante acolher a queixa do paciente porque é ele quem a identifica de acordo com o seu sofrimento.


Para isso, a aferição da dor já tem sido estabelecida nos prontos atendimentos como o sexto elemento vital de anamnese. Apesar de configurar um instrumento simples, a escala da dor é um grande apoio didático. Ademais, outros sintomas ou sinais podem ajudar o profissional de saúde a identificar o grau da dor, como palidez, sudorese e alteração da pressão arterial, comuns durante crises mais fortes. Em alguns portadores de dores crônicas ainda é possível identificar edema (inchaço), mudança na cor da pele (cianose) e alterações em cabelos, pelos e unhas.


Investigando a origem da dor

Entre os tipos de dores mais complexas a se tratar, está a do tipo crônico. Em geral, está associada a doenças igualmente crônicas e que são tratadas por diversas especialidades. Entender suas origens é, portanto, essencial para a melhor condução do quadro como um todo. A seguir, destacam-se algumas doenças crônicas (comuns e outras nem tanto), mas bastante negligenciadas no atendimento pleno de suas necessidades.


- Lombalgia

Está relacionada com diversas disfunções ou doenças da coluna que podem gerar dor, aguda ou crônica, como traumas, entorses, má posição ou má-formação (escoliose, lordose e cifose), sobrepeso, processos degenerativos (p. ex., hérnia de disco, espondilolistese, mielopatia cervical, artrose, entre outras) e tumores.
Está entre as principais causas de dor da população em geral, sendo uma das mais frequentes razões de abstenção do trabalho.
O tratamento varia de acordo com a intensidade e origem da dor, mas em geral contempla medicamentos analgésicos orais e injetáveis, fisioterapia e outras terapias de readequação postural e fortalecimento muscular. Cerca de 5% dos casos, porém, necessitarão de procedimentos cirúrgicos.


- Enxaqueca crônica

A dor de cabeça ou cefaleia compreende mais de 150 tipos e tem prevalência média de acometimento de 70,6%/ano na população do Brasil. Entre os diferentes tipos de dor de cabeça está a enxaqueca crônica, considerada a terceira doença mais prevalente e a sétima que mais incapacita no mundo. Caracterizada por dor latejante em apenas um lado da cabeça, que ocorre de 8 a 15 dias ou mais, no período de um mês, estendendo-se durante 3 meses ou mais, a enxaqueca crônica frequentemente afeta a realização de atividades simples do dia a dia. Na fase crítica, é comum o paciente desenvolver sintomas de intolerância a luz, som e cheiros fortes, além de náuseas e vômito. Embora não tenha cura, é possível diminuir o número e a intensidade dos episódios de enxaqueca crônica com medicação preventiva e mudança de hábitos de vida (alimentação, atividade física e manejo de estresse e ansiedade). São casos geralmente complexos que requerem acompanhamento para possíveis readequações.


- Fibromialgia

A fibromialgia tem causa desconhecida e é caracterizada por dores generalizadas por todo o corpo, interferindo de modo muito importante na qualidade de vida de quem convive com a doença. Por ter sintomas similares a de outras doenças e não poder ser visualizada em exames médicos comuns, como hemograma, urinálise ou de imagem (p. ex., radiografia e tomografia), pode levar anos para ser diagnosticada por médicos que não tenham familiaridade com a doença.
O diagnóstico da fibromialgia se ancora na confirmação de pelo menos 11 pontos dolorosos no corpo (de 18 testados), somados a outros sintomas como distúrbio do sono e depressão. A relação de sono e depressão com a doença pode ser de causa ou consequência, uma vez que ela interfere nas atividades como um todo, criando um ciclo de disfunção física e emocional.
O tratamento de base da fibromialgia é medicamentoso (analgésicos, antidepressivos e anticonvulsivantes), a fim de ativar as vias de supressão da dor. Junto à terapia medicamentosa é importante orientar o paciente para a prática de atividades físicas e contar com apoio de um profissional da área da saúde mental para ajudar no enfrentamento das limitações causadoras da doença. Em casos extremos, em que as terapias convencionais não são suficientes para o alívio das crises de dor, podem ser indicados procedimentos minimamente invasivos, como inserção de bomba de analgésicos, em que a medicação é acionada eletronicamente pelo paciente e liberada diretamente na corrente sanguínea para entrar em contato com receptores no sistema nervoso central.


- Neuralgia do trigêmeo

Atingindo de 3 a 5 pessoas em cada 100 mil/ano, com maior prevalência no sexo feminino e com idade superior a 50 anos, a neuralgia do trigêmeo caracteriza-se por uma dor súbita e intensa, geralmente de um lado da face, como um choque elétrico ou espasmo muscular na distribuição dos ramos nervosos da mandíbula, maxilar e olhos.


A origem do nervo do trigêmeo é na base do encéfalo, em uma estrutura denominada ponte e que faz parte do tronco cerebral. Após conexão com o gânglio trigeminal (gânglio de Gasser), distribui-se em três ramos – oftálmico, maxilar e mandibular –, inervando sensitivamente a face em toda sua porção externa e interna (gengivas, dentes, mucosa oral, terço antes de córnea). Em 95% dos casos, a neuralgia do trigêmeo é considerada idiopática, ou seja, sem causa orgânica definida. Nos outros 5% é desencadeada por tumores (Schwanomas), meningiomas, metástases encefálicas, aneurisma, má-formação arteriovenosa e esclerose múltipla.


Algumas hipóteses também relacionam a doença com tratamentos dentários que possam causar sensibilização dos nervos. Devido a alguns de seus sintomas inicialmente serem semelhantes aos problemas de articulação temporomandibular (ATM) e dentário, a doença pode ter seu diagnóstico dificultado a ponto de ser comum os pacientes terem seus dentes extraídos ou serem indicados para uso de aparelhos para bruxismo, sem apresentar resultados.


O tratamento inicial da neuralgia do trigêmeo é medicamentoso, mas quando não apresenta resultados efetivos, o paciente é direcionado para o tratamento cirúrgico.

Entre as técnicas operatórias existentes, a considerada mais simples e eficaz é a cirurgia de compressão do gânglio de Gasser. Trata-se de um procedimento minimamente invasivo que introduz um fino cateter na região trigeminal com um microbalão em sua extremidade, que é inflado ao nível do gânglio para gerar um isolamento da região nervosa e interromper a geração da dor. O procedimento tem duração média de 7 minutos, podendo ser realizado ambulatoriamente, com o paciente recebendo alta no mesmo dia. A técnica apresenta 98% de eficácia, mas pode haver recidiva em 30% dos casos, levando a uma nova operação.


- Dor neuropática

A dor neuropática periférica é decorrente da lesão de plexos nervosos, raízes nervosas e nervos, fruto de alterações vasculares e danos metabólicos, sendo bastante comum em ocorrências que levam ao traumatismo dessas estruturas e também como consequência de outras doenças, como herpes-zóster, neuropatias por alcoolismo, desnutrição e diabetes.


Caracterizada inicialmente por uma forte queimação na região afetada, além de pontadas e/ou choques, a dor neuropática também pode ser desencadeada por estímulos simples, como contato com água e roupa, ou ainda apresentar sensação de dormência ou anestesia da área afetada.


Entre os diversos tratamentos existentes no Brasil, é possível proporcionar alívio da dor neuropática com medicações orais, inserção de bombas de morfina e por meio da neuroestimulação medular, neuroestimulação de troncos nervosos (plexo, raiz ou nervo) na qual são implantados eletrodos para a estimulação.


Além da melhora da condição dolorosa, há também benefícios para pessoas nas quais as causas evidenciam alterações da microcirculação, como os diabéticos crônicos.


- Dor visceral

A dor visceral é aquela que se origina nos órgãos internos do corpo. Ela é, na maioria das vezes, decorrente de doenças da própria víscera ou de outras enfermidades que acabam envolvendo estruturas viscerais, como tumores ou tratamentos invasivos que lesionam estruturas internas. Nessas enfermidades os órgãos mais afetados são coração, pâncreas, fígado, estômago, intestino, baço, útero, ovários, anexos da pelve e bexiga.


Tendo em vista o amplo espectro de doenças geradoras de dores crônicas, fica claro o vasto campo de exploração a ser trilhado pelos profissionais de saúde para contemplar um tratamento adequado que possa, de fato, proporcionar melhor qualidade de vida aos seus pacientes. É preciso saber que aliviar a dor, muitas vezes, é premissa para a melhor adesão ao tratamento da própria doença.


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