O que falta para a Telemedicina se tornar Medicina?

O que falta para a Telemedicina se tornar Medicina?

O uso das novas tecnologias no relacionamento entre médico e paciente ainda provoca muita discussão no setor de saúde brasileiro. Recentemente, o anúncio do serviço de consultas médicas on-line pela seguradora Amil, em parceria com o Hospital Albert Einstein, por meio de aplicativo (app), virou alvo de sindicância para apuração de irregularidades pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo (CREMESP).


O novo serviço, oferecido pela operadora, prevê o atendimento a cerca de 180 mil beneficiários por videoconferência. Também se divulgou que 15 médicos do Hospital Albert Einstein estariam responsáveis pelo serviço no sistema 24 h por dia. De acordo com nota do CREMESP, o Código de Ética Médica veta o atendimento a distância, autorizando-o apenas em casos de urgência ou emergência e na impossibilidade comprovada de realizá-lo presencialmente.


Em alguns países, como nos EUA, essa modalidade de atendimento já existe e é oferecido, inclusive, por uma famosa rede de farmácias, por meio de um app. Algumas operadoras começaram a usar Telemedicina nos seus serviços. Por exemplo, a famosa americana Kaiser oferece, a seus pacientes, 10 a 15 min de consultas médicas por telefone, bem como um site seguro em que os pacientes podem trocar mensagens com os médicos.


Essa polêmica surge no momento em que se discute a regulamentação da Telemedicina no país pelo Conselho Federal de Medicina (CFM). O atendimento não presencial, feito por meio de tecnologia, ainda está sob discussão após a revogação da Resolução CFM nº 2.227/2018, solicitada pelo CREMESP e demais Conselhos Regionais, preocupados com alguns aspectos do texto publicado. Até a elaboração e a aprovação do novo texto, a prática da Telemedicina no Brasil está subordinada aos termos da Resolução CFM nº 1.643/2002, atualmente em vigor, a qual exige um médico em cada ponta da comunicação.


São vários debates públicos sobre a Resolução nº 2.227/18, sem uma solução ou um direcionamento. A norma previa uma série de regras para consultas on-line, telecirurgia e telediagnóstico, entre outras formas de atendimento a distância. O texto estabelecia a Telemedicina como exercício da Medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, educação, pesquisa, promoção de saúde, prevenção de doenças e lesões, podendo ser realizada em tempo real ou off-line.


Há muito tempo o CFM abriu o debate para todos se manifestarem sobre a Telemedicina em decorrência, inclusive, de várias críticas por partes dos médicos, visto que a antiga resolução data de 2002. Quantos médicos já fazem hoje o atendimento remoto sem regulamentação? Uma orientação pelo WhatsApp, por telefone, é atendimento não presencial.


Como, portanto, ser contrário ao uso da tecnologia responsável na saúde, sobretudo em um país com a nossa realidade? Vale dizer que a Telemedicina já é usada desde os anos 1990, inicialmente pelo Programa Espacial da NASA. No Brasil, a Petrobras foi uma das primeiras empresas a utilizar esse serviço em embarcações e plataformas marítimas.


Considerando que a NASA implementou há décadas a Telemedicina, não surpreende que nos EUA haja novidades nos serviços oferecidos a distância. É o caso da Mercy Virtual, na cidade de Saint Louis, no Missouri, onde médicos e enfermeiros, por meio do “Centro de Cuidado Virtual”, fornecem suporte remoto para unidades de cuidados intensivos, salas de emergência e outros programas em 38 hospitais menores da Carolina do Norte até Oklahoma. Muitos desses locais não têm um médico 24 h. No Brasil, há resistência quanto a ausência de um profissional médico em uma das pontas.


A principal aplicação da Telemedicina é quando o médico generalista necessita do parecer de um especialista. No caso de não médicos participarem do atendimento, recebendo e transmitindo dados, o médico deve se certificar de que essa pessoa tem competência e comprometimento com a ética profissional e que há sempre o consentimento do paciente.


Se regulamentada no Brasil, a Telemedicina criará oportunidades para que os médicos cresçam profissional e financeiramente, abrindo oportunidades a especialistas, que, inclusive, poderão ajudar mais pessoas a distância. Utilizada de forma adequada e regulamentada, a Telemedicina será favorável para os médicos e para a sociedade.


Há muitos exemplos no país que ilustram a aplicação da Telemedicina com o escopo de levar atendimento a um número maior de pessoas, com mais agilidade. Recentemente, a prefeitura de São Paulo anunciou que iniciaria o atendimento remoto a usuários das Unidades Básicas de Saúde (UBS) de Vila Maria/Vila Guilherme e Butantã, com as especialidades de Dermatologia, Reumatologia, Neurologia, Endocrinologia, Pneumologia, Cardiologia e Ginecologia para o pré-natal de risco.


Nesse modelo, os médicos especialistas (segundo uma escala de dias e horários) discutiriam os casos pela plataforma ao vivo (sempre que possível) por meio de videoconferência, com acesso a imagens de exames, como radiografia e tomografia, e com a presença do paciente. O objetivo desses atendimentos, envolvendo o médico assistente da UBS e o especialista, é a redução das filas de espera para consultas e também de encaminhamentos para os ambulatórios de especialidades.


Desde 2008, a Telemedicina é uma realidade em Porto Alegre. A tecnologia possibilita às gestantes fazer ultrassonografias obstétricas no próprio posto de saúde, o que diminuiu o tempo entre a marcação e a realização de exames de 3 a 4 meses para cerca de 30 dias. Outro ponto importante está na identificação de casos complexos, que representam cerca de 10% das gestações. Com os exames executados precocemente, as gestantes podem ser encaminhadas para atendimento especializado, o que culmina na diminuição de problemas durante o parto.


Outro exemplo, é o do estado de Santa Catarina, com emissão de laudos a distância para exames de dermatologia, o que possibilita saber a gravidade de uma lesão antes de o paciente ser encaminhado ao especialista. A tecnologia catarinense cobre 100% do estado e está em expansão para todo o Brasil, com implantação já efetivada em municípios do Mato Grosso e da Bahia. Portanto, médicos de estados distintos estão interagindo em prol do paciente, mesmo que a normatização do CFM preconize que nenhum médico possa atuar em outro estado sem estar registrado nele. A tecnologia rompe essa barreira.


Interessante pensar que nossa sociedade também está envolvida na discussão de temas sobre o futuro da saúde. Para exemplificar, em evento devido ao aniversário da cidade de São Paulo, foram promovidas várias palestras voltadas para a população interessada. Duas delas, “O Futuro da Saúde” e a “Revolução Digital na Saúde” abordaram a Telemedicina como ferramenta facilitadora para ampliar a assistência de saúde.


Resta, agora, buscar ferramentas para instrumentalizar a resolução de maneira mais ética, juridicamente segura e favorável a pacientes e profissionais da saúde. E que a tecnologia venha sempre acompanhada de ética e sem que se perca o vínculo médico e paciente.

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