Prejuízos da onipresença do Judiciário na Saúde

Prejuízos da onipresença do Judiciário na Saúde

O Governo Federal, infelizmente, neste começo de mandato, está negligenciando um dos setores mais preocupantes do país: a Saúde. Têm-se priorizado outros temas e pastas: reforma da Previdência, demarcação de terras indígenas e porte de armas. É evidente que o Governo precisa gerenciar seus recursos para o país não cair em recessão, como se tem alardeado. Todavia, setores essenciais, como Educação e Saúde, deveriam ser prioridades em um governo de um país que pretende, um dia, ser desenvolvido.


Nesse contexto, por que não pensar em uma reforma para a Saúde? Única saída para que consigamos, talvez, enfrentar todos os gargalos que o sistema vivencia há décadas. Pacientes sem atendimento, hospitais em situação de caos, falta de insumos básicos, fraudes bilionárias, alto grau de judicialização para o acesso a medicamentos e cirurgias, entre outros problemas graves que oneram o Estado.


É inconteste que o objetivo do Sistema Único de Saúde (SUS) de promover, proteger e cuidar do cidadão não é cumprido, embora seja um projeto socialmente fantástico. Ocorre que nunca haverá recurso suficiente para prover todas as necessidades de todos.


Não obstante, ainda que os recursos sejam escassos, há também falta de gerenciamento do pouco existente. E essa falta de responsabilidade com os cofres públicos tem refletido nos tribunais, cada vez mais.


É crescente o índice de ações que discutem o acesso a tratamentos, medicamentos e cirurgias no Judiciário. A página mais recente foi a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que impôs restrições ao poder público para fornecimento de medicamentos sem registro na Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa). A Corte Superior também considerou que o poder público não deve ser obrigado a fornecer medicamentos em fase de testes, igualmente sem registro na Anvisa. Nesses casos, a situação será analisada de forma individual.


O STF também entendeu que o paciente em busca de remédios sem registro sanitário não poderá processar Municípios e Estados, somente a União, uma vez que a esfera federal é a única responsável pelo processo de registro de medicamentos. No caso excepcional de doenças raras e ultrarraras, o Supremo definiu que o juiz pode determinar o fornecimento de medicamento sem registro sanitário mesmo quando a Anvisa ainda não tenha ultrapassado o prazo para processar o pedido de registro – 365 dias para remédios de categoria ordinária e 120 dias para os prioritários.


Importante ressaltar que todas as definições do STF, responsáveis por criar parâmetros para que os juízes possam decidir com mais objetividade, são iniciativas positivas e que trazem benefícios quanto à celeridade do processo. Existe também o reflexo positivo na questão social da discussão, pois os juízes estarão decidindo com mais assertividade e, talvez, determinando o melhor uso dos recursos públicos destinados à Saúde. Em outras palavras, o Judiciário entrou na seara do Executivo.


Uma questão importante a ser discutida, quando falamos em doenças raras e medicamentos de alto custo, relaciona-se com a visão do indivíduo versus a da coletividade. Sem dúvida, existem doenças que demandam tratamentos e medicamentos muito caros, que não cabem no bolso de pacientes e suas famílias. Vale frisar que, para tratar algumas doenças ultrarraras, os custos são exorbitantes. A questão que surge é:  qual peso se deve dar ao tratamento individual em detrimento do coletivo?


Trata-se de tema de difícil consenso. Na ótica individual, do paciente, ele tem o direito, garantido pela Constituição, do amplo e universal acesso à saúde, sem qualquer diferença entre classes sociais. Do outro lado, Municípios, Estados e a União também dispõem de recursos muitas vezes escassos para atender às diversas demandas de medicamentos de alto custo, por exemplo. Uma equação de alto risco e difícil resultado positivo.


Uma saída seria ter uma política pública desenvolvida, assim como em outros países que enfrentam o mesmo problema, para diminuir os custos com medicamentos destinados a doenças raras. Como exemplo, a compra não deveria ser fracionada, mas feito um estoque dos principais fármacos, para obter margem de negociação com a indústria farmacêutica. O gasto individual é muito alto e, sem dúvida, um melhor gerenciamento logístico e de compra durante a negociação e a estocagem desses remédios seria uma boa opção para reduzir gastos.


Contudo, no Brasil, como a solução para os problemas esbarra na cultura do mau gerenciamento, seria necessário mudar o desperdício que se vê no país. Em 2017, um relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) mostrou que 11 estados e o Distrito Federal jogaram remédios fora, o que culminou em uma perda de R$ 16 milhões, tão somente porque passaram da validade ou foram armazenados de forma incorreta.


O SUS gasta cerca de R$ 7,1 bilhões por ano para comprar esses remédios, mas pelo menos uma parte desse valor tem ido direto para o lixo. O que pensar de tal absurdo, quando se alega justamente falta de recursos? A par da Judicialização excessiva, que aumenta os gastos com medicamentos, tem-se outra realidade: a corrupção na compra de medicação. Agentes públicos, que dispensam licitação para adquirir fármacos de fornecedores escolhidos de modo a obterem lucro em aquisições que, muitas vezes, se quer correspondem ao que a população precisa.


Portanto, precisamos colocar na pauta, o mais rápido possível, uma proposta para gerenciamento da Saúde no Brasil. Nosso sistema é caótico e não caminha para uma solução. Pelo contrário, todos os dias são registrados novos casos, escândalos e mortes advindas do descaso político.


A indicação é de que o colapso e o caos na Saúde sejam sempre transferidos para o Judiciário. Ou seja, a incompetência do Estado em fornecer uma saúde de qualidade, entre outros problemas sociais e econômicos, culmina em processos nos tribunais. Sem dúvida, a maioria dos casos em análise na Justiça deriva de má gestão.


Economizar em Saúde significaria investir em prevenção, atendimento de qualidade, programas sociais que incentivem o bem-estar do cidadão e educação.


O paciente quer salvar, em primeiro lugar, seu bem maior, a vida. Todavia, a intromissão excessiva do Judiciário não é benéfica, pois desestabiliza o sistema. Não é pouco dizer que a precariedade da rede pública de saúde e os tratamentos milionários custeados por determinação judicial contrastam. O Estado precisa cuidar de todos, mas como equacionar essas necessidades com recursos finitos? Necessário repensar modelos.

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