Os limites do ato médico

Os limites do ato médico

Por Dr. Genival Veloso de França – Deve-se entender como ato médico genérico todo esforço organizado e tecnicamente reconhecido em favor da qualidade da vida e da saúde do ser humano e da coletividade. Assim, não se trata apenas daquilo que o médico pode realizar, mas também do que é da competência de outros profissionais da área, do que eles podem e devem fazer em favor do bem-estar e da saúde de todos.


Tal conceito visa a atender à necessidade de estruturação das disponibilidades físicas e da implantação de uma política de recursos humanos, como forma de proteger e potencializar a assistência à saúde e à vida, como aquele realizado por um agente de saúde, que tenha como proposta de ação a saúde individual ou coletiva. Assim, as atividades profissionais do enfermeiro, do dentista ou do fonoaudiólogo não deixam de ser, no nosso entendimento, um ato médico “lato sensu”.1


Por outro lado, existe o que se pode chamar de ato médico específico, ou seja, a utilização de estratégias e recursos para prevenir doenças, recuperar e manter a saúde do ser humano ou da coletividade, inseridos nas normas técnicas (lex artis) dos conhecimentos adquiridos nos cursos regulares de Medicina e aceitos pelos órgãos competentes, estando profissional e legalmente habilitado quem o executa, supervisiona ou solicita. Este é o ato médico “stricto sensu” e somente o médico pode realizá-lo.


O ato médico específico está delimitado por um núcleo conceitual, que inclui propedêutica e terapêutica médicas como atividades estritamente privativas do médico (p. ex., atestar óbito, praticar uma anestesia ou proceder uma laparotomia). Deste modo, seria o conjunto de práticas e ensinamentos exercido ou supervisionado de forma exclusiva pelos que estão legalmente habilitados para o exercício da profissão médica e aceito e recomendado por instituições responsáveis pela fiscalização da medicina, instituições médicas científicas e aparelhos formadores desta profissão.


Deve-se ainda considerar ato médico específico todo procedimento que, mesmo não realizado necessariamente pelo médico, pressupõe de forma absoluta sua responsabilidade e supervisão. Citam-se, como exemplos, a adaptação de lentes de contato (“a indicação e prescrição de lentes de grau e de contato são de exclusiva competência dos médicos” – Parecer CFM n. 09/86), a colocação de aparelho gessado (“a indicação de colocação de aparelhos gessados, talas gessadas etc. é de exclusiva competência médica” – Parecer CFM n. 12/85) e a leitura e interpretação de exames (“a leitura e interpretação dos testes espirométricos constitui parte do diagnóstico clínico, sendo considerado ato privativo da medicina” – Parecer CFM n. 11/96).


O mesmo se diga até, sem nenhuma estranheza, da participação de técnicos de saúde e agentes comunitários recrutados e identificados na própria comunidade, desde que em um conjunto de ações de saúde organizado e aprovado pelos órgãos públicos de saúde e sob permanente orientação e responsabilidade médica.


Até mesmo a solicitação de exames complementares e a prescrição de medicamentos por enfermeiros, por exemplo, podem ser enquadradas em ato médico específico, desde que a medicação esteja restrita a fármacos estabelecidos em programas de saúde pública ou em rotina aprovada pela instituição de saúde, como orientam o Parecer Consulta CFM n. 04/95 (“é lícita aos enfermeiros a prescrição apenas de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública ou em rotina aprovada pela instituição de saúde”) e a Lei n. 7.498, de 25 de junho de 1986, que dispõe sobre a regulamentação da Enfermagem no Brasil:


Art.11 – O enfermeiro exerce todas as atribuições de Enfermagem, cabendo-lhe: […] II – Como integrante da equipe de saúde: […]; c) prescrição de medicamentos estabelecidos em programas de saúde pública e em rotina aprovada pela instituição de saúde […].


Ou como adverte o Parecer Consulta CFM n. 30/96: “atos que visem diagnóstico, prognóstico ou terapêutica só podem ser praticados por médicos ou executados por outros profissionais quando prescritos e/ou supervisionados por médico”.


Assim, não se deve deixar de considerar a existência de um conjunto de meios e procedimentos que podem ser conduzidos ou orientados pelos diversos profissionais de saúde, desde que estejam sob a orientação e controle do médico. Todavia, admitir que em face da formação do médico, de características essenciais e exclusivas, determinados atos não se reproduzem aos demais segmentos da profissão saúde. Portanto, não cabe a estes profissionais diagnosticar, indicar tratamentos e dar alta. Sua função é a de executar os métodos e as técnicas prescritas pelos que estão habilitados para tanto.


Fora de tais considerações, pode-se entender como desvio de competência, constituindo-se em um fato a ser avaliado pelo Conselho Regional de determinada categoria de saúde, em cuja jurisdição ocorreu o indevido procedimento.


Referência bibliográfica


  1. França G. Comentários ao Código de Ética Médica. 4. ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S/A; 2003.

 


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