Pandemia por COVID-19 e o uso de novas tecnologias na prática médica

Pandemia por COVID-19 e o uso de novas tecnologias na prática médica

Pode-se afirmar que a pandemia pelo Sars-CoV-2 é evento sem precedentes na história humana. Um vírus respiratório, com alta capacidade de disseminação, passou a fazer parte de nossa sociedade globalizada e trouxe consequências de amplas proporções, com efeito direto não apenas na saúde pública mas também nas esferas sociais e econômicas.

 

No que tange aos serviços de saúde, há meses temos vivenciado mudanças, com sobrecarga nos serviços públicos de urgência e terapia intensiva em vários municípios e queda nas demandas de procedimentos eletivos. A necessidade de fornecer atendimento aos doentes, racionalizando o uso de estruturas hospitalares e evitando superlotação, foi um dos primeiros grandes desafios impostos pela pandemia. Com o relaxamento das medidas de distanciamento, o foco passou a ser as medidas de controle que evitem a disseminação da Covid-19 em comunidades e empresas em geral. Assim, o diagnóstico e o tratamento de condições crônicas foram amplamente afetados, ao passo que os de outras, como das doenças mentais, cresceram, em razão do aumento da sua incidência.

 

Neste cenário, o uso de soluções tecnológicas foi intensamente acelerado nos sistemas de saúde em todo o mundo. Chatbots e aplicativos interativos capazes de realizar triagens por meio do autopreenchimento de questionários, análise de riscos e disseminação da infecção baseadas em geolocalização passaram a ser utilizados em diversos países, com eficácias variáveis. O emprego de Big Data, aliado à inteligência artificial, vem progredindo com utilidades diversas na pandemia, como detecção e diagnóstico precoce da infecção, monitoramento do seu tratamento, mapeamento de contactantes, projeção do avanço de casos e óbitos, desenvolvimento de drogas e vacinas, diminuição da carga de trabalhos de profissionais da saúde (uso de protocolos automatizados, árvores de decisão, etc.) e prevenção de infecções.

 

Já a chamada telessaúde vem ocupando um lugar de destaque como uma disrupção com potencial de diminuir filas e tempo de atendimento, gerar menos custos com deslocamento de pacientes e profissionais e permitir o intercâmbio de informações entre generalistas de áreas remotas e especialistas de grandes centros, reorganizando o sistema. Ademais, propicia o atendimento a distância por profissionais diversos, como fonoaudiólogos, fisioterapeutas, psicólogos e nutricionistas, dentre outros. Consequentemente, espera-se que a tecnologia para telerregulação, telemonitoramento, teleducação e segunda opinião seja cada vez mais adotada em todo o país, sendo ferramenta essencial para propiciar a um território continental, como o nosso, uma melhor distribuição da oferta de profissionais e serviços de saúde.

 

Nesse cenário, a telemedicina ocupa lugar de destaque. No Brasil, a primeira resolução do Conselho Federal de Medicina sobre tal modalidade de atendimento data de 2002 (Resolução 1.643/02), mas ainda não estava prevista a possibilidade da teleconsulta. Dezesseis anos depois, elaborou-se uma nova resolução, mais atualizada e de acordo com necessidades e tecnologias disponíveis (Resolução 2.227/18), com previsão de implementação para o início de 2019. No entanto, por ter sido alvo de críticas, a modalidade ficou em suspensão até 2020, quando, enfim, em abril, a pandemia forçou o Governo Federal a autorizá-la por lei, enquanto durar a crise pela Covid-19. Ainda não se sabe como será a regulamentação após esse período, porém é cada vez mais difícil imaginar sua exclusão no chamado “novo normal”.

 

É preciso que o profissional de saúde esteja preparado para mudanças como essas, que surgem de modo cada vez mais acelerado. Gradativamente, os médicos vêm entendendo o poder das redes sociais como ferramenta de educação para o público e de divulgação do seu trabalho, bem como a procura por plataformas tecnológicas para teleconsultas. No entanto, quantos de nós estão preparados para lidar com exigências, por exemplo, em relação à segurança na transmissão e no armazenamento de dados sensíveis? Quantos estão capacitados a auxiliar cientistas de dados e administradores na interpretação de informações e em tomadas de decisão mais assertivas no que diz respeito à gestão de grandes populações?

 

A incorporação de tecnologias ocorreu de modo acelerado durante a pandemia. Precisaremos, portanto, acelerar também nosso conhecimento a respeito delas, bem como no debate público e na educação médica, para que possamos fazer melhor uso de tudo o que ela nos oferece.

 

 

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