Prevenção primária da fibrilação atrial

Prevenção primária da fibrilação atrial

Por Dr. Eduardo Barbosa – Fibrilação atrial (FA) é a mais comum arritmia sustentada com significância clínica. Sua presença está associada ao aumento da mortalidade e da morbidade, em especial, por acidente vascular encefálico e insuficiência cardíaca. Registros epidemiológicos estimaram no ano de 2010 uma prevalência global de FA em 33,5 milhões de indivíduos. Comparando os registros mundiais obtidos no ano de 1990 com os de 2010, observa-se um aumento global da prevalência da FA em cerca de 4%, todavia registra-se entre esses dois momentos um incremento ainda maior da incidência de FA na ordem de 30%. A morbimortalidade dos portadores de FA também se elevou em torno de 18% entre 1990 e 2010.


Enquanto o aumento da prevalência pode ser explicado pelo envelhecimento da população, o incremento da incidência deve estar relacionado ao surgimento ou intensificação de fatores de risco para o desenvolvimento dessa arritmia. É interessante notar que, tanto na prevalência como na incidência, o aumento observado foi duas vezes maior nos países desenvolvidos em relação aos em desenvolvimento. Além dos fatores de risco clássicos como hipertensão arterial sistêmica, cardiopatia isquêmica, doença orovalvar, insuficiência cardíaca e distúrbios tireoidianos, novos fatores de risco têm sido descritos na FA, em especial, naqueles indivíduos sem cardiopatia estrutural.


Mediante ao fato de essa arritmia, em face de sua alta prevalência, ser considerada uma questão de saúde pública em países desenvolvidos, o conceito de prevenção primária da FA foi introduzido somente no século XXI. Alguns novos fatores de risco de FA são descritos a seguir.


Apneia obstrutiva do sono (AOS)


Condição que ocorre em 5% dos indivíduos entre 40 e 65 anos. Cinquenta por cento dos portadores são obesos. Cursa com episódios de apneia e hipopneia durante o sono. Mais de cinco episódios desses eventos por hora de sono permitem o diagnóstico de AOS. As arritmias que aparecem com maior frequência em portadores de AOS quando comparados àqueles sem AOS são as bradiarritmias e taquiarritmias atriais, em especial a FA, cuja incidência é cinco vezes maior na presença de AOS em relação a sua ausência. AOS é considerada um fator de risco independente de FA, contudo seu potencial preditivo parece ocorrer apenas nos casos graves (com episódios de apneia/hipopneia > 30 por hora) e em indivíduos com menos de 65 anos.


O diagnóstico inicial de AOS costuma preceder a FA em cerca de 10 anos. Estudos que avaliaram o efeito do tratamento da AOS com CEPAP na prevenção das arritmias mostraram resultados contraditórios, ainda que os positivos para prevenção fossem mais comuns.


Obesidade


Uma metanálise baseada em estudos-coorte mostrou que indivíduos obesos têm aumento de 49% do risco de desenvolver FA em comparação a não obesos. Nessa análise, o risco de FA aumentou em paralelo com o índice de massa corporal (IMC).


No estudo de Dublin e cols. foi demonstrado um aumento de 3% no risco de FA para cada unidade de aumento no IMC. Os autores consideraram que a alta prevalência de diabetes na população estudada pode ter, em parte, contribuído para a associação positiva entre sobrepeso e FA. Em outro estudo longitudinal que incluiu 3.428 pacientes com FA paroxística, seguidos por cinco anos, foi observado que o sobrepeso esteve fortemente associado ao aumento do risco de evolução para a forma permanente de FA, sendo o sobrepeso fator de risco independentemente do diâmetro do átrio esquerdo.


Em estudo efetuado por mim, o IMC foi um marcador de ineficácia da terapia farmacológica e independente tanto do átrio esquerdo quanto da superfície corporal. De fato, IMC>25,4kg/m² esteve associado ao aumento de 1,69 vez para recorrência de FA.


Exercício físico


Elosua e cols. observaram em estudo caso-controle uma incidência três vezes maior de FA idiopática em indivíduos praticantes de atividades esportivas regulares quando comparados com controles. No caso de FA vagal esse aumento foi de cinco vezes. Interessante notar que a associação da FA foi determinante quando o tempo cumulativo de prática esportiva excedeu 1.500 horas.


Em outro estudo, que avaliou corredores da modalidade cross-country, foi detectada FA em 5,3% dos atletas, mas em apenas em 0,9% de controles sedentários e pareados para idade e outros fatores de risco de FA.


O estudo de Mont e cols. detectou em 1.160 pacientes consecutivos episódio de FA idiopática em 70 casos. Em cerca de metade desses casos, os pacientes praticavam pelo menos 3 horas por semana de atividade esportiva a longo prazo. Em 57% dos esportistas, a FA tinha início em atividades de aumento de tônus vagal, como no repouso ou após alimentação, em contraste com indivíduos sedentários cujos episódios de FA durante atividade vagal ocorreu em apenas 18% dos casos.


Pressão de pulso


A pressão de pulso (PP) é obtida pela diferença entre as pressões arteriais braquiais sistólica e diastólica e valores normais são considerados até 40 mmHg. A PP está associada de forma independente com o surgimento de FA. Seu potencial preditivo parece ser maior do que os valores isolados das pressões sistólica e diastólica. Dos 5.331 pacientes que participaram do Framingham Heart Study, 698 desenvolveram FA após acompanhamento médio de 12 anos. A incidência acumulativa de FA foi de 5,6% para PP menor ou igual a 40 mmHg e de 23% para PP maior que 60 mmHg.


Em modelo ajustado para idade, sexo, IMC, tabagismo, cardiopatia valvar, diabetes, hipertrofia ventricular esquerda, tratamento da hipertensão, infarto do miocárdio e insuficiência cardíaca, a PP esteve associada a FA com razão de chance de 1,26 para cada 20 mmHg de incremento.


Outros fatores de risco


Consumo agudo ou crônico de bebida alcoólica, estados inflamatórios sustentados e fatores genéticos também já foram associados como preditores de novos episódios ou recorrências frequentes de FA.


As evidências que caracterizam esses fatores como preditores do desenvolvimento de FA é bem mais robusta do que os indícios de estratégias bem-sucedidas na prevenção da FA anulando ou modificando esses fatores. Ainda assim, pesquisas têm sido realizadas no sentido de determinar o impacto na redução de novos episódios de FA por meio de medidas como:


  1. Tratamento específico da AOS.
  2. Redução da obesidade.
  3. Moderação em relação à prática intensa de exercícios físicos em indivíduos de meia idade.
  4. O uso de anti-hipertensivos com maior efeito na redução da PP.
  5. O consumo parcimonioso de bebida alcoólica (até 30 g de álcool por dia).
  6. O encontro de marcadores de estados inflamatórios sutis e sustentados como a proteína C reativa e outros.

O conhecimento sobre a prevenção primária da FA ainda é insuficiente, mas as projeções pessimistas da prevalência dessa arritmia num futuro próximo justificam todos os esforços científicos que estão por vir.


Bibliografia


Chugh SS, Havmoeller R, Narayanan K, et. al. Worldwide Epidemiology of Atrial Fibrillation: A Global Burden of Disease 2010 Study. Circulation. 2014 Feb 25;129(8):837-847.


Wanahita N, Messerli FH, Bangalore S, Gami AS, Somers VK, Steinberg JS. Atrial fibrillation and obesity – results of a meta-analysis. Am Heart J. 2008;155(2):310-15.


Dublin S, French B, Glazer NL, Wiggins KL, Lumley T, Psaty BM, et al. Risk of new-onset atrial fibrillation in relation to body mass index. Arch Intern Med. 2006;166(21):2322-328. www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co.


Roche F, Xuong AN, Court-Fortune I, et. al. Relationship among the severity of sleep apnea syndrome, cardiac arrhythmias, and autonomic imbalance. Pacing Clin Electrophysiol. 2003;26:669-77.


Gami AS, Hodge DO, Herges RM, et. al. Obstructive sleep apnea, obesity, and the risk of incident atrial fibrillation. J Am Coll Cardiol. 2007;49:565-71.


Lévy P, Pépin JL, Arnaud C, et. al. Intermittent hypoxia and sleep-disordered breathing: current concepts and perspectives. Eur Respir J. 2008 Oct;32(4):1082-95.


Mont L, Sambola A, Brugada J, Vacca M, Marrugat J, Elosua R, et al. Long-lasting sport practice and lone atrial fibrillation. Eur Heart J. 2002;23:477-82.


Elosua R, Arquer A, Mont L, et al. Sport practice and the risk of lone atrial fibrillation: a case-control study. Int J Cardiol. 2006;108:332-7.


Karjalainen J, Kujala UM, Kaprio J, Sarna S, Viitasalo M. Lone atrial fibrillation in vigorously exercising middle aged men: case-control study. Br Med J. 1998;316:1784-5.



Conheça o curso coordenado pelo Dr. Eduardo Correa Barbosa:

Curso Online - Curso de Eletrocardiografia

Compartilhe: