O que é ser um médico moderno?

O que é ser um médico moderno?

Vou iniciar esta carta com duas perguntas. A primeira: Você tem consciência de que a medicina é um conjunto de tradições, conhecimentos e técnicas que vêm se acumulando há mais de 2.000 anos? A segunda: O que é ser moderno em uma profissão tão antiga?


A medicina de hoje é fruto da evolução da humanidade, ou seja, não é apenas o resultado da descoberta dos microrganismos ou da invenção das máquinas que produzem imagens. Abrange tudo o que foi acontecendo com o ser humano, incluindo uma infinidade de coisas que foram criadas ao longo dos séculos – suas invenções, suas relações com o meio ambiente e o contexto cultural. Por incrível que pareça, nossa mente consegue, apoiando-se em elementos lógicos e intuitivos, utilizar todo este saber para aplicá-lo no alívio ou na cura do paciente que temos à nossa frente. Não tenha dúvida: nenhuma máquina jamais será capaz de fazer isso. Ser moderno, portanto, não é ter informações recentes ou dominar a última invenção técnica.


Não se pode negar que a possibilidade de reconhecer os mais diferentes aspectos do corpo humano ou suas modificações anatômicas e funcionais, com detalhes e precisão nunca antes imaginados, como ocorreu nas últimas décadas, fascinou os médicos a tal ponto que muitos pensaram – e alguns ainda pensam – que cuidar dos pacientes, tal como vem sendo feito desde os primórdios da medicina, teria que dar lugar à “mais nova tecnologia médica”. Estabeleceu-se um confronto que nos obriga a reavaliar, a cada momento, o que deve ficar e o que deve ser abandonado.


Em outras palavras: O que é ser moderno? Não resta dúvida de que muitos conhecimentos e procedimentos foram sendo superados – e precisam ser abandonados –, e isso nunca terá fim. A última novidade de hoje irá tornar-se obsoleta em alguns anos. Isso, na verdade, significa viver em permanente estado de transição, ora mais rápido, ora mais lento, às vezes bem evidente, outras vezes quase imperceptível. Como toda transição, essa situação faz nascer entre os médicos duas posições extremas: em uma, concentram-se os que se apegam cegamente, por comodidade ou por convicção – nem sempre se consegue saber – à maneira tradicional de exercer a profissão médica. Um exemplo sempre lembrado foi a recusa de muitos médicos do início do século passado em usar os raios X, então considerados invasores da intimidade dos pacientes! Por algum tempo, após sua descoberta em 1895, os raios X ficaram restritos a demonstrações populares por “troupes” de teatro ambulante que percorriam cidades da Europa e dos EUA, fazendo demonstrações que deslumbravam a população do interior. Na outra posição, aglomeram-se os que ficam deslumbrados, tal como os espectadores do interior dos EUA e da Europa, pelas novidades tecnológicas. O que é melhor? O que é pior? Nem uma posição nem outra. O melhor para os pacientes é o médico ter uma mente aberta, governada por um espírito crítico, para encontrar uma posição de equilíbrio, que consiste em adotar o novo sem medo de conservar o antigo. No caso, estou me referindo, é óbvio, a de um lado estar o exame clínico, que é antigo, mas sem nada que o substitui, e de outro, os recursos tecnológicos. Ser moderno, portanto, é agir de tal maneira que se consiga tirar do método clínico o máximo que ele pode oferecer (e somente o que ele pode oferecer), acrescentando-lhe a tecnologia com o melhor que ela tiver. Assim fazendo, vamos nos tornar mais eficientes sem perder nossa sensibilidade.


Além disso, é fundamental nunca perder de vista que há um lado da medicina, exatamente o que está mergulhado nas mais antigas tradições, que não se enquadra nos limites – e nas limitações – dos aparelhos e das máquinas, por mais maravilhosos que sejam, pois aí se encontra muita coisa indispensável ao nosso trabalho: a relação médico-paciente, as incontáveis maneiras de sentir, sofrer, interpretar o que se sente e de relatar o que se passa no íntimo de cada um, as nuances impressas pelo contexto cultural, a participação dos fenômenos inconscientes e as interferências do meio ambiente.


Ser moderno, portanto, é encontrar o equilíbrio entre o novo e o antigo, porque cuidar de pacientes com competência depende da consideração de todos esses fatores.


Em suma, a ação do médico não pode ficar aprisionada no último avanço tecnológico, tampouco voltar aos atos mágicos dos pajés e xamãs. Isso é ser moderno.



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