O papel do clínico geral no atendimento de problemas neurológicos na infância

O papel do clínico geral no atendimento de problemas neurológicos na infância

A presença de médicos especialistas na linha de frente do atendimento em saúde, seja em ambulatórios ou pronto-atendimentos, é rara, incomum e muitas vezes incompatível com determinadas áreas. A organização e a regulação dos sistemas que coordenam e gerenciam estes espaços priorizam a disponibilidade de profissionais médicos generalistas ou que representam amplos programas de atendimento sem privilegiar eixos específicos.

 

Entretanto, com os avanços neurocientíficos, as crescentes evidências em torno da importância em identificar sinais de risco para o neurodesenvolvimento e com a escalada cada vez maior da disponibilidade das informações em tempo real nas redes sociais, proporcionando um expressivo aumento do conhecimento especializado às pessoas, os médicos generalistas têm sido levados a se atualizarem e se capacitarem cada vez mais. Assim, mesmo na atenção primária, poderão entender como abordar casos mais complicados ou distantes de sua formação básica.1,2

 

Apesar da atenção primária não exigir condutas aprofundadas, é essencial que o médico da linha de frente saiba decidir sobre ações iniciais quando se depara com pacientes em que o diagnóstico definitivo precisa ser mais rápido e precoce. Em neurologia infantil, muitos casos precisam de adiantada identificação, pois o tratamento é decisivo para seu prognóstico. Condições ligadas ao neurodesenvolvimento e transtornos que, porventura, o afetem devem ser prioritariamente encaminhadas, pois as intervenções precoces reduzem as sequelas cognitivas, preservam o intelecto e a linguagem, além de permitir, a longo prazo, que a criança tenha a maior autonomia possível.3

 

O clínico deve sempre considerar que patologias neurológicas na infância costumam evoluir para comprometimentos significativos no comportamento, na aprendizagem escolar e nas habilidades adaptativas e sociais, podendo resultar em impactos negativos para toda a vida. Os transtornos de neurodesenvolvimento, por exemplo, podem levar à comorbidades depressivas, problemas de conduta, fracasso escolar e dissolução da harmonia familiar, além de aumentar os riscos de envolvimento com drogas, delinquência e problemas com a Justiça.4 Algumas evidências têm relatado até uma incidência maior de obesidade, hipertensão arterial e diabetes nestes grupos.5 O diagnóstico precoce é, portanto, essencial e o pronto encaminhamento pode fazer uma enorme diferença na evolução do status mental e na qualidade de vida.

 

O diagnóstico, na imensa maioria dos casos, reside apenas em aspectos clínicos e comportamentais e não há quaisquer sinais de alterações em exames neurofisiológicos, de laboratório e de imagem. Não existem ainda marcadores biológicos. As queixas trazidas pelos pais, cuidadores, parentes e agentes escolares devem sempre ser valorizadas e assimiladas durante a anamnese, exame físico e comportamental pois, ao delineá-los, muitas características pontuais e de maior significado pode dar valiosas pistas.6

 

Em uma medicina cada vez mais destinada às especialidades, à telemedicina e aos avanços tecnológicos, a contrapartida do atendimento primário não deixa de ter relativa importância. Ela tem também se transformado num agente relevante no campo da prevenção e da suspeita de problemas que, outrora, eram ignorados ou pormenorizados pela tradição ou pela ausência do conhecimento generalizado. 

 

Referências

 

  1. Noer C, Halpern R. O pediatra e a promoção do desenvolvimento infantil: otimizando a consulta pediátrica. Res Ped 2018; 8(3): 156-162.  
  2. Naguy A. A roadmap to clinical assessment and evaluation of ASD. J Fam Med Prim Care 2017; 6: 883-884.
  3. Zwaigenbaum L e cols. Early Screening of Autism Spectrum Disorder: Recommendations for Practice and Research. Pediatrics 2015;136: S41–S59.
  4. Ciasca SM, Rodrigues SD, Salgado-Azoni CA, Lima RF. Transtornos de Neurodesenvolvimento: da identificação precoce `as estratégias de intervenção. Ribeirão Preto: Book Toy, 2015.
  5. Fuemmeler BF et al. Association between ADHD and obesity and hypertension in early adulthood: a population-based study. Int J Obes (Lond) 2011; 35 (6): 852-862.
  6. Brites LMD & Brites C. Mentes Únicas. São Paulo: Gente, 2018

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