Papanicolaou: Brasil ainda falha em prover o básico contra o câncer
- 21 de out de 2018
Por Dr. Clóvis Klock – Uma verdade tão elementar que quase parece desnecessário repeti-la: uma das formas de combater os altos números de câncer no Brasil é olhar com atenção para os exames preventivos, que possibilitam aos médicos diagnosticar a doença precocemente ou mesmo identificar lesões pré-malignas. Por ser algo tão simples, é até estranho termos que repetir isso à exaustão ‒ mais estranho ainda é percebermos como o Brasil falha gravemente nessa tarefa.
Um ótimo exemplo de exame preventivo são os cérvico-vaginais, como o Papanicolaou. Esse método é extremamente eficaz e barato na prevenção do câncer de colo do útero e de ovário, doenças que, juntas, serão diagnosticadas em mais de 22,5 mil mulheres apenas em 2018, segundo projeção do Instituto Nacional de Câncer (INCA). Em alguns países da Europa, o exame de Papanicolaou foi colocado no centro dos exames de rotina das mulheres, reduzindo de 70 a 80% a mortalidade por câncer de colo do útero. No Brasil, em 2015, a mortalidade por essas duas neoplasias chegou próximo de 10 mil vítimas.
Mais do que diagnosticar precocemente o câncer, o exame de Papanicolaou também identifica lesões pré-malignas. Se formos um pouco além, a Patologia Molecular dispõe hoje de opções de diagnóstico que podem identificar a presença do vírus HPV, principal agente causador de mortes por câncer no órgão, muito antes de qualquer lesão. Mas nem é necessário ir tão longe.
Pode-se dizer que hoje o Brasil deixa morrer metade das mulheres com diagnóstico de câncer de colo do útero e de ovário, neoplasias altamente curáveis quando descobertas com certa antecedência. Em meio a uma série de entraves ‒ e apenas para citar um ‒, o Brasil ainda não resolveu seu problema quanto ao pagamento das parcerias público-privadas que visam a acelerar o diagnóstico. Isso porque o pagamento é calculado pela Tabela SUS, que se encontra, desde 2007, sem alterações expressivas.
É muito importante citar ainda que pela Lei do Ato Médico apenas médicos patologistas podem fazer as análises e apresentar o laudo de câncer de colo do útero; no caso do laudo preventivo, o citopatologista também tem licença. Desse modo, a paciente conta com a segurança no diagnóstico que só um médico que cursou seis anos de faculdade e mais três de residência, e fez a prova de título para a especialidade e subespecialidade, pode trazer. E os estudos não acabam por aí: os médicos incluem em sua rotina cursos, congressos, simpósios, livros e inúmeros outros métodos de atualizações para continuar a desempenhar corretamente a boa patologia e o bom diagnóstico.
Essa discussão veio à tona porque recentemente descobriu-se que, em Pelotas, no Rio Grande do Sul, análises feitas por profissionais de outras especialidades eram fraudadas ou analisadas por amostragem. A desconfiança começou porque, durante quatro anos, nenhum exame de Papanicolaou apontou alteração alguma, enquanto os casos de câncer de colo do útero surgiam já em fase avançada e metastática, sendo revelados em exames posteriores. Portanto, é de extrema importância enfatizar não somente a necessidade de atualização técnica de medicina patológica, mas de ética médica também.
Já não há mais justificativas para ficar de braços cruzados nem fechar os olhos para os obstáculos causados pela Tabela SUS. Em breve, o Brasil será um país em que o câncer será o maior agente causador de mortes. Em uma era em que a medicina de precisão evolui a passos largos, nosso país precisa, mais do que criar armas contra o câncer, permitir que suas pacientes tenham acesso ao básico, retomando a verdade elementar do diagnóstico precoce.