Onde as crianças brincarão?

Onde as crianças brincarão?

 

Na década de 1960, o emblemático cantor e compositor americano Cat Stevens compôs a música Where do the children play?, em alusão às grandes mudanças da época e à repercussão destas nas vidas das crianças (“Well I think it's fine, building jumbo planes / Or taking a ride on a cosmic train... / We're changing day to day / But tell me, where do the children play?” – ou seja, podem construir aeronaves supersônicas ou cósmicas, mas onde as crianças brincarão?). Mal imaginava ele que quase 50 anos depois seu refrão retornaria tão atual durante a pandemia do novo coronavírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19.

 

Na Itália, durante a fase aguda da epidemia, chegou-se a responsabilizar as crianças por serem as grandes transmissoras do novo coronavírus a seus familiares, particularmente a seus nonni – os avós. Entretanto, os pacientes pediátricos têm sido absolvidos dessa culpa, conforme revisão publicada no periódico Acta Pædiatrica, em maio de 2020. Os autores indicaram que as crianças podem ter níveis de excreção viral mais baixos que os adultos, em parte porque, via de regra, apresentam menos sintomas, o que provavelmente deve diminuir o risco de transmissão.

 

Os dados detalhados demonstraram que a contagem da carga viral em naso e rinofaringe de crianças de 1 a 10 anos mostrou uma média de 43.000 partículas virais, contra uma média de 183.000 em adultos de 21 a 30 anos de idade. Ademais, a negativação da excreção viral ocorreu em menos tempo: foram cerca de 12 dias em crianças e adolescentes de 0 a 14 anos, em comparação a 16 dias em adultos também assintomáticos.

 

Também tem sido investigado o fato de a criança poder ser o caso índice (ou seja, a pessoa que é responsável por introduzir o vírus no âmbito familiar). Em três estudos, que, somados, avaliaram a infecção pelo novo coronavírus em 516 diferentes lares, em somente três deles (0,6%) o caso índice possuía menos de 15 anos de idade. No caso do vírus influenza, as crianças foram o caso índice em até 54% dos casos.

 

De modo mais amplo, outras informações foram coletadas em contatos escolares. Nos Alpes Franceses, um menino de 9 anos de idade participou de várias atividades escolares e entrou em contato com 112 colegas. Nenhum contraiu a Covid-19, e não houve surto algum da doença nas escolas da região.

 

Acredita-se que um total de 1,19 bilhão de crianças e adolescentes, estudantes em 150 países, não esteja participando das atividades escolares presenciais em decorrência da pandemia. Um estudo com mais de duas mil crianças e adolescentes (de 6 a 17 anos) em escolas de Xangai, na China, revelou redução de 7,3 horas por semana em atividade física e aumento de 30 horas semanais de tempo em frente a telas, o que pode desencadear dificuldade de concentração, irritabilidade, ansiedade e até sinais de depressão.

 

Os autores de tal estudo acreditam ser improvável que as crianças sejam os principais disseminadores da doença na pandemia do Covid-19, como se concebeu inicialmente. Também se discute que seja pouco possível que a abertura de escolas e jardins de infância tenha impacto significativo nas taxas de mortalidade pelo novo coronavírus entre a população de risco, ou seja, entre os idosos.

 

Será que a música Pai, de Fábio Júnior, conhecida há cerca de 45 anos, a qual enaltece o papel dos avós nos versos “Pra pedir pra você ir lá em casa. / E brincar de vovô com meu filho. / No tapete da sala de estar” estará obsoleta no próximo Dia dos Pais? Oxalá (in shaa Allaah – se Deus quiser) as crianças voltarão a brincar como antes! E com seus avós!

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